Estratégia sob risco

 

19/06/2016

Eliane Oliveira
Bárbara Nascimento
Isabel Braga

 

O Palácio do Planalto acredita que o governo do Rio errou ao decretar, na última sexta-feira, estado de calamidade pública e, mais ainda, ao tornar público que a União repassaria ao estado R$ 2,9 bilhões a áreas essenciais, como o metrô e a segurança, para o bom andamento da Olimpíada em agosto. A avaliação é que a estratégia de baixar o decreto, para pressionar a União a liberar verba emergencial, poderá acabar inviabilizando o repasse federal. Isso porque existe o risco de outros governadores reivindicarem o mesmo tratamento, mas a União tem recursos suficientes para atendê-los na mesma proporção.

Apesar de ter feito um acerto prévio com o governador em exercício Francisco Dornelles sobre a ajuda financeira, o presidente interino Michel Temer não esperava a publicidade dada tanto ao decreto quanto à liberação da verba. De acordo com outra fonte palaciana, o presidente foi surpreendido na sexta-feira.

— O governo do Rio errou ao baixar o decreto. Isso prejudica os Jogos Olímpicos, pois o decreto chamou a atenção do mundo para as deficiências do estado e inviabiliza o pretendido auxílio. Os outros estados vão querer isonomia — comentou um ministro.

 

ASSUNTO SÓ SERIA DISCUTIDO AMANHÃ

Já o assessor especial do governo Michel Temer para privatização, o ex-governador do Rio Moreira Franco, garante que o presidente assinará uma medida provisória amanhã liberando os recursos. Ele só não soube informar o valor.

Segundo um ministro ouvido pelo GLOBO, no entanto, Temer só iria decidir esse assunto amanhã, durante a reunião que terá com os governadores. A ajuda específica para o Rio, discutida em um encontro na última quinta-feira com Dornelles, no Palácio do Jaburu, seria liberada após a renegociação das dívidas de todos os estados.

— Muitos querem ajuda. Outros estados poderão pedir o mesmo — afirmou a fonte.

Além do Rio, estão em situação dramática o Rio Grande do Sul e Minas Gerais. Técnicos da equipe econômica já trabalhavam com a possibilidade de dar uma ajuda extra a esses três estados, que pedem ao governo federal uma solução que vá além da proposta de alongamento da dívida que têm com a União.

O secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Giovani Feltes, disse ontem que o estado vai pedir ao governo federal na reunião de amanhã uma ajuda parecida com a dada ao Rio. Segundo ele, não há ainda intenção de o estado decretar calamidade pública, apesar de considerar que o Rio Grande do Sul tem problemas estruturais ainda mais graves que os do Rio.

— O socorro ao Rio foi necessário, mas não queremos crer que o que foi concedido a um estado não vá ser concedido na mesma proporção a outros — disse Feltes.

Ele explicou que a ajuda poderia ocorrer de diferentes formas para “estar no mesmo patamar” do socorro dado ao Rio. Além de financiamentos, Feltes cita a liberação de recursos do Comprev (fundo de compensação previdenciária aos estados por casos de contagem recíproca de tempo de contribuição para aposentadorias) e o refinanciamento de dívidas.

 

MOREIRA FRANCO DEFENDE MEDIDA

Para Moreira Franco, a decretação do estado de calamidade era necessária para viabilizar a liberação de recursos federais de forma célere, a tempo de garantir a finalização de obras e pagamentos de salários aos servidores.

— Éa imagem do Brasil que está em jogo. Imagem que já está muito desgastada no mundo pelos desmandos ocorridos anteriormente. Seria extremamente catastrófico se não conseguíssemos realizar a Olimpíada depois dos compromissos assumidos. Na situação em que o Brasil está, não dá para pagar um mico internacional desse tamanho — disse Moreira Franco.

Para o assessor, o estado de calamidade pública não pode ser motivado apenas por fenômenos da natureza, mas também por erros humanos. Segundo ele, Temer ouviu os argumentos de Dornelles e decidiu ajudar. Perguntado se a ajuda ao Rio poderia ser ameaçada caso outros estados peçam a mesma coisa, ele afirmou:

— O presidente Temer não assumiria esse compromisso se o dinheiro não estivesse garantido.

Moreira Franco afirmou que o Rio enfrenta problemas há muito tempo, provocados pela política econômica do governo Dilma Rousseff, pela queda do preço do petróleo — que prejudicou municípios e o próprio estado — e pela corrupção na Petrobras, que levou “ao desmonte de todo o setor de óleo e gás” do estado. Mencionou, ainda, “excessos e abusos” cometidos pelo próprio governo do estado, que acreditou no “projeto mirabolante do Brasil grande de Lula e Dilma”.

— Aí se chegou a esse ponto, que é uma situação comum aos estados. Mas, no caso do Rio, temos uma questão excepcional: o governo federal se comprometeu com o Comitê Olímpico Internacional, o Comitê Olímpico Brasileiro, o governo estadual e a prefeitura a realizar uma série de obras de mobilidade, equipamentos esportivos e não cumpriu — disse Moreira Franco, que foi ministro de Dilma e Lula.

O assessor especial disse que essa questão foi debatida num jantar na última quinta-feira, no Palácio do Jaburu, no qual Temer recebeu Dornelles, o prefeito Eduardo Paes, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio, Jorge Picciani, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e ele próprio.

— Calamidade é um fato, não é um arranjo. É calamidade financeira, porque o estado não consegue pagar a funcionários. Dornelles se comprometeu a tomar as providências de ajustes e a organizar as finanças do estado.

