Lava-Jato alcança Temer

 

16/06/2016

André De Souza

Carolina Brígido

Jailton De Carvalho

Vinicius Sassine

 

BRASÍLIA- A delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado incluiu, pela primeira vez, o presidente interino, Michel Temer, no escândalo da Lava-Jato. Em depoimento de delação premiada, Machado disse que Temer lhe pediu para fazer doação de R$ 1,5 milhão para a campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012. Segundo Machado, na conversa ficou claro que se tratava de pedido de repasse, por doação oficial, de propina de contratos da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras.

O delator deu nomes de 16 empresas que pagaram propina, totalizando R$ 109,49 milhões e beneficiando 23 políticos de oito partidos. Só o PMDB recebeu R$ 104,35 milhões, segundo Machado. Temer e os demais envolvidos negaram irregularidades. A delação já tinha deixado o Congresso em polvorosa por ter ensejado um pedido de prisão do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) — um dos acusados de receber propina —, e de outros caciques do PMDB.

Entre analistas, o impacto da delação diretamente sobre Temer ainda é incerto, mas pode criar problemas para seu governo no Congresso. No Planalto, a percepção é que as acusações aprofundam o ambiente de insegurança política, o que pode dificultar negociações que terá pela frente, como a aprovação do teto de gastos.

O pagamento para a campanha de Chalita saiu dos cofres da Queiroz Galvão, uma das empreiteiras investigadas na Lava-Jato, segundo o delator. O ex-presidente da Transpetro disse que inicialmente foi procurado pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO), que disse que Chalita não estava bem na campanha, e negociou para “obter propina na forma de doação oficial”.

Este trecho da delação diz: “Posteriormente, (Machado) conversou com Michel Temer na Base Aérea de Brasília, provavelmente no mês de setembro de 2012, sobre o assunto, havendo Michel Temer pedido recursos para a campanha de Gabriel Chalita. O contexto da conversa deixava claro que o que Michel Temer estava ajustando com o depoente era que este solicitasse recursos ilícitos das empresas que tinham contratos com a Transpetro na forma de doação oficial para a campanha de Chalita”.

 

REPASSE DO DIRETÓRIO DO PMDB

Não consta na prestação de contas de Chalita, registrada no Tribunal Superior Eleitoral, doação em nome da Queiroz Galvão. No entanto, Chalita declarou, em 2012, ter recebido uma doação no mesmo valor citado por Machado em nome do Diretório Nacional do PMDB. O conteúdo da delação de Machado tornou-se pública ontem por decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em nota, Temer negou que tenha feito o pedido a Machado. “É absolutamente inverídica a versão de que teria solicitado recursos ilícitos ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado — pessoa com quem mantinha relacionamento apenas formal e sem nenhuma proximidade”, diz a nota. Chalita disse que não conhece Sérgio Machado nem pediu a ele recursos para campanha.

Machado disse no depoimento que se registrou na Base Aérea de Brasília no dia do encontro com Temer. Auxiliares dizem que o presidente interino não se lembra de ter mantido encontro com o expresidente da Transpetro na base. Temer determinou à FAB que faça varredura de todos os registros de encontros que teve no local em 2012. A versão do Planalto é que Temer esteve com Machado três ou quatro vezes desde 2011, sempre no Palácio do Jaburu (residência oficial) ou na Vice-Presidência, no prédio anexo ao Planalto.

A assessoria da FAB disse que ainda está verificando os registros de entrada na Base Aérea de Brasília, e que ainda não tem como dizer se Machado esteve no local em setembro de 2012.

No pedido de homologação da delação ao STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, menciona os possíveis crimes existentes a partir da narrativa de Machado: organização criminosa, corrupção ativa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, “com envolvimento do vice-presidente, de senadores e deputados federais”.

Além disso, relaciona a ascensão de Temer à Presidência ao suposto plano para obstruir as investigações da Lava-Jato. “Os efeitos desse estratagema estão programados para serem implementados com a assunção da Presidência da República pelo vice-presidente Michel Temer e deverão ser sentidos em breve, caso o Poder Judiciário não intervenha”, escreveu Janot no documento enviado ao STF em 12 de maio, mesma data em que Dilma Rousseff foi afastada do cargo.

