Cassação de Cunha avança na Câmara

 

15/06/2016

Raphael Di Cunto

Thiago Resende

 

 

Com o voto decisivo da deputada Tia Eron (PRB-BA), o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados aprovou ontem parecer pela cassação do presidente afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), por 11 votos a 9. O pemedebista aposta suas fichas agora em recurso e consulta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para manter o mandato, mas aliados reconhecem que a situação ficou extremamente complicada.

O presidente afastado se articulava com o centrão para construir maioria na CCJ a favor de seus recursos. Mas confiava que venceria no Conselho de Ética e, com isso, daria mais conforto para sua tropa defendê-lo na comissão e no plenário com uma pena menor - e inócua -, a suspensão do mandato por três meses. Com a derrota ficará difícil mobilizar deputados a ajudá-lo, dizem.

Tia Eron, que era o único voto ainda não público no conselho, chegou ao plenário pontualmente e não quis declarar seu posicionamento. Havia ligado para Júlio Delgado (PSB-MG), adversário do pemedebista, e pediu que ele sentasse a seu lado na sessão.

Citando Delgado diversas vezes ao discursar, Tia Eron fez referência a uma conversa com ele no dia em que a Câmara decidiu pela abertura de processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. O deputado, que cogitou não votar na ocasião argumentando que o processo de destituição da petista estava estritamente ligado a Cunha, contou das conversas com o irmão - que é da mesma religião de Eron. Ao discursar, reclamou das pressões, criticou adversários de Cunha, afirmou que "ninguém manda nessa nega" e defendeu que "você pode brigar com seus eleitores e com o Brasil, mas não com a sua consciência".

Discordou ainda de aliados de Cunha sobre não ser o papel da Câmara cassar mandatos, mas afirmou que muitos voltaram pelo voto dos eleitores. "Podemos cassar sim. Mas essa sociedade devolverá o direito sagrado da consagração das urnas nesta Casa. Vimos isso no Nordeste várias vezes", afirmou a deputada.

Ao fim, contudo, Eron foi favorável à cassação, o que surpreendeu aliados do pemedebista, que contavam com o voto da parlamentar. "Voto com a minha consciência e deste modo não posso absolver o representado nesta tarde", afirmou, segurando o braço de Delgado.

A deputada virou o centro das atenções porque o PRB foi o único partido a tirar um deputado que votava contra Cunha por outro sem voto declarado. Ocorreram 13 mudanças no conselho ao longo do processo que se arrastou por oito meses, o mais longo da história da Câmara, mas as trocas apenas garantiram a fidelidade de partidos que já tinham votado contra a admissibilidade da denúncia, aprovada por 11 a 10. Um aliado diz que Cunha escolheu Tia Eron a dedo no PRB para o processo.

Logo após o voto de Tia Eron, que seria o de empate a favor da cassação - o presidente do conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), adversário do presidente afastado, desempataria -, já ocorreu a primeira traição: o deputado Wladimir Costa (SD-PA), um dos mais polêmicos da comissão, mudou de voto e apoiou o relatório pela cassação de Cunha. Meia hora antes ele foi um dos dois deputados a discursarem contra o parecer.

O parecer do deputado Marcos Rogério (DEM-RO) pela cassação precisa ser confirmado ainda no plenário da Câmara por 257 dos 511 deputados aptos a votar, já que Cunha está suspenso e o presidente da sessão não vota. A estimativa é que leve cerca de mais um mês para a votação em plenário. Caso não alcance esse número de votos, o processo será arquivado.

Antes desta etapa, contudo, Cunha recorrerá à CCJ alegando vícios na tramitação, como o relator pertencer ao mesmo bloco partidário do PMDB, o que é vedado pelo regimento da Câmara - Rogério era do PDT e ingressou no DEM em fevereiro, na janela de infidelidade partidária.

Ele tem cinco dias úteis para protocolar o recurso após a publicação da ata da sessão - o que deve ocorrer em cerca de uma semana- e depois a CCJ tem, em tese, cinco dias úteis para analisar o recurso, ou a pauta ficará trancada para outras votações. Tradicionalmente, porém, a tramitação costuma durar mais.

Se aprovado o recurso, o processo voltará ao Conselho de Ética para que sejam refeitos os atos que teriam infringido o regimento. Caso a CCJ rejeite o recurso, o processo será encaminhado à Mesa Diretora da Câmara para leitura no plenário - fase que não tem prazo para ocorrer- e, após lido, entra na pauta em duas sessões.

O presidente afastado pressionava os partidos do "centrão" a trocarem integrantes da CCJ contrários a ele por outros favoráveis. O PR já fez isso na semana passada com três de seus representantes e ontem, antes da decisão do conselho, PTN e SD seguiram essa linha, com a qual aliados de Cunha estimam que podem obter até oito votos de vantagem.

Diferentemente do Conselho de Ética, onde os representantes partidários têm mandato de dois anos, as trocas na CCJ são mais fáceis por dependerem apenas da vontade dos líderes partidários e podem ocorrer até mesmo ao longo de uma sessão.

Além do recurso, a CCJ discute ainda consulta protocolada pelo presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), um dos aliados de Cunha, para permitir a aprovação de emenda no plenário para reduzir a pena sugerida pelo Conselho de Ética. Mesmo que Cunha acabe derrotado na CCJ, Maranhão pode decidir monocraticamente que são permitidas emendas. Mas essa estratégia está comprometida pelo parecer no conselho favorável à cassação.

Em nota, o pemedebista declarou que houve "inúmeras manobras" e que o "processo foi todo conduzido com parcialidade, com nulidades" que serão revertidas na CCJ. "Confio que, em plenário, terei a oportunidade de me defender e de reverter essa decisão. Repito: sou inocente da acusação a mim imputada pelo parecer do Conselho de Ética, de mentir a uma CPI", afirmou.

O parecer defende a cassação por omissão de patrimônio no exterior que seria fruto de propinas recebidas. Aliados defenderam que a mentira era insuficiente para cassação, que o dinheiro não estava em uma conta bancária, mas num trust - espécie de fundo de investimento - e, por isso, não houve mentira.

Horas depois, Cunha sofreu outro revés. O juiz federal Augusto César Gonçalves decretou a indisponibilidade de todos os seus bens e contas, assim como os de sua mulher, Cláudia Cruz.

A liminar vale para as firmas C3 Produções e Fé em Jesus, antiga Jesus.com, para o ex-diretor da Petrobras Jorge Zelada, para o lobista Augusto Henriques e para o empresário Idalécio de Oliveira.

A decisão trata de uma ação de improbidade do Ministério Público Federal, que acusa os citados de se beneficiarem com a "danosa" aquisição, pela Petrobras, de 50% dos direitos de exploração de um bloco petrolífero em Benin, África.

Cunha e o advogado de Zelada afirmaram que irão recorrer. O Valor não conseguiu contato com Henriques e Idalécio de Oliveira. (Colaborou Ricardo Mendonça, de São Paulo)

 

Valor econômico, v. 17, n. 4026, 15/06/2016. Brasil, p. A5