Recuo no setor aéreo

Geralda Doca e Cristiane Jungblut

30/06/2016

 

 

Após apoiar abertura do mercado na Câmara, governo vai vetar fim de limite estrangeiro

Depois de patrocinar a ampliação do capital estrangeiro de 20% para 100% no setor aéreo na votação da medida provisória (MP) que tratou do tema na Câmara, o governo foi obrigado a recuar no Senado, ontem, para que a MP fosse aprovada. Caciques do PMDB, partido do presidente interino, Michel Temer, fecharam posição contra a proposta, aliando-se à oposição, sob o argumento de que a aviação regional poderia ser prejudicada, principalmente no Norte e Nordeste. Diante do risco de derrota na Casa, que vai julgar o processo do impeachment. e dos prejuízos para a Infraero - que é beneficiada com a medida -, o Executivo fechou acordo para votar o texto, com o compromisso de vetar o aumento da fatia do sócio estrangeiro nas aéreas, antes dado como certo pelo mercado.

Com a decisão, fica mantido o limite de 20% de capital externo no setor. A MP original, enviada em março pela presidente afastada, Dilma Rousseff, elevava o percentual para 49%. Mas o texto foi alterado na Câmara, que havia derrubado totalmente a restrição ao capital estrangeiro no setor. O Planalto, no entanto, não desistiu da proposta e vai insistir no tema por meio de um projeto de lei O governo deve negociar um pedido de urgência para a tramitação do projeto, que está em elaboração no Ministério dos Transportes e propõe alterar o Código Brasileiro de Aeronáutica (Cbaer), trocando o termo "concessão" por "autorização" na exploração do serviço de transporte aéreo.

- A questão do capital estrangeiro é fundamental para as companhias aéreas - disse o ministro dos Transportes, Maurício Quintella.

 

RECURSOS PARA A INFRAERO

Segundo fontes do Planalto, o governo cedeu "para não perder tudo'; sobretudo o benefício que a MP traz à Infraero, que enfrenta dificuldades financeiras com as concessões dos aeroportos. A proposta prevê o fim do adicional tarifário (Ataero), que passa a ser incorporado às tarifas. Com isso, a estatal pode ficar com o dinheiro arrecadado em caixa e não precisa mais repassar os recursos para a União. Ocorre que a Infraero está em situação irregular desde 2013, quando deixou de pagar entre R$ 500 milhões e R$ 600 milhões por ano. A MP perdoa essa dívida e ainda dá folga à estatal de agora em diante.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), disse que Temer soube das dificuldades de votação no Senado e concordou com o acerto. Os senadores avisaram que derrubariam a MP - que perderia a validade ontem, se não fosse aprovada -, porque exigiam salvaguardas para a aviação regional.

-Transmiti ao presidente Temer o clima que havia aqui no Senado a respeito dessa matéria: opiniões as mais diversas. Havia quem, da oposição, sustentasse, com muito vigor, a sua posição radical à mudança proposta pela Câmara. Outros, como eu, advogávamos, sim, a abertura do setor, advogávamos a conveniência de termos mais ofertas na aviação civil. O presidente Temer é um homem do Parlamento, um homem afeito ao debate parlamentar e que sabe ouvir. Então ele, imediatamente, chegou à conclusão que o melhor era tratar esse assunto {capital estrangeiro) por projeto de lei- explicou.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, esteve no Senado pela manhã para uma reunião de emergência com os líderes de PMDB, Eunício Oliveira (CE); PSDB, Cássio Cunha Uma (PB); DEM, Ronaldo caiado (GO); além de Romero Jucá (PMDB-RR) e outros senadores. O senador Eduardo Braga (PMDB-AM) foi um dos que mais criticaram a MP.

