Órgãos federais menos regulados e mais corruptos 

Sérgio Roxo e Tiago Dantas

27/06/2016

 

 

Citados por Sérgio Machado, BNB, Funasa, Dnit, Dnocs, Docas e FNDE são alvo de desvios

-SÃO PAULO- Alvos constantes de disputas políticas, os seis órgãos federais citados na delação de Sérgio Machado acumulam escândalos de corrupção e denúncias de irregularidades em suas gestões. Estariam em situação bem pior que a Petrobras, segundo ele “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil”. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-presidente da Transpetro surpreendeu ao afirmar que a petrolífera, cujo rombo estimado pela Polícia Federal é de R$ 42 bilhões, era um organismo “bastante regulamentado e disciplinado”. Ele acrescentou que outras unidades do governo têm práticas “menos ortodoxas”.

Um das instituições citadas por Machado foi o Banco do Nordeste (BNB). Investigações dos ministérios públicos Federal e Estadual do Ceará, onde fica a sede da instituição, apontam irregularidades nas concessões de empréstimos, favorecimento de empresas e desvio de recursos para financiar campanhas políticas. Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que apenas o esquema de fraudes nos empréstimos gerou prejuízo de R$ 683 milhões.

— Uma verdadeira quadrilha se instalou dentro do Banco do Nordeste. Verbas foram loteadas para fins eleitoreiros e se praticou todo tipo de falcatrua em valores altíssimos dentro da instituição — acusa o promotor Ricardo Rocha, do Ministério Público Estadual, que deu início às apurações após ser procurado por um funcionário que denunciou as irregularidades.

De acordo com Rocha, as investigações comprovaram que os balanços de empresas eram maquiados para permitir a concessão dos empréstimos com a anuência de diretores que “recebiam comissões”. As fraudes beneficiavam companhias que estavam perto de falir e até uma das empresas do esquema de lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, condenado na Lava-Jato. Também haveria corrupção na classificação das notas de créditos das empresas. Segundo o promotor, elas eram ameaçadas de ter as notas reduzidas, o que diminuiria as margens para empréstimos, se não pagassem propina.

— O que apareceu até agora é só a ponta do iceberg. O esquema da Lava-Jato operava aqui no Banco do Nordeste também — afirma o procurador Oscar Costa Filho, do Ministério Público Federal (MPF), que não tem conseguido levar suas investigações adiante.

Até agora, cinco ações penais e cinco de improbidade administrativa não avançaram por causa de habeas corpus ou recusa de juízes de primeira instância. O MPF apresentou recursos ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Para o promotor Ricardo Rocha, os problemas do BNB estão relacionados à influência política.

— Todos os diretores do Banco do Nordeste são indicados por políticos — afirma.

Entre 2003 e 2011, quando tiveram início as irregularidades, segundo o Ministério Público, o BNB foi presidido por Roberto Smith, indicado pelo deputado federal José Guimarães (PT-CE), ex-líder do governo Dilma Rousseff na Câmara. Smith chegou a ser denunciado pelo MPF por omissão na recuperação de créditos. A ação foi trancada pelo TRF5.

— Isso não é crime. Só indiquei o presidente do banco — admite o deputado, negando ter influência sobre toda a gestão da instituição.

Guimarães disse que não se sente responsável por eventuais irregularidades que tenham ocorrido na gestão de seu indicado. O petista ainda destacou que, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o comando do banco era indicado pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e que o atual presidente, Marco Costa Holanda, nomeado em 2015, é apadrinhado pelo líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

Bruno Queiroz, advogado de Roberto Smith, garantiu que a Justiça comprovou que o cliente não tinha participação nas irregularidades:

— Embora tenha sido presidente, ele não pode ser responsabilizado por tudo o que acontece no banco. Não existe nada formalmente contra ele. Não existe ação penal em que ele seja réu e nenhum inquérito em que tenha sido indiciado.

O BNB informou que instaurou “processos administrativos disciplinares” e fez cobranças judiciais para reaver os prejuízos.

O escândalo mais recente envolvendo as outras “madames do cabaré” foi revelado em maio e tem como alvo a Superintendência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de Santa Catarina. A Polícia Federal (PF) investiga um esquema montado por servidores federais, prefeituras e empreiteiras que teria movimentado cerca de R$ 2 milhões em propinas. Embora os valores desviados não sejam tão altos como aqueles apurados na Petrobras, a fraude se repete em várias regiões do país, segundo investigadores.

Nos últimos cinco anos, a PF investigou esquemas similares em Amapá, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraná, Rondônia e Tocantins. Responsável por obras de esgoto e saneamento básico, a fundação tem orçamento de R$ 3,2 bilhões, maior que o dos ministérios da Cultura e do Meio Ambiente.

Em Santa Catarina, as empresas investigadas receberam dinheiro de obras de saneamento básico mesmo sem ter feito todo o serviço. A PF chegou a prender o superintendente Adenor Piovesan, filiado ao PMDB e presidente da Fundação Ulysses Guimarães no estado. Piovesan já está solto, e seu advogado não foi localizado. Segundo a Funasa, as irregularidades apontadas como de responsabilidade dos funcionários da fundação “terão todas as providências administrativas internas adotadas”.

