Valor econômico, v. 17, n. 4021, 08/06/2016. Empresas, p. B1

Seis companhias brasileiras já são alvos de ações coletivas nos EUA

Advogados americanos usam qualquer citação de corrupção para abrir processos

Por: Paula Selmi

 

A lista de empresas brasileiras que já são alvos de ações coletivas pelos investidores nos Estados Unidos cresce a passos largos, à medida que investigações sobre corrupção são deflagradas no Brasil, especialmente no âmbito das operações Lava-Jato e Zelotes, da Polícia Federal.

Somente entre meados de maio e começo deste mês, a siderúrgica Gerdau e o banco Bradesco ajudaram a engrossar o elenco de companhias - não financeiras e financeiras - que teriam dado prejuízo aos detentores de seus recibos de ações (ADRs) na bolsa de Nova York (Nyse). Além das duas, a lista é completada por quatro das maiores empresas do país: Petrobras, Braskem, Eletrobras e Vale.

De todas, surpreendeu a rapidez da abertura do processo contra o Bradesco. A Polícia Federal indiciou no dia 31 de maio, uma terça-feira, o presidente do banco, Luiz Carlos Trabuco Cappi; o diretor vice-presidente, Domingos Figueiredo Abreu; e o diretor de relações com investidores, Luiz Carlos Angelotti, por corrupção ativa.

Apenas dois dias depois, os advogados anunciaram em 2 de junho que começaram as investigações contra o banco e no dia seguinte já havia a manifestação de um investidor líder ("plaintiff"), que permitiu o ajuizamento da ação coletiva na corte do distrito sul de Nova York. O "plaintiff" é responsável por representar os demais acionistas e participar das negociações.

Há um mecanismo nos Estados Unidos que permite a abertura de ações coletivas antes da condenação dos fatos

Os escritórios que começam esses processos são firmas especializadas em disputas de direito societário e se apoiam na lei de mercado de capitais dos Estados Unidos. Na avaliação dos advogados, as emissoras brasileiras de ADR violaram as regras da Securities and Exchange Commission (SEC) - que regula o mercado de capitais nos Estados Unidos - ao omitir ou distorcerinformações importantes sobre suas operações.

Eles alegam ainda que os casos de corrupção investigados no Brasil eram conhecidos pelos administradores das empresas rés e que as perdas dos acionistas foram consequências diretas dessas práticas e do escândalo com os anúncios da PF.

A impressão que fica, no entanto, é que os investidores e advogados americanos estão de olho no cenário turbulento do Brasil à espera de novas oportunidades para poderem processar as companhias, principalmente se forem analisados os dois últimos casos: Gerdau e Bradesco.

Ambas são investigadas na Operação Zelotes, que apura a compra de sentenças fiscais favoráveis do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). No caso da Gerdau, os ADRs passaram de US$ 1,72, em 16 de maio, para US$ 1,59 no dia seguinte, desvalorização de 7,5%.

Já os recibos de ações do Bradesco passaram de US$ 6,63 para US$ 6,26 entre o dia 31 de maio e 1º de junho, queda de 5,6%.

"Os Estados Unidos não perdoam desvios e os advogados deste ramo de 'class action' são muito afoitos para ganhar dinheiro. Por isso, os riscos para as empresas com cotações na bolsa americana são muito altos", afirmou Afried Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).

Plöger considera precipitado o caso do Bradesco, uma vez que as apurações no Brasil estão apenas no começo. "Mas, por outro lado, só cabe a nós respeitar as leis jurídicas de cada país", disse.

O advogado empresarial Celso Contin, sócio da firma Woiler, Contin & Casquet Advogados, explica que o ramo de ações coletivas nos Estados Unidos é um "business" consolidado em determinados escritórios americanos, que de certa forma, buscam se beneficiar de condutas supostamente ilegais das companhias.

"Os olhos se voltaram para o Brasil por causa, sobretudo, da Lava-Jato", diz Contin.

Há um mecanismo nos Estados Unidos, chamado de responsabilidade objetiva do administrador, que permite a abertura de ações coletivas antes mesmo da condenação dos fatos.

"Por conta da responsabilidade objetiva do administrador e da empresa nos Estados Unidos, pode-se iniciar uma ação a partir do momento em que existe a conexão entre o agente e o fato, sem a necessária prévia apuração e condenação. Assim, nesses casos, cabe ao acusado se defender e não ao acusador provar o crime", esclarece Contin.

Peter Eccles, sócio do escritório americano que trabalha com "class actions" Foley & Lardner, nega que esteja havendo um abuso em relação ao Brasil. "É um direito dos investidores processar por prejuízos. As companhias brasileiras devem mitigar esses riscos, adotando boas práticas de governança segundo as regras, assim como as americanas devem. Não há diferenças", afirmou Eccles ao Valor.

No geral, todos os seis processos abertos nas cortes americanas contra empresas brasileiras ainda estão em estágios iniciais. Porém, todos os especialistas e advogados ouvidos acreditam na possibilidade de perdas. Em relação especificamente à Petrobras, o processo encontra-se em um estágio além, com o tribunal ouvindo suas testemunhas de defesa.

"É muito raro esses tipos de caso irem a julgamento e serem condenados. Se eles não são dispensados pelos juízes, geralmente são finalizados pelos próprios investidores devido aos altos custos de litígio", disse Eccle.

"Condenadas ou não, as empresas arcam com custos de qualquer jeito. Precisam contratar escritórios de alto calibre para se defender", afirmou Plöger.