Lava-Jato apura se Itaipava atuou como doleira

Chico Otavio

22/06/2016

 

 

Cervejeira é suspeita de distribuir recursos a políticos em troca de compensação da Odebrecht no exterior

Uma das linhas de investigação sobre o banco da Odebrecht no Caribe, usado para o pagamento de propina, trabalha com a suspeita de que a empreiteira manteve com o Grupo Petrópolis, fabricante da cerveja Itaipava, operação similar a do sistema dólar-cabo, como os doleiros chamam um conhecido esquema de lavagem de dinheiro.

O dólar-cabo permite troca de recursos entre dois parceiros, no Brasil e no exterior, como se fosse um banco paralelo de compensações, sem a necessidade de movimentar o dinheiro de fato. Funciona na base da confiança. Para os investigadores, enquanto a Odebrecht teria usado o caixa dois da cervejeira para distribuir recursos a políticos, a Itaipava se valeria da empreiteira no exterior para pagar em moeda estrangeira os insumos necessários à produção de cerveja, do malte à lata de alumínio.

DELATOR REVELOU BANCO

Em delação premiada, Vinícius Veiga Borin, apontado como um dos operadores do departamento de propina da Odebrecht, detalhou como terceiros foram usados pela empreiteira para adquirir o Meinl Bank Antígua, no arquipélago caribenho de Antígua e Barbuda. Um desses sócios foi Vanuê Antônio da Silva Faria, ex-membro do Conselho da Administração da Itaipava, que deixou a cervejeira após romper com o tio, Walter Faria, o dono do grupo.

Durante a 26ª fase da Lava-Jato, "Operação Xepa", a força-tarefa encontrou indícios de que, juntas, Odebrecht e Itaipava haviam movimentado pelo menos U$ 117 milhões para o pagamento de propina entre 2008 e 2014. Pelo menos mais três pessoas ligadas a Walter Faria estão envolvidas na operação internacional: Naede de Almeira, executivo de estrita confiança do empresário e responsável pelo esquema nas Antíguas; Maria Elena de Souza, que assinava as autorizações para a movimentação de recursos; e Arnaldo Kardek da Costa, contador do grupo.

O Grupo Petrópolis, que teria se convencido a buscar a parceria com a Odebrecht depois de enfrentar dificuldade para esquentar o dinheiro destinado às compras internacionais, é conhecido pelo histórico de sonegações e fraudes tributárias. No ano passado, três distribuidoras ligadas ao Grupo, a Leyroz, a Praiamar e a Imapi, acumulavam juntas cerca de R$ 1 bilhão em créditos ilegais de ICMS no Estado do Rio.

Os seis processos que multavam as três distribuidoras em R$ 1 bilhão estavam parados no Conselho de Contribuintes da Secretaria Estadual de Fazenda e só tiveram andamento depois que a Coordenação de Combate à Sonegação Fiscal do Ministério Público cobrou providências à Secretaria de Fazenda. Os recursos da Itaipava foram rejeitados, mas os processos continuam parados, desta vez na Inspetoria de Bebidas.

Vanuê, que é ex-piloto profissional de Formula Ford, é um dos cinco filhos de Antônio Faria, o irmão mais velho de Walter assassinado em 1980, durante assalto em Fernandópolis, cidade do Noroeste paulista a 520 quilômetros da capital. Walter, então, assumiu os negócios de Antônio, entre os quais uma plantação de algodão, e a responsabilidade de educar os sobrinhos — Cleber, Vanuê, Clério, Weder e Vanusa , que teriam ajudado o tio a crescer na indústria da bebida. Inicialmente, o empresário operou como o maior distribuidor do Grupo Schin na região noroeste.

O empresário, contudo, demitiu os sobrinhos em 2011. A briga foi motivada por desconfiança. Embora não fizessem parte da composição societária do grupo, os cinco ingressaram na Justiça com ações que cobravam indenizações milionárias e reconhecimento da participação da sociedade. Clério, Weder e Vanusa querem, cada um, R$ 140 milhões. A pedida de Vanuê, cuja ação corre em segredo de Justiça na 1ª Vara Cível de Fernandópolis, é de R$ 870 milhões — Cleber, o outro irmão, fez um acordo amigável com o tio.

Procurada, a Itaipava disse que não faria comentários sobre as ações porque correm em segredo. Confirmou que Vanuê integrou o conselho, de agosto de 2010 e junho de 2011, mas desconhece atividades do empresário fora do grupo. Também negou participação no banco nas Antíguas e negou o pagamento de propina. Já a Odebrecht não quis se manifestar

 

 

O globo, n. 30270, 22/06/2016. País, p. 6.