Serra sinaliza distanciamento das negociações na OMC

Fernando Eichenberg e Eliane Oliveira

03/06/2016

 

 

Chanceler condiciona engajamento do Brasil a resultados mais efetivos

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, sinalizou um possível distanciamento do Brasil nas negociações com a Organização Mundial do Comércio (OMC), se as demandas por um maior equilíbrio nas relações comerciais não avançarem. Ao discursar durante um encontro ministerial da OMC, realizado paralelamente à reunião da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Serra praticamente condicionou a permanência do Brasil nas negociações da OMC aos seus resultados:

— Com um padrão de comércio geograficamente bem distribuído, o Brasil naturalmente valoriza a OMC, mas a experiência dos últimos dez anos não tem sido recompensadora. Não temos sido capazes de ajustar a assimetria em setores econômicos e ao acesso entre produtos agrícolas e industriais. Não temos sido capazes de dar continuidade às preocupações dos países em desenvolvimento para facilitar sua crescente participação no comércio internacional.

CRÍTICA À ‘PARALISIA’ NA OMC

Criticando a falta de resultados na rodada de negociações, ele disse que o país está disposto a novos tipos de tentativas, enquanto os temas que considera importantes “continuarem sobre a mesa”.

— No mundo de hoje, acordos comerciais assumem uma diversidade de formatos e originam muitos fóruns. O Brasil vai também seguir este caminho, e permanecerá engajado nas negociações da OMC se elas avançarem — disse.

Serra elogiou o recente acordo que proibiu subsídios para a exportação de produtos agrícolas, o que “impediu a total perda de credibilidade do pilar de negociações da OMC”. Porém, ponderou que a capacidade da OMC em se manter como um fórum de negociação significativo ainda está em questão.

O ministro cobrou um “avanço sério” na questão dos subsídios domésticos na agricultura, pela definição de uma agenda progressiva de mudanças, “etapa por etapa”, para eliminar as distorções. O que o Brasil não pode ter hoje na OMC é “paralisia”, defendeu, sugerindo uma maior exigência por resultados nos encontros ministeriais realizados a cada dois anos, em vez de se apostar tudo nas grandes rodadas comerciais, como Doha.

Serra defendeu que o Brasil cumpriu seu papel econômico após a crise de 2008, e que é preciso que os países avançados façam agora a sua parte.

— É importante que nossos parceiros agora permaneçam abertos ao comércio e, como foi recomendado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), importantes economias usem o espaço disponível para estimular a demanda. Reequilíbrio não pode ocorrer em uma só via — alertou.

A próxima conferência ministerial da OMC ocorrerá no fim de 2017, e a Argentina foi o primeiro país a se candidatar como sede do encontro.

AZEVÊDO VÊ SINTONIA

O diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, afirmou que, apesar do tom crítico, o discurso proferido por Serra na reunião “abre portas para muitas negociações", incluindo o campo multilateral. Azevêdo disse ter conversado com Serra antes da reunião, da qual participaram cerca de 20 ministros dos países mais importantes associados ao organismo internacional. Relatou ter ouvido do chanceler que o Brasil tem grande interesse pelas conversas na OMC e que continuará dando apoio ao sistema multilateral, embora também vá procurar outros caminhos.

— Foi o que eu sempre disse: o país tem de ser pragmático, andar com sua agenda comercial aonde for possível, em todas as frentes. Estamos na mesma página. Ficou claro que o Brasil está pronto para explorar tudo isso em vários formatos de negociações: multilaterais, plurilaterais e mesmo acordos bilaterais fora da OMC — afirmou.

Serra nomeou o embaixador Evandro Didonet para a chefia da delegação brasileira em Genebra (Suíça), sede da OMC. Didonet assume o cargo no lugar de Marcos Galvão, que foi convidado pelo ministro para ocupar a secretaria geral do Ministério das Relações Exteriores.

 

 

O globo, n. 30251, 03/06/2016. Economia, p. 22.