Reduto do PR, o Departamento Nacional de Infraestrutura Terrestre (Dnit) foi palco de um escândalo que levou à demissão de 20 pessoas e à queda do então ministro Alfredo Nascimento. Segundo as denúncias, empresas pagavam 4% de propina ao PR para ganhar licitações e aditivos. Até agora, ninguém foi preso. No Rio Grande do Norte, o MPF descobriu desvios de R$ 13,9 milhões na duplicação da BR-101 e denunciou 25 pessoas no ano passado. O Dnit não respondeu.

Ligado ao Ministério da Integração Nacional e dominado nos últimos anos por PMDB e PP, o Departamento Nacional de Obras Contra Seca (Dnocs) foi alvo de duas investigações recentes. Em março de 2013, a Operação Cactus apurou supostos desvios em contratos distribuídos por 20 municípios do Ceará. A investigação teve início com um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontando suspeita de fraudes que chegavam a R$ 200 milhões. Os policiais apuram a participação de parlamentares no esquema, por meio de emendas ao Orçamento da União. Dois anos depois, foi desarticulado um suposto esquema de fraudes em licitações no Rio Grande do Norte. O Dnocs informou que “todos os diretores envolvidos nas denúncias foram afastados dos cargos de direção e encontram-se respondendo a processos administrativos”.

Também foram citadas na delação de Machado as companhias Docas, que administram portos federais. Em 2012, o MPF denunciou o ex-diretor-presidente da Companhia Docas do Espírito Santo, Hugo Merçon, sob a acusação de favorecer a contratação de uma empresa por dispensar a licitação. O processo ainda está em andamento. Merçon não foi localizado.

Outro órgão que sofreu com influência política na gestão foi o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que tem orçamento anual de R$ 60 bilhões e cuida de programas como o fornecimento de merenda. Em abril, às vésperas da votação do impeachment na Câmara, Dilma nomeou para o órgão Gastão Vieira, do nanico PROS, ex-ministro do Turismo, na tentativa de ganhar o apoio da legenda. Em 2013, o então presidente, José Carlos Wanderley Dias de Freitas, foi flagrado em um grampo da PF alertando o reitor da UFPR sobre uma investigação contra a instituição. A PF informou que o caso já foi concluído, mas não poderia dizer se foi constatada alguma irregularidade. O FNDE afirmou que não se pronunciaria sobre um caso ocorrido na gestão anterior.

Só o esquema de fraudes nos empréstimos do Banco do Nordeste gerou prejuízo de R$ 683 milhões, concluiu relatório do Tribunal de Contas da União

O QUE FAZEM

BANCO DO NORDESTE (BNB)

É o banco de desenvolvimento regional que atua nos estados do Nordeste. Possui cerca de 300 agências na região

Partidos que tiveram influência na direção nos últimos anos: PT e atualmente PMDB

Investigações: Foram apontadas fraudes nas concessões de empréstimos e no Programa Nacional de Financiamento da Agricultura Familiar (Pronaf)

Faturamento: R$ 7,5 bilhões

FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE)

Subordinado ao Ministério da Educação, é responsável por viabilizar programas em parcerias com municípios, como o de transporte escolar e merenda

Partidos que tiveram influência na direção nos últimos anos: PT e atualmente é comandado pelo PROS

Investigação: presidente do FNDE soube previamente de investigação da PF na UFPR, em 2013, e avisou ao reitor

Orçamento: R$ 60 bilhões

DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA SECA (DNOCS)

Ligado ao Ministério da Integração Nacional, é responsável pela atuação no semiárido nordestino Partidos que tiveram influência nos últimos anos: PMDB e, mais recentemente, PP

Investigação: Servidores no Ceará e no Rio Grande do Norte são acusados de desviar recursos de obras no sertão

Orçamento: R$ 1,2 bilhão

DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES (DNIT)

Subordinado ao Ministério dos Transportes, é responsável por obras em rodovias, ferrovias e hidrovias

Partido que teve influência nos últimos anos: PR

Investigação: Em 2011, denúncias mostraram que empresas pagavam 4% de propina ao PR para ganhar licitações e aditivos. O esquema causou a queda do então ministro Alfredo Nascimento e o afastamento de 20 servidores

Orçamento: R$ 8 bilhões

FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE (FUNASA)

Vinculada ao Ministério da Saúde, é responsável por ações de saneamento básico e prevenção de doenças em todo o país

Partidos que tiveram influência nos últimos anos: PMDB, majoritariamente, e PTN

Investigação: Superintendente em Santa Catarina foi preso acusado de receber propina para beneficiar empresas

Orçamento: R$ 3,2 bilhões

COMPANHIAS DOCAS

Subordinadas à Secretaria de Portos, as oito companhias são responsáveis por administrar os portos federais

Partidos que tiveram influência nos últimos anos: PMDB, em São Paulo e no Rio

Investigação: Em 2012, o presidente da Companhia Docas do Espírito Santo foi denunciado por contratar empresas sem licitação

Receita: R$ 1,3 bilhão

* apenas as companhias de São Paulo, Rio e Espírito Santo. Dado referente ao ano de 2014