Nenhuma força política conseguirá frear combate à corrupção, diz Janot

Jailton de Carvalho

28/06/2016

 

 

Sem citar nomes, procurador-geral reage às tentativas de barrar atuação da Lava-Jato

Ao discursar em um seminário, em Brasília, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse ontem que já não há, no Brasil, grupo ou força política tradicional capaz de refrear o movimento coletivo que se insurge à corrupção e pede o fim da impunidade. Janot comparou a força dos protestos contra a corrupção, iniciados em 2013, ao movimento civil que, mesmo contra interesses de conservadores e liberais, levou o país à abolição da escravatura, no fim do século XIX. Para ele, a sociedade quer República já.

— A engrenagem do progresso é irrefreável. Não há força humana de pessoas ou de grupos que possa se interpor entre o caminhar coletivo e o futuro. Quando o corpo social está maduro e anseia por mudanças, o poder secular pode até retardar sua implantação, mas jamais poderá impedir os desdobramentos dos fatos — disse Janot, na abertura do seminário “Grandes Casos Criminais — Experiência Italiana e Perspectivas no Brasil”.

“VOZES REVERBERAM O PASSADO”

O procurador-geral deu a declaração num momento em que políticos atingidos pela Operação Lava-Jato tentam restringir o alcance das investigações com propostas de mudanças nas leis ou até mesmo ataques diretos a ele e a outros integrantes do Ministério Público Federal. Recentemente, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), chegou a dizer que examinaria um pedido de impeachment de Janot.

No mês passado, o procurador-geral pediu a prisão de Renan, do ex-presidente da República José Sarney, do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do senador Romero Jucá (PMDB-RR). O procurador-geral também já pediu abertura de inquérito contra a presidente afastada, Dilma Rousseff (PT); contra o presidente nacionial do PSDB, senador Aécio Neves (MG), e contra os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, senador pelo PTB de Alagoas.

— Hoje, algumas vozes reverberam o passado e ensaiam a troca do combate à corrupção por uma pseudoestabilidade. Estabilidade destinada a tão poucos. Não nos sujeitaremos à condescendência criminosa. Não é isso que o Brasil quer. Não é isso que o país precisa — afirmou.

Num discurso recheado de citações históricas, o procurador-geral lembrou que o movimento civil contra a escravidão no Brasil atropelou as forças políticas da época. Conservadores e liberais não resistiram à pressão interna e externa e tiveram que, a contragosto, aprovar uma lei que pôs um fim formal à escravidão. Ele entende que, da mesma forma, o movimento de combate à corrupção vencerá a toda e qualquer resistência.

— Se nossos timoneiros não perceberem rapidamente a direção dos novos ventos, estarão fadados à obsolescência democrática. Ficarão com seus valores ultrapassados, presos irremediavelmente no tempo do esquecimento e condenados ao juízo implacável da História — disse Janot, sem citar nomes.

Para ele, “não há espaço para retrocesso e nem razão para retardar o caminho rumo a uma verdadeira República”. Segundo o procurador-geral, da mesma forma que o país se livrou dos grilhões da senzala, há 130 anos, chegou a hora de também romper as amarras do patrimonialismo e se livrar do “jeitinho” brasileiro associado à corrupção. Para o procurador, isto não faz parte da verdadeira natureza do brasileiro:

— Aos que não desejam o progresso fica a lição desse tempo memorável. Somos um país de homens livres, onde a lei deve valer na mesma medida para todos. Não desejamos mais um arremedo de aristocracia degenerada.

Antes de Janot, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, discursou e defendeu parte do pacote de combate à corrupção lançado pelo MPF na esteira da LavaJato. Entre as medidas que o governo apoia, Moraes citou a criminalização do caixa dois e do enriquecimento ilícito.

 

 

O globo, n. 30276, 28/06/2016. País, p. 4.