Valor econômico, v. 17, n. 4018, 03/06/2016. Brasil, p. A2

Serra cobra resultados na OMC e volta a defender acordos bilaterais

Por:  Daniela Fernandes

 

O ministro das Relações Exteriores, José Serra, cobrou ontem, em Paris, resultados nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) e deixou claro que o Brasil vai "tentar novos caminhos", com acordos bilaterais e regionais.

A declaração foi feita em reunião com ministros da OMC, que contou com a participação de cerca de 20 países, entre eles Estados Unidos, China, Índia, Argentina e México, na sede da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em um discurso mais crítico e direto do que o tradicional tom diplomático, Serra também questionou "a capacidade da OMC de continuar sendo um fórum significativo de negociação" e condicionou o engajamento do Brasil nas discussões comerciais da OMC a avanços concretos.

"O Brasil valoriza a OMC, mas a experiência dos últimos dez anos não tem sido recompensadora. Não fomos capazes de consertar a assimetria em setores e o acesso entre agricultura e produtos industriais", afirmou o ministro.

"Atualmente, acordos mundiais de comércio têm diferentes formatos e são realizados em vários fóruns. O Brasil sempre seguirá esse caminho, mas permanecerá engajado nas negociações da OMC se elas avançarem", ressaltou o ministro.

Na prática, em vez do modelo de uma grande rodada de negociações, o Brasil optou por discutir vários temas ao mesmo tempo e "tentar obter um fluxo contínuo de resultados" nas reuniões ministeriais da OMC a cada dois anos. "O que o Brasil não pode ter na OMC é paralisia", disse o chanceler.

Temas importantes para o governo brasileiro, nas próximas negociações, são o apoio doméstico à agricultura e medidas sanitárias e fitossanitárias, consideradas barreiras às exportações. Na reunião em Paris, Serra afirmou que é importante definir um quadro de trabalho para a próxima reunião ministerial da OMC, no final de 2017, provavelmente na Argentina.

"Se as coisas não funcionaram da maneira que tentamos, estamos prontos para novos caminhos", disse o ministro. O chanceler vem reiterando a necessidade de expandir o comércio com acordos bilaterais e regionais, como o negociado atualmente entre a União Europeia e o Mercosul. Isso não significa, segundo diplomatas brasileiros, que o Brasil se afastaria organização.

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País acerta ao 'explorar outras vias', afirma Azevêdo

Por: Assis Moreira

 

Em encontro em Paris, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), apontou sintonia com o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, sobre os rumos do Brasil em negociações comerciais para abrir mercados para suas empresas.

"Ficou muito claro que concordamos que o Brasil tem que testar todos os formatos de negociação que ofereçam possibilidades de resultados positivos para o país", afirmou Azevêdo ao Valor, depois de conversa com Serra à margem da conferência ministerial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE), em Paris.

Para o diretor-geral da OMC, Serra está "acertadíssimo" em continuar a política de explorar outras vias para abrir mercados, ou seja, jogar em todos os tabuleiros, tanto na OMC como em busca de acordos bilaterais e regionais. "É o que já venho dizendo há muito tempo, que não tem nenhum problema de avançar por outras vias", declarou.

Azevêdo observou que os países mais ativos na OMC são justamente o que estão promovendo, ao mesmo tempo, acordos bilaterais e regionais. Ou seja, a negociação no plano multilateral complementa as outras "e aumenta o poder de barganha do país".

Roberto Azevêdo, que fará visita ao Brasil nos dias 13 e 14, considera que o Brasil continua sendo muito ativo na OMC, "como aliás outros países que estão perseguido negociações bilaterais".

O que ele deixa claro que não é aconselhável é excluir uma possibilidade por outra. Ou seja, tirar ênfase de negociação no foro multilateral na OMC, para concentrar em negociações bilaterais ou regionais.

Até recentemente, havia críticas em setores no Brasil de que o Itamaraty concentrou demais as esperanças nas negociações na OMC, em vez de buscar mais acordos bilaterais com parceiros importantes. A questão, porém, é que o poder agrícola do Brasil assusta todo mundo, assim como a competitividade da China na área industria dificulta troca de preferências com outros parceiros.

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Assessora do Itamaraty nega que troca de ofertas com UE tenha sido 'tímida'

Por: Marta Watanabe

 

Paula Aguiar Barboza, assessora do Departamento de Negociações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores (MRE), rebateu as críticas de que a troca de ofertas entre Brasil e União Europeia foi "tímida". Ela destacou que foi a primeira troca de ofertas após 12 anos e trata-se ainda de uma primeira fase no retorno à negociação. "Em cada fase cada lado vai melhorar sua oferta, isso faz parte do processo de negociação", diz.

Segundo ela o Brasil deve aproveitar o momento propício de maior consenso entre as lideranças dos sócios do Mercosul. "Estamos vivendo politicamente um momento ímpar para avançar", diz. Ela lembra que a proposta brasileira para o acordo com a União Europeia está pronta desde 2014 e que a negociação com o bloco europeu é considerada central para o governo.

A assessora diz que atualmente o Brasil trabalha no esforço para ampliar a rede de acordos com países ou blocos que representem parcela maior da corrente de comércio, ao mesmo tempo que mantém interesse em negociar com países em desenvolvimento. As declarações foram dadas na segunda conferência anual de comércio internacional, promovida pela Fundação Getulio Vargas, sobre os mega-acordos e seus impactos no Brasil.

A grande participação dos serviços como insumo nos setores da indústria de manufaturados faz com que acordos plurilaterais na área de serviços possam ter impacto amplo para a economia brasileira. Estudo da FGV mostra os efeitos para o Brasil caso o país participe do TISA, sigla em inglês para um acordo para acesso a mercados na área de serviços e que atualmente reúne União Europeia, Estados Unidos, Austrália e outros 20 integrantes.

O estudo projeta o impacto do acordo para o Brasil para 2030. Se o Brasil ficar de fora do tratado, o impacto seria de redução de 0,17% do PIB, de recuo de 0,19% nas exportações totais e queda de 3% nas exportações de serviços.

Se o Brasil aderir ao TISA, o acréscimo em 2030 seria de 0,61% para o PIB, de 0,3% para a exportação do setor agrícola e de 0,8% para a exportação do setor extrativista. A exportação de manufaturados, destaca o professor Lucas Ferraz, da FGV, teria acréscimo de 2,82%. As exportações totais seriam adicionadas em 3,45% e o embarque de serviços, em 8%. "Esse efeito nos manufaturados é importante e acontece por conta da participação dos serviços como insumos em outros setores da economia."

Os dados foram apresentados pelo professor na segunda conferência anual de comércio internacional sobre os mega-acordos e seus impactos no Brasil.