'Corrupção, sonegação, lavagem passaram a ser espantosa regra'

Jailton de Carvalho e Fernanda Krakovics

30/06/2016

 

 

Ministro Barroso, do STF, diz que Lava-Jato ‘mudou paradigma ético no Brasil’

 

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou ontem que a corrupção, sonegação e lavagem de dinheiro se tornaram espantosas no país. Em palestra no seminário sobre grandes casos criminais “Experiência Italiana e Perspectivas no Brasil”, promovido pelo Conselho Nacional do Ministério Público Público, Barroso defendeu a continuidade da Operação Lava-Jato até o esclarecimento de todos os casos de corrupção descobertos desde o início das investigações.

— Corrupção, sonegação, lavagem de dinheiro passaram a ser a espantosa regra. O errado virou a regra e todo mundo passou a operar nessa regra — disse Barroso.

Ele voltou ao tema em entrevista a Roberto D’Ávila, exibida ontem à noite, na GloboNews, ao dizer que a Operação Lava-Jato mudou o paradigma ético no Brasil e funcionará, no imaginário social brasileiro, para evitar novos casos de corrupção e de caixa dois.

— A Lava-Jato vai ter alguns papéis importantes no imaginário social brasileiro, um papel de prevenção geral. Quem ia doar pelo caixa dois vai pensar duas vezes. A melhor coisa que esses rapazes de Curitiba fizeram foi oferecer um bom exemplo. Uniram os membros do Ministério Público, da Polícia Federal e da magistratura em um pacto de seriedade, de qualidade técnica, de patriotismo para enfrentar um problema brasileiro que é a corrupção. Acho que mudamos o paradigma ético no Brasil.

 

“SOCIEDADE ERA DEVASTADA PELA IMPUNIDADE”

Perguntado por D’Ávila se tem preocupação com eventuais excessos cometidos pela LavaJato, Barroso ressaltou que as decisões da Justiça de Curitiba, que comanda a operação, têm sido mantidas pelos tribunais:

—E é preciso também atentar que, às vezes, para mudar um paradigma, para sair da inércia, você precisa ser um pouco mais proativo. É preciso encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos fundamentais dos acusados e a proteção da sociedade, que era devastada pela impunidade.

Para o ministro, uma das razões para a banalização da corrupção é a impunidade. Barroso falou ainda sobre as dificuldades de se investigar autoridades e voltou a defender a restrição do foro privilegiado apenas para presidente da República, procurador-geral da República e outros chefes de Poder. O ministro defende a criação de uma vara especial em Brasília, vinculada ao STF, para processar autoridades.

— Acho que o foro por prerrogativa (privilegiado) é antirrepublicano, faz mal para o Supremo e gera impunidade.

Barroso defendeu a decisão do STF de determinar a prisão de condenados após a confirmação da sentença em segunda instância, e não mais após o esgotamento de todos os recursos possíveis da defesa. Para ele, o sistema penal anterior favorecia os mais ricos, cujos advogados passavam anos impetrando recursos para procrastinar a decisão final.

— Nós tínhamos um sistema punitivo no Brasil que só pune pobre. É mais fácil pegar um menino com 100 gramas de maconha do que um grande empresário por uma fraude de R$ 10 milhões. O sistema punitivo brasileiro não funciona como prevenção geral para os ricos. Consequentemente, criamos uma sociedade cheia de ricos delinquentes, ricos que sonegam, ricos que fraudam licitação, ricos que subornam, que fazem lavagem de dinheiro.

 

TRIBUNAL DESPREPARADO

Para Barroso, o STF não está preparado para julgar determinados casos. Ele citou como exemplo a demora do tribunal em analisar denúncias formuladas pela Procuradoria-Geral da República.

— O prazo médio para recebimento de uma denúncia no Supremo é de 617 dias. Isso é um escândalo. Um juiz de primeiro grau recebe em uma semana — afirmou.

Carta divulgada ao final do seminário, em Brasília, repudia tentativa de políticos atingidos pela Lava-Jato de modificar leis para limitar acordos de delação premiada entre o MPF e pessoas investigas em inquéritos criminais. O evento contou com a participação de membros de Judiciário, Legislativo e Executivo. “São repudiáveis as tentativas de modificar a legislação que regula os acordos de colaboração premiada, para impedir que acusados privados de liberdade colaborem com a Justiça, como legítima estratégia de defesa e como forma de reduzir suas penas ou de melhorar suas situações carcerárias”, diz a Carta de Brasília.

 

 

 

O globo, n. 30278, 30/06/2016. País, p. 7.