PEC terá texto-base; outras reformas vêm depois

 

15/06/2016

Claudia Safatle

Fabio Graner

Andrea Jubé

 

 

Na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que fixa um teto para o crescimento dos gastos públicos só os orçamentos da Educação e da Saúde terão suas vinculações constitucionais alteradas, passando a obedecer a um piso corrigido anualmente pela inflação. Haverá, porém, novas rodadas de medidas para flexibilizar os gastos obrigatórios. Além da reforma da Previdência, em elaboração pelo governo e já adiada para julho, um dos temas que o governo pretende enfrentar é a vinculação dos benefícios da Loas (Lei Orgânica de Assistência Social) ao salário mínimo. Também devem entrar em uma segunda fase mudanças nas pensões por morte e o fim (ou mudança nas regras) do abono salarial.

O prazo de vigência da PEC, tal como concebido pelo Ministério da Fazenda, será de 20 anos, podendo ser revisitado após dez anos, por lei. Caberá ao Congresso, que receberá a proposta hoje das mãos do presidente interino Michel Temer, porém, negociar ou não esse prazo.

O orçamento que será a referência para a vigência do teto será o executado este ano. Sobre ele incidirá a correção pelo IPCA ocorrido. Isso será determinante também para o piso da Educação e Saúde, abaixo do qual nem o Executivo nem o Legislativo poderão revisar mesmo em casos de recessão e perda de receitas. Hoje esses orçamentos são vinculados à variação do PIB e ao comportamento das receitas públicas.

Ontem à noite o presidente interino teve reunião com os ministros da Fazenda, Henrique Meirelles; da Casa Civil, Eliseu Padilha; da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima; o presidente do Senado, Renan Calheiros e o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira.

No início da noite, no entanto, Calheiros surpreendeu, ao dizer, na saída do plenário, que a apreciação de 'medidas substanciais' como a do teto de gastos deveriam ficar para depois da decisão final sobre o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff.

O texto de três páginas da PEC retrata uma proposta enxuta, para facilitar a sua tramitação no Congresso. Há plena consciência na área econômica de que o cumprimento da regra de crescimento total dos gastos pela inflação do ano anterior só é viável se houver reformas, caso contrário o orçamento pode sofrer uma implosão.

Para técnicos envolvidos na discussão da PEC, não será possível manter a despesa primária constante sem novas regras para a aposentadoria e desindexação de benefícios sociais, como é o caso da LOAS e do salário mínimo. Discute-se, também, mudar a própria regra de reajuste do mínimo. "É difícil manter a dívida constante sem mexer no salário mínimo", avaliou um interlocutor a par das discussões em curso, ressaltando que esse é um tema que, até o momento, não constava dos debates.

Hoje o salário mínimo é corrigido pelo INPC mais o crescimento econômico de dois anos anteriores. Essa regra está prevista para vigorar até 2019, mas pode ser rediscutida. Segundo dados oficiais, as despesas com benefícios assistenciais passaram de 0,43% do PIB em 2005 para 0,72% no ano passado. No caso das despesas com aposentadorias do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o dispêndio saltou de 6,76% para 7,45% do PIB no mesmo período.

Ao mudar a regra de crescimento dos gastos com Saúde e Educação, corrigidos pela inflação, essas duas áreas podem vir a ter maiores restrições. Segundo especialistas em orçamento, o crescimento dessas despesas naturalmente tendem a superar a inflação por fatores demográficos e por avanços tecnológicos de procedimentos e medicamentos fornecidos pelo

Sistema Único de Saúde (SUS), que encarecem o setor bem acima da inflação média. E se, para acomodar a disputa por mais gastos em saúde, o governo aceitar que esse gasto cresça eventualmente mais que a inflação, outras despesas terão que ser reduzidas na mesma proporção para caber na regra geral.

O mesmo raciocínio vale para a Previdência. Embora nesse caso a necessidade de reforma para viabilizar o cumprimento do teto de gasto seja inescapável. Trata-se de uma despesa que tem crescimento real elevado (pelo menos 3% ao ano) previsto para os próximos anos, se nada for feito.

Quanto menos se mexer na rigidez dos gastos obrigatórios, menor será o espaço para investimentos públicos com recursos federais, que em tese têm um efeito multiplicador maior sobre a atividade econômica do que outras despesas públicas.

 

Valor econômico, v. 17, n. 4026, 15/06/2016. Brasil, p. A3