 

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A crise vista de fora


19/06/2016

 

O decreto de calamidade pública no Estado do Rio gerou repercussão imediata na imprensa internacional. O jornal inglês “The Guardian” destacou que o pedido de apoio ao governo federal se soma a uma “longa lista de problemas, que inclui o impeachment da presidente, a mais profunda recessão nas últimas décadas, o maior escândalo de corrupção que se tem notícia, a epidemia zika e uma onda de greves e ocupações de prédios do governo”.

Já o americano “Washington Post” afirmou que o decreto surpreendeu muita gente e que os Jogos Olímpicos serão realizados em meio ao “julgamento de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, à epidemia do vírus zika e à recessão econômica”.

O decreto também foi noticiado pelos sites da agência de notícias Reuters, do jornal americano “The New York Times”, do espanhol “El País”, e das redes de TV Al Jazeera, CNN e BBC.

De acordo com a reportagem da Reuters, a previsão de déficit nas contas estaduais este ano é de R$ 19 bilhões, e a perspectiva é que o valor se mantenha perto desse patamar pelo menos até 2020.

O “El País” ressaltou que o governo não especificou quais medidas serão tomadas para contornar a crise. Os especialistas ouvidos pelo jornal espanhol disseram que a hipótese mais provável é que o decreto sirva para justificar uma injeção extra de recursos do governo federal durante o período de restrição fiscal.

A Al Jazeera destacou as ocupações, protestos e manifestações de servidores por causa da situação financeira do estado, e citou o rebaixamento da classificação da dívida do Rio pela Agencia Fitch Ratings. A BBC também comentou que funcionários e pensionistas do estado estão com salários atrasados, e que hospitais e delegacias foram gravemente afetados pela crise. Já a CNN lembrou que o estado, rico em petróleo, foi especialmente atingido pela queda dos preços das commodities.

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Recursos não dão nem para dois meses de folha de pagamento

 

19/06/2016

Danielle Nogueira

 

Os R$ 2,9 bilhões que a União vai repassar para o Estado do Rio estão longe de solucionar a crise fiscal por que passa o estado. Os gastos com salários de funcionários ativos, bem como com pensões e aposentadorias de inativos do Poder Executivo, somam cerca de R$ 2 bilhões por mês, segundo dados da Secretaria estadual de Planejamento. Se adicionada a parcela que o estado tem de contratar com o BNDES para finalizar a Linha 4 do metrô, de R$ 989 milhões, não sobra um centavo sequer para o pagamento dos duodécimos que o governo repassa à Alerj, ao Tribunal de Contas do Estado, ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público, de cerca de R$ 460 milhões mensais.

O estado ainda precisa para sua necessidade imediata de R$ 42 milhões para pagar as horas extras de 25 mil policiais durante os Jogos e de R$ 460 milhões para quitar a segunda parcela dos salários de maio dos servidores.

 

ROMBO DE R$ 19 BILHÕES

Gastos com segurança, educação e saúde também estão no topo das despesas. Nos primeiros quatro meses do ano, o Estado do Rio destinou R$ 2,5 bilhões para a segurança, R$ 1,5 bilhão para educação e R$ 1,1 bilhão para saúde, segundo dados do site Comparabrasil.com, que compila informações de relatórios apresentados pelos estados à Secretaria do Tesouro Nacional. Considerando a receita menos a despesa, o rombo nas contas do Rio é estimado oficialmente em R$ 19 bilhões para este ano.

— Os R$ 2,9 bilhões não dão nem para começar, mas eles são uma forma de detonar um processo para que o Rio consiga sair dessa situação. A União é a única que pode resolver esse problema e não parecia estar disposta a solucionar a questão. Com a declaração de calamidade pública, o governo do Rio cria um fato político para mobilizar as forças de Brasília — avalia Raul Velloso, especialista em contas públicas.

Quando se olha para o serviço da dívida, ou seja, para quanto o governo do Rio tem que pagar este ano às instituições que lhe concederam empréstimos, o cenário também é desanimador. De acordo com a Secretaria da Fazenda estadual, terão de ser desembolsados aos credores R$ 10 bilhões em 2016, dos quais R$ 6,5 bilhões para a União, R$ 2,5 bilhões para bancos públicos e R$ 1 bilhão para órgãos internacionais.

 

IMPEDIDO DE PEGAR CRÉDITO

Sem dinheiro, o governo do Rio já deu calote de R$ 14 milhões, mês passado, em duas instituições estrangeiras, a Agência de Fomento Francesa e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. E há forte risco de se tornar inadimplente com os bancos públicos. O próprio secretário estadual da Fazenda, Júlio Bueno, já admitiu que há parcelas atrasadas com BNDES, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil, e que os prazos têm sido renegociados dia a dia.

O Rio tem uma dívida de R$ 102 bilhões. Pelas resoluções 40 e 43 do Senado, ambas de 2001 e que tratam das regras para empréstimos a estados, o limite de endividamento das unidades da federação não pode ultrapassar o dobro da previsão de sua receita corrente líquida em 12 meses. Em janeiro, a previsão de receita para 2016 do Estado do Rio era de R$ 51 bilhões. Com a drástica queda do ICMS e dos royalties, essa previsão está em torno de R$ 49 bilhões agora. Ou seja, o estado bateu seu teto de endividamento.

— O Rio está impedido de contrair novos empréstimos. Por isso, esse decreto de calamidade pública. Mas ele não resolve o problema, pois as receitas são decrescentes — avalia o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), para quem a receita ao fim do ano terá sido de R$ 47 bilhões, abaixo da previsão atual.

 
 

“Os R$ 2,9 bilhões não dão nem para começar. Com a declaração de calamidade pública, o governo do Rio cria um fato político para mobilizar as forças de Brasília”
Raul Velloso

Especialista em contas públicas

 

O globo, n. 30.267, 19/06/2016. Rio, p. 8