O Estado de São Paulo, n. 44806, 20/06/2016. Economia, p. B4

Governo caça fraudes na área social

Ministério do Planejamento determinou cruzamento de dados envolvendo todas as pastas para identificar eventual acúmulo de benefícios

Por: Murilo Rodrigues Alves e Adriana Fernandes

 

Com uma conta de R$ 550 bilhões por ano para pagar em benefícios sociais, o governo fará uma varredura completa para encontrar pessoas que acumulam benefícios ou que não deveriam ser contempladas pelas regras dos programas. O super cruzamento de dados foi determinação do Ministério do Planejamento, disse ao ‘Estado’ o ministro interino da Pasta, Dyogo Oliveira.Todos os ministérios responsáveis por cada uma das ações terão que abrir suas bases de dados para os demais órgãos, excetuando informações protegidas por sigilo fiscal. A medida vai possibilitar, por exemplo, descobrir quem recebe Bolsa Família mais também embolsa o abono salarial ou um beneficiário do seguro-defeso (benefício pago a pescadores artesanais no período da piracema) que também é um microempreendedor individual. “Se economizarmos 1%, já é muito. Com R$ 5,5 bilhões, já conseguimos pagar quase um programa inteiro”, disse Dyogo. “Com certeza, teremos impacto já este ano, mas é difícil estimar o tamanho das fraudes em cada um dos programas”, afirmou. Essa é uma das primeiras ações do Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP), instituído pelo governo federal em abril deste ano, ainda com a presidente afastada Dilma Rousseff. Com caráter interministerial, o comitê, que deve se reunir novamente hoje, faz a avaliação da eficácia do impacto das políticas e de programas selecionados. Também propõe alternativas de ajustes nos desenhos.

Farmácia Popular, Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), subsídios agrícolas e construção de creches também estão passando por supervisão, além das vitrines do governo petista, como Minha Casa Minha Vida e Bolsa Família. Com queda da arrecadação e sem dinheiro no caixa, não restou outra alternativa à área econômica de Dilma a não ser reavaliar os programas sociais para reduzir o volume de subsídios, além de colocar mais “critérios” para ter acesso aos benefícios.

O movimento, no entanto, sofreu forte resistência do PT e não avançou como se esperava para garantir uma melhoria do resultado fiscal. O governo de Dilma foi responsável por cortar recursos para o programa educacional Ciência Sem Fronteiras, mexer nas regras do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que banca empréstimos para estudantes do ensino superior em instituições de ensino privadas, e diminuir dinheiro para o Pronatec de qualificação profissional dos trabalhadores.

O discurso de Dilma na época era o de melhoria de gasto, o mesmo que vem sendo usado pela equipe do presidente em exercício Michel Temer. Uma das dificuldades para avançar nesse trabalho é a dificuldade política de apresentar mudanças nos programas sem perder apoio da população. Quando o governo mexeu nas regras do Fies, diminuindo o subsídio bancado pelo Tesouro nos financiamentos, a choradeira foi geral. “Esse é vespeiro de difícil solução no curto prazo”, avalia um técnico experiente do Tesouro que cuida do assunto.

Um integrante da equipe econômica avalia que os programas sociais, principalmente o Bolsa Família, não são os responsáveis pelo rombo de R$ 170,5 bilhões estimado para as contas do governo, mas sim as despesas obrigatórias, como as da Previdência, cuja reforma precisa ser enfrentada para diminuir o tamanho do déficit. “Os programas sociais precisam de foco. Melhorar a gestão e o desempenho, mas o grande problema fiscal é o gasto com a Previdência”, diz.

 

Recursos limitados

R$ 550 bi

é total que será gasto em benefício sociais

R$ 170,5 bi

é o déficit esperado para 2016

_______________________________________________________________________________________________________

Teto limitado deve forçar aprovação das reformas

Congresso não terá outra opção para abrir espaço no orçamento e evitar cortes na área social, prevê equipe econômica

 

O governo aposta que o teto dos gastos públicos, previsto para vigorar a partir de 2017, vai forçar o Congresso a aprovar reformas e abrir espaço no orçamento para bancar investimentos e programas sociais prioritários. Como limite aprovado, ficará mais difícil acomodar as despesas, já que não há como deixar de pagar as obrigatórias. Na prática, a trava no crescimento das despesas tendo como limite a inflação do ano anterior vai significar um arrocho nos gastos que não são obrigatórios – o governo não pode deixar de pagar aposentadorias, pensões e benefícios assistenciais, além da folha de pagamento dos servidores públicos. Essas despesas, que continuarão com dinâmica própria, vão continuar pressionando o orçamento, o que vai fazer com que o teto comprima os outros itens. “O caminho é perseguir as reformas estruturais para que não haja essa compressão dos outros gastos”, disse ao Estado o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. Ele cita, como exemplo, o endurecimento nas regras para a aposentadoria.

O tema está em discussão num grupo formado por representantes do governo, dos trabalhadores e dos patrões, mas que enfrenta forte resistência das centrais sindicais e dos parlamentares.

O governo passou a estimar que a reforma da Previdência será enviada em julho. O prazo era no fim deste mês. “É a maneira que vamos trabalhar. Temos senso de urgência em relação a essas reformas, mas não adianta atropelar”, afirmou o ministro. Como envelhecimento muito rápido da população, a fixação de uma idade mínima para aposentadoria se torna necessária como medida para que as despesas sejam acomodadas no teto, que é de 20 anos. Hoje, as despesas com a Previdência respondem por 32% dos gastos.

Ao contrário de estudos feitos por alguns economistas, Dyogo disse que a PEC atinge quase a totalidade das despesas públicas. Ele calculou que as exceções de despesas que não serão atingidas pelo teto não passam de R$ 20 bilhões por ano, valor bastante inferior ao total das despesas, que gira em torno de R$ 1,4 trilhão. Por isso, considerou a equivocadas estimativas feitas por analistas que incluíramos repasses constitucionais a Estados e municípios e as complementações do fundo de educação básica (Fundeb) como despesas da União, em vez de compartilhamento de receitas.

O teto, porém, tem como enfoque somente o lado das despesas e por isso, sozinho, não será suficiente para garantir resultado fiscal positivo em 2017, disse o ministro. “O que estamos vendo é que o lado das receitas tem tido um desempenho muito abaixo das expectativas”, afirmou.

Segundo ele, o nível de frustração de receitas é de quase dois pontos porcentuais do PIB por ano. Já as despesas subiram 6% acima da inflação entre 1997 e 2015. Embora muitos economistas apontem que a volta de um resultado positivo para as contas públicas vai demorar, o Ministério da Fazenda avalia que o superávit pode vir antes do que o mercado espera se as concessões e privatizações forem bem sucedidas.

A equipe econômica considera que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) contém três incentivos de responsabilidade fiscal, que devem mudar a cultura de elaboração do orçamento e execução das despesas.

Os parlamentares não poderão mais inflar as previsões de receitas para acomodar novas despesas. Foi com essa prática que o orçamento de 2016 foi aprovado, no ano passado, depois de passar por uma maquiagem que transformou um déficit de R$ 30,5 bilhões num superávit de R$ 24 bilhões.

 

Orçamento. “O que se espera é que a estimativa aprovada no Orçamento seja a mesma que foi enviada pelo governo ao Congresso”, disse uma fonte do Ministério da Fazenda. “Pela primeira vez, teremos uma discussão de orçamento sério”, completou. Os chamados restos a pagar – despesas não pagas transferidas de um ano para outro–terão um novo regime./A.F. e M.R.A.

Órgãos relacionados: