O Estado de São Paulo, n. 44806, 20/06/2016. Internacional, p. A8

Políticos pró-UE torcem por saída do Reino Unido para destravar integração

Segundo pesquisas, muitos acreditam que Londres impediu que a União Europeia tivesse posição unificada em questões políticas e econômicas cruciais; campanha é retomada após assassinato de deputada e sondagem revela mais ingleses a favor da permanência

Por: Andrei Netto

 

Pesquisas de opinião indicam que nos países da Europa a opinião pública é contrária à saída da Grã-Bretanha da União Europeia. Mas em cada um desses países, há líderes políticos que não acham o chamado “Brexit” uma má ideia. Para nomes como o ex-premiê francês Michel Rocard, Londres trava a integração, impedindo que Alemanha e França, os dois motores do bloco, possam avançar na integração tanto no plano econômico, quanto no político.

A lista de nomes pró-União Europeia que desejam a saída da Grã-Bretanha foi realizada pelo site de informações Euractiv, que quebrou o tabu em Bruxelas e abordou o assunto. Segundo o veículo especializado na cobertura das instituições do bloco, a maior parte dos deputados pró-integração é favorável ao Brexit, não contrária. Mas, por ora, são poucos os eurodeputados que admitem em público a preferência. 

Entre os nomes mais célebres que acreditam que o Brexit será um bom negócio para a UE, o principal é o do ex-premiê Michel Rocard, um dos mais influentes membros do Partido Socialista na França. Para ele, o desamor da Grã-Bretanha pela União Europeia impede avanços em questões econômicas cruciais para a integração na zona do euro, como o orçamento unificado da UE, e questões de organização interna, como as diretivas de livre circulação de pessoas e de regulação do sistema de seguridade social. 

Além disso, a aversão de Londres a mais integração na política externa do bloco impediu que a União Europeia tivesse uma posição unificada em questões políticas cruciais como a 21.ª Conferência do Clima (COP21), no acordo nuclear com o Irã ou na guerra na Síria. Para Rocard, colocar esses temas na ordem do dia exige “que os ingleses vão embora”. “Não vi em nenhum lugar a demonstração de que isso seria, para eles ou pra nós, uma catástrofe tão grande”, afirmou o socialista em artigo no jornal Libération.

A voz de Rocard está longe de ser isolada. Homem influente na política da França, o ex-premiê tem como discípulos nada menos do que Manuel Valls, atual primeiro-ministro, e Emmanuel Macron, ministro da Economia – dois potenciais pré-candidatos à presidência em 2017, caso Hollande decida não se candidatar à reeleição. Neste fim de semana, em entrevista ao Le Monde, Macron foi taxativo. Defensor da manutenção da Grã-Bretanha na União Europeia, o ministro impôs uma condição: “Ou se está dentro, ou fora”. 

Macron garante que Londres não terá regalias caso opte por deixar o bloco e entende que um hipotético Brexit, longe de significar o fim da União Europeia, marcará o relançamento do projeto de integração sobre novas bases políticas. O bloco, diz o ministro, virará a página, deixando no passado os vetos de Londres e de seu distrito financeiro, a City. 

“No dia seguinte à saída, os estabelecimentos financeiros britânicos não terão mais o passaporte financeiro. O Conselho Europeu deverá lançar um ultimato aos britânicos sobre suas intenções e o presidente da República (Hollande) será muito claro nesse sentido”, antecipou Macron, desmontando um dos argumentos da campanha em favor do Brexit na Inglaterra: o fim da transferência de recursos de Londres para Bruxelas. “Se a Grã-Bretanha quiser um tratado comercial de acesso ao mercado europeu, os britânicos terão de contribuir ao orçamento europeu, como fazem noruegueses e suíços.”

Macron ainda projetou: o centro da Europa será Paris e Berlim, com forte participação de Roma. E as primeiras políticas de relançamento da integração deverão ser novas instituições exclusivas para a zona do euro, com um primeiro-ministro, um parlamento e um orçamento próprios. “Será o fim da visão ultraliberal da Europa.”

Anti-Brexit. As campanhas pró e contra o Brexit foram retomadas ontem, depois de serem interrompidas na quinta-feira em razão do assassinato da deputada Jo Cox, favorável à permanência do Reino Unido na UE. A primeira pesquisa realizada após a brutal morte da deputada trabalhista revelou um aumento da opinião favorável à permanência na UE. A quatro dias do crucial referendo, a sondagem do instituto Survation indicou que 45% dos ingleses são contra a saída e 42% a favor. Na quinta-feira, 52% eram favoráveis ao Brexit e 48% contra. 

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Voto pró-Brexit significará fim da carreira de Cameron

Para especialista, até mesmo uma vitória apertada pela permanência causará danos políticos ao premiê

Por: Andrei Netto

 

Principal responsável pela realização do referendo sobre a saída ou não do Reino Unido da União Europeia, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, deve ter os dias contados em caso de vitória da campanha do “sim”.

Para Jonathan Tonge, cientista político da Universidade de Liverpool, o líder do Partido Conservador não apenas terá de renunciar ao cargo, cedendo lugar ao ex-prefeito de Londres e seu rival interno Boris Johnson, como ainda verá o fim de sua carreira política.

Cameron foi o mentor do referendo marcado para quinta-feira. Para atender à ala mais avessa ao bloco (eurocética) de seu próprio partido, o Tory, Cameron prometeu em seu primeiro mandato que realizaria uma consulta popular sobre o tema. Na época, a maioria dos britânicos era a favor da manutenção no bloco, mas, desde então, e em especial após a crise migratória de 2015, grupos nacionalistas e de extrema direita conseguiram reverter o resultado. 

Até a quinta-feira, quando a deputada trabalhista Jo Cox foi assassinada por um militante ultranacionalista e neonazista, pesquisas de opinião indicavam a vitória do “Brexit” (saída) por 52% a 48%. “Cameron é um rei nu. Foi um grande erro político de sua parte prometer a realização do referendo”, disse Tonge. 

Líder da campanha pelo “sim”, Cameron enfrenta uma contradição: durante anos ele próprio atacou Bruxelas por sua suposta ineficiência, e agora adverte que o prejuízo econômico será irreparável se a ilha optar pelo rompimento. “Se votarmos pelo “sim”, Cameron terá de renunciar, pois terá acabado como líder político.

O poder vai sofrer crash em Londres e a libra esterlina vai passar por um enorme período de instabilidade”, prevê o acadêmico. Para Tonge, mesmo uma vitória apertada em favor da permanência do país na UE poderá representar um dano irreparável à credibilidade do primeiro-ministro. “Se for um voto pelo ‘não’, Cameron poderá permanecer no poder, mas terá vivido sua última grande aposta.”

Não é a primeira vez que o primeiro-ministro conservador coloca o país em um impasse. Em 18 de setembro de 2014, um referendo sobre a permanência da Escócia no Reino Unido foi realizado com sua autorização. O resultado foi uma vitória apertada de 55,4% em favor da permanência e 44,6 %, pela independência.

Não bastassem todos os problemas que serão causados ao país pelo eventual rompimento com a União Europeia, Londres provavelmente terá de enfrentar um novo levante da opinião pública na Escócia. Principal instituição política de um país francamente pró-integração com a Europa, o Parlamento da Escócia poderia convocar um novo referendo para votar pela independência do país em relação à Grã-Bretanha, solicitando a seguir seu ingresso na UE.

Para Tonge, a situação política é tão delicada para Cameron e para Londres que até mesmo a possível convocação de um segundo referendo sobre o Brexit, para confirmar o resultado, não pode ser descartada.