- Não se trata apenas de abrir o capital para empresas estrangeiras é preciso que tenhamos uma nova política de distribuição dos slots (horários de pouso e decolagem) nos aeroportos de grande concentração de passageiros e também uma política de distribuição de infraestrutura nos aeroportos do interior do Brasil, para que possam ser dotados de condições de operar com aeronaves de maior porte - disse Braga, ex-ministro de Minas e Energia do governo Dilma. Já Eliseu Padilha afirmou que, ao ser aprovada a MP como estava, o governo assumiu o compromisso de vetar a abertura de 100% do capital das empresas aéreas. Em seguida, o tema voltará a ser debatido no Congresso. Ele adiantou que interessa ao governo atrair capital estrangeiro para o país. Disse que isso ajudaria na geração de empregos:

- Estamos pensando em várias formas, entre as quais abrir para 100% de participação no capital estrangeiro também na aviação. Porque temos 100% no óleo e no gás, nas comunicações, a nossa telefonia é 100% aberta, mas compreendo e respeito a posição dos senadores, porque eles querem trazer ao debate a questão da aviação regional, que não estava clara nesse dispositivo. Eles concordam, não há discordância quanto à abertura, apenas querem um compromisso das empresas que forem se formar sob a nova égide, nova lei, que tenham um compromisso com a aviação regional.

Padilha acrescentou que, na Câmara, foi iniciativa do governo incorporar os 100%:

- Nitidamente, a preocupação do Senado é não entregar o controle acionário para um investidor estrangeiro. Claro que isso pode se resolver com os 20% também; com uma cláusula de golden-share (poder de veto em decisões). Queria dar transparência absoluta, não vamos pensar que todas as nossas empresas aéreas são controladas por brasileiros. Sabemos que não é bem assim. Apenas quis ser transparente. Não deu.

O PMDB acabou engrossando o discurso dos partidos de oposição, que têm marcado posição contra o governo do presidente interino. Representantes dos sindicatos das empresas e dos trabalhadores também fizeram corpo a corpo no Congresso contra a proposta.

 

MENOS AEROPORTOS REGIONAIS

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também criticou a proposta:

- Continuo sendo contrário à abertura de 100% do capital salvo se os EUA abrirem 100%.  Mas nos EUA são 25%. Se a União Europeia abrir 100%, nós concordamos. Mas na União Europeia é 49%. Se a China abrir 100%, nós concorramos. Mas na China é 35%. O líder da oposição, Lindbergh Farias (PT-RJ) disse ser contra a abertura do capital:

- Somos contra a desnacionalização.

O presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz lamentou o resultado da decisão do Congresso. Segundo ele, a ampliação da fatia do sócio estrangeiro no setor aéreo amplia o acesso das companhias ao mercado internacional. Sanovicz destacou que permanece pendente a agenda apresentada pelas empresas aéreas para ter maior competitividade, principalmente durante a crise:

- O resultado é frustrante. Nos bastidores, o fim da barreira ao capital estrangeiro é visto como uma alternativa que pode beneficiar a Gol, principalmente. A TAM já tem arranjo societário com a chilena Lan, e a Azul, parceria com investidores da China. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Administração Aeroportuária, Pedro Azambuja, disse que a entidade fez um trabalho de convencimento com os senadores de PMDB e PT para barrar a ampliação do capital estrangeiro de forma irrestrita. Para ele, os investidores estrangeiros estão de olho "só no filé" (rotas e aeroportos lucrativos), o que poderia prejudicar a aviação regional. Azambuja lembrou que o governo anunciou investimentos em 270 aeroportos regionais e nada saiu do papel. O governo pretende negociar com os governadores e reduzir o total de aeroportos regionais para 50 a 60.

Em outra iniciativa, o governo pretende dar mais prazo para concessionárias de aeroportos pagarem o valor das outorgas anuais devido à crise econômica do país. Os prazos para algumas parcelas de determinadas outorgas já venceram ou estão para vencer, e a ideia é estender o prazo para, provavelmente, o fim do ano.

 

 

O globo, n. 30278, 30/06/2016. Economia, p. 21.