O globo, n. 30271, 23/06/2016. Economia, p. 19

Um alívio de R$ 7,15 bilhões

Governo deve acelerar mudança regulatória favorável à Oi, que terá que investir em banda larga

Por: DANILO FARIELLO, GABRIELA VALENTE E GLAUCE CAVALCANTI

 

-BRASÍLIA E RIO- Mudanças regulatórias podem transformar bens da Oi, como imóveis e equipamentos, em pelo menos R$ 7,15 bilhões em recursos disponíveis para novos investimentos. O melhor caminho para essa mudança, segundo interpretação do governo, seria aprovar no Congresso uma alteração na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), que abriu caminho para as privatizações em 1997. Ontem, o governo federal acertou um cronograma para definir já na próxima semana um novo texto a ser votado na Câmara dos Deputados sobre a reversibilidade dos bens das concessões. A legislação atual determina que, ao fim do contrato, bens como imóveis e equipamentos precisam ser devolvidos à União. Com a mudança em discussão, esses ativos passariam a ser da própria companhia no vencimento das concessões e seriam incorporados ao patrimônio.

Essa conta de R$ 7,15 bilhões, com valores de 2013, foi apontada como referência mais conservadora pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ao Tribunal de Contas da União (TCU) no ano passado. O número foi referendado pelo Ministério da Fazenda em maio. Para a Oi, o valor desses bens era de R$ 7,7 bilhões em março, data de referência do último balanço trimestral. Mas a discussão jurídica em torno dessa quantia é enorme e, mesmo com a aprovação de uma nova lei, deverá resultar em disputas administrativas ou judiciais sobre qual o valor em prédios e demais ativos, principalmente imóveis, que a Oi poderá transformar em ativos para serem vendidos e revertidos em novos cabos de fibra óptica. A empresa tem listados mais de 7.600 imóveis no país. Quase uma centena deles, no Rio.

— Não faz muito sentido esses ativos retornarem para a União. É melhor que nós coloquemos esses ativos no investimento das empresas em novas tecnologias, de acesso à internet, com banda larga, coisas desse tipo — disse ontem o ministro do Planejamento interino, Dyogo Oliveira.

 

KASSAB DESCARTA INJEÇÃO DE RECURSOS PÚBLICOS

A reversibilidade dos bens já vinha sendo tratada pela Anatel, mas o entendimento das autoridades é que uma nova LGT traria mais segurança jurídica ao processo. Nesse sentido, ontem, o secretário da Assessoria Econômica do Ministério do Planejamento, Marcos Ferrari, recebeu o deputado Daniel Vilela (PMDB-GO) para tratar do projeto de Lei 3.453, de 2015. O projeto de Vilela já foi aprovado em uma comissão da Câmara e deveria pasPadilha sar por outra, antes de seguir para o Senado. Na reunião de ontem, porém, definiu-se um novo cronograma para alterar o texto até segunda-feira. A depender das mudanças, é possível que se altere o rito de tramitação na Casa.

Em relação ao texto de Vilela, o governo quer deixar mais claras as condições em que os bens da concessão se tornarão capital disponível para a empresa investir em expansão da banda larga. Segundo Vilela, o projeto, apresentado no ano passado, não foi planejado só para atender ao caso da Oi, mas ele reconhece que os desdobramentos da crise da tele desde segunda-feira aceleraram a discussão.

— É um marco regulatório de 1997 que precisa ser revisto, porque está travando investimentos. Uma empresa não vai trocar um cabo normal por fibra óptica, porque amanhã vence a concessão, e ela pode perdê-los — afirmou Vilela.

O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, Gilberto Kassab, disse que o aperfeiçoamento da lei por meio do projeto de Vilela visa a dar mais rapidez para discussão, uma vez que há consenso há dois anos de que a lei precisa mudar. Ele disse, porém, que não há decisão final do governo sobre a reversibilidade dos bens e nem definição sobre uma mudança no regime — de concessão para autorização —, embora existam manifestações majoritárias em favor da mudança.

Kassab descartou que o governo vá injetar dinheiro público na Oi ou mesmo um novo empréstimo do BNDES para resgatar a companhia. Ele lembrou que a intervenção é prevista em lei, mas disse esperar que não seja necessária. Ele ressaltou ter confiança na negociação da dívida da Oi com os credores.

— Uma negociação direta com investidores externos facilita para a concessionária, porque o investidor não vai querer perder tudo. Ele vai aceitar perder parte — disse Kassab ao GLOBO.

Em um momento no qual se quer atrair novos investidores em infraestrutura no país, a ordem ontem no governo federal era assegurar ao mercado que todas as regras serão respeitadas no caso da recuperação judicial da Oi. No dia anterior, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha tinha dito que os bancos públicos, como BB e BNDES, poderiam auxiliar a Oi na busca de um novo sócio. Ontem, destacou, que os direitos dos investidores serão preservados nos termos da lei. Kassab ressaltou que a mudança da LGT já era prevista e que não será “casuística”, por conta do episódio da Oi.

— Temos a plena consciência de que temos de zelar pelo usuário, que comprou o serviço, mas também sabemos que o que pudermos fazer dentro da ética e sem dinheiro público para apoiar solução, vamos fazer. Mas em nenhum momento faremos nada que possa ser interpretado como benefício — ressaltou Kassab. O acórdão da decisão cautelar da Anatel de segunda-feira, que impediu a Oi de vender bens sem autorização, foi publicado ontem e revelou que a agência dedicará ao serviço de telefonia fixa o foco principal do trabalho de fiscalização excepcional. Conforme revelado ontem pelo GLOBO, mais da metade dos municípios do país tem na Oi a única fornecedora de telefonia fixa.

— A Oi tem 70% do mercado de telefonia fixa e 18% da telefonia celular. Qual é nossa missão no governo? Temos que garantir uma prestação de serviço com qualidade durante esse processo de pedido da Oi e ver o que o poder Judiciário vai decidir — disse Padilha.

Para Hermano Pinto, especialista em telecomunicações, a revisão da LGT será o primeiro passo de mudanças no setor:

— A legislação precisa ser reavaliada, sobretudo no que diz respeito à reversibilidade.

 

‘DEVOLVER ATIVO É PREJUÍZO’

Para Eduardo Tude, da consultoria Teleco, a principal questão para o mercado é qual será o futuro da Oi. Para ser adquirida, ela precisaria combinar a reestruturação da dívida com a revisão da legislação do setor. Um investidor só teria interesse em adquirir a companhia sabendo que ativos ela, de fato, detém:

— Para a empresa, no fim da concessão, devolver ativos e investimentos é um prejuízo, mesmo com indenização sobre aportes feitos.

 

Colaboraram Eduardo Barretto, Simone Iglesias e Bárbara Nascimento

 

“É um marco regulatório de 1997 que precisa ser revisto, porque está travando investimentos”

Daniel Vilela

Deputado (PMDB-GO), autor do projeto de mudança na lei do setor

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