Condenados cumprirão pena em casa se faltar vaga em presídio

Carolina Brígida e André de Souza

30/06/2016

 

 

STF define que em caso de lotação, progressão é para regime mais brando

O Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou ontem uma súmula vinculante determinando que, se não houver vaga suficiente no presídio, o condenado poderá cumprir pena em casa, desde que seja feito monitoramento eletrônico do preso. A Corte já havia estabelecido essa tese em um julgamento no mês passado, com repercussão geral — ou seja, a decisão precisa ser aplicada por todos os juízes do país diante de processos desse tipo. Agora, com a súmula vinculante, não só o Judiciário fica obrigado a cumprir a regra, mas toda a administração pública brasileira, incluindo órgãos do Executivo e Legislativo federais, estaduais e municipais.

A norma também estabelece que, se alguém for condenado no regime semiaberto e não houver vaga, a pessoa pode ser transferida para o regime domiciliar. Quando a superlotação for no regime fechado, os presos mais antigos poderão ser transferidos antes para o semiaberto ou o domiciliar, abrindo a vaga aos condenados mais recentes. Essas transferências deverão ser analisadas caso a caso pelos juízes de execução, levando em consideração a periculosidade do detento. Se o preso não tiver bom comportamento, por exemplo, poderá ser privado do benefício.

A proposta de súmula vinculante foi apresentada pela Defensoria Pública da União em maio de 2011. Os ministros do STF decidiram que primeiro o plenário teria de se pronunciar sobre o assunto em um caso concreto para depois aprovar a súmula. O texto aprovado pelos ministros diz que “a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso”. Ao fim, a norma estabelece que é preciso observar os parâmetros fixados no julgamento de maio. A discussão de ontem foi breve, porque o tema já estava acertado entre os ministros.

Na sessão do mês passado, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, informou, ao votar, que existem hoje 32 mil presos no regime fechado que já poderiam ter sido transferido para o semiaberto, porque já cumpriram o mínimo da pena e por ter bom comportamento. No entanto, eles continuam no regime mais severo por falta de vagas no regime semiaberto. Pela decisão do STF, o correto seria mandar essas pessoas para o regime domiciliar, desde que o juiz responsável avalie que a medida não trará prejuízo para a sociedade.

A decisão de maio foi tomada por nove votos a um. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello discordou da tese de Gilmar. No caso analisado em plenário, um preso havia sido condenado a começar a cumprir pena no regime semiaberto. Por falta de vagas, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou que ele ficasse em prisão domiciliar. O Ministério Público recorreu. Queria que a pena fosse cumprida no regime fechado, com o argumento de que o poder público não poderia conceder o benefício da progressão de regime sem uma previsão legal para justificar a medida.

 

PROGRESSÃO DE REGIME

Ao votar no julgamento de maio, o mais antigo integrante da Corte, Celso de Mello, criticou o sistema penitenciário brasileiro. Ele explicou que a falta de atenção do poder público ao setor não poderia ser justificativa para submeter os presos a uma realidade indigna.

— O sistema penitenciário brasileiro representa a expressão mais visível e ultrajante de crônico vilipêndio e de frontal e imoral desrespeitos a direitos fundamentais das pessoas sob a custodia do estado, com crônico e permanente descumprimento dos deveres que são impostos ao poder público. E é nessa inércia do aparelho de estado que se configura um hiato de legalidade que permite qualificar o próprio estado como marginal no ordenamento jurídico, agente transgressor a legalidade — disse o decano no julgamento do mês passado.

No julgamento, Gilmar explicou que os juízes da execução penal deverão avaliar se há vagas suficientes no regime ao qual o réu foi condenado. Se não houver, deve haver a progressão para o regime mais brando. Também em maio, o STF deu prazo de 180 dias para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estruturar o Cadastro Nacional de Presos, com um banco de dados para identificar os detentos mais próximos de obter o direito à progressão do regime e evitar superlotações desnecessárias. O tribunal também determinou que o órgão elabore estudo prevendo o aumento de vagas nos presídios.

 

 

O globo, n. 30278, 30/06/2016. País, p. 9.