Segundo auxiliares, Temer está indignado, mas “tranquilo” quanto ao conteúdo da delação porque nunca foi próximo de Machado. Na versão de aliados, não é verossímil a versão de que negociaria um esquema com alguém que não é de sua confiança, ligado intimamente a Renan Calheiros, de grupo distinto do dele no PMDB.

A maior parte da propina citada por Machado — cerca de R$ 84 milhões — foi paga em espécie, mas a maioria dos políticos recebeu o dinheiro por meio de doações oficiais.

Na delação premiada, Machado contou também que Temer reassumiu a presidência do PMDB em 2014 para controlar a destinação de uma doação de R$ 40 milhões feita pelo grupo JBS, controlador do frigorífico Friboi, a pedido do PT. Machado disse ter tomado conhecimento disso em reuniões na casa de Renan, mas não soube dizer da boca de quem.

Machado também disse não saber se a JBS obteve algum favorecimento em troca da doação. Segundo Machado, “o apoio financeiro do PT foi um dos fatores que fizeram com que Michel Temer reassumisse a presidência do PMDB, visando controlar a destinação dos recursos do partido”. Em nota, a JBS informou que “as doações para campanhas eleitorais foram realizadas de acordo com as regulamentações do TSE”. (Colaboraram Simone Iglesias, Catarina Alencastro e Fernanda Krakovics).

 

R$ 109 milhões

Valor total da propina repassada aos políticos, de acordo com a delação de Sérgio Machado. Ele também mencionou a quantia de US$ 100 mil

 

R$ 1,5 milhão

Valor que o presidente interino, Michel Temer, pediu para a campanha de Gabriel Chalita em 2012, de acordo com o delator

 

R$ 32 milhões

Valor que o senador Renan Calheiros recebeu de propina entre 2004 e 2014, diz Machado (R$ 8,2 milhões em doação eleitoral e o resto em espécie)

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De aluno a afilhado político

 

16/06/2016

Mariana Sanches

Sérgio Roxo

 

-SÃO PAULO- Gabriel Chalita, de 47 anos, ganhou destaque pela capacidade de transitar entre as diferentes forças que polarizam a disputa política no país. Amigo do presidente interino, Michel Temer, a quem chegou a dedicar um dos mais de 60 livros que escreveu, já foi aposta eleitoral do PSDB e esperança de renovação do PMDB. No começo deste ano, ingressou no PDT, sua quarta legenda em sete anos, para ser o vice do petista Fernando Haddad na disputa pela reeleição em São Paulo.

Pelas mãos de Temer, então vice-presidente, Chalita ingressou no PMDB em 2011. Os dois se aproximaram quando o presidente interino foi seu professor na PUC-SP. Candidato a prefeito em 2012, Chalita ficou em terceiro lugar e, no segundo turno, declarou apoio a Haddad contra José Serra (PSDB). Com a vitória do petista, indicou a amiga Luciana Temer, filha do presidente interino, para a Secretaria municipal de Assistência Social, cargo que ela ocupa até hoje.

Em 2015, Haddad decidiu ter o próprio Chalita na sua gestão. A nomeação para a Secretaria da Educação tinha o objetivo de garantir o apoio do PMDB na disputa pela reeleição. A entrada no governo fez com que Chalita se tornasse amigo e frequentador da casa do prefeito. Um dirigente petista conta que hoje Chalita é uma das pessoas que Haddad mais ouve.

A proximidade fez com que o prefeito o escolhesse para seu vice. Com o rompimento entre PT e PMDB no plano nacional, Chalita precisou buscar uma legenda para estar junto com o amigo na eleição deste ano. Chegou a bater à porta da Rede de Marina Silva, mas acabou no PDT. Mas a saída do PMDB não o afastou de Temer. Os dois mantêm conversas frequentes por telefone, segundo aliados.

Petistas acreditam que Haddad escolheu Chalita para vice porque, se for reeleito, deve tentar voos políticos mais altos em 2018 (o governo do estado ou até a Presidência da República) e deixar o cargo antes do fim do mandato. Além das trocas partidárias, Chalita é famoso pelo ritmo com que consegue publicar livros. O primeiro foi aos 12 anos e, desde então, sua produção é de mais de um livro por ano, o que lhe valeu a nomeação para a Academia Paulista de Letras. Em meio a intensa produção literária, ainda conseguiu fazer dois doutorados: em Direito e Semiótica.

 

O globo, n. 30.264, 16/06/2016. País, p. 3