A Petrobras é a madame mais honesta dos cabarés’

 

16/06/2016

André De Souza

Carolina Brígido

 

Sérgio Machado, expresidente da Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras, reconheceu pagamentos milionários de propina na estatal, mas disse que há casos piores em outros órgãos estatais, com “práticas menos ortodoxas”. Segundo suas próprias palavras, a Petrobras é “a madame mais honesta dos cabarés do Brasil”.

Questionado sobre o significado da frase, ele esclareceu que, com isso, quis dizer que a Petrobras “era um organismo estatal bastante regulamentado e disciplinado”. Em seguida, citou vários órgãos estatais com práticas menos ortodoxas: o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Docas, Banco do Nordeste, Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs).

Além de presente em várias empresas e órgãos públicos, Machado destacou que o esquema é antigo. Segundo depoimento prestado em 6 de maio, “indagado se deseja acrescentar algo mais, destacou que o esquema ilícito de financiamento de campanha e de enriquecimento ilícito desvendado pela Lava-Jato ocorre desde 1946 e este é um momento de se alterar essa realidade, sendo esta uma das razões pela qual decidiu colaborar”.

Em outro ponto, diz que “desde 1946 havia um padrão segundo o qual os empresários moldavam seus orçamentos com incorporação do conceito de 'custo político'”. Tal custo, segundo Machado, é calculado da seguinte forma: 3% do valor dos contratos entre empresas e governo federal, 5 a 10% no caso dos governos estaduais, e 30% nos municipais.

Machado também esclareceu o significado da expressão “pacto de Caxias”, citada por ele numa das conversas que gravou com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Segundo o depoimento, “no trecho em que fala no 'pacto de Caxias', o ex-presidente da Transpetro quis se referir a um pacote de medidas legislativas que representasse, concretamente, anistia ou clemência para os investigados na Operação Lava Jato”.

O ex-presidente da Transpetro também dá detalhes sobre as gravações das conversas. Segundo ele, foi seu filho, Expedito Machado da Ponte Neto, quem providenciou o dispositivo para gravar as conversas com políticos do PMDB. Expedito também firmou acordo de delação para colaborar com as investigações. Apesar de ter exposto caciques do partido, Machado disse não temer represálias. Em outro ponto, ele disse que “o mecanismo da delação premiada acabou com a lei do silêncio e com a tranquilidade”.

Na delação, Machado foi didático. Explicou que políticos indicam seus aliados para cargos estratégicos em estatais. As empresas contratadas querem ampliar vantagens, especialmente por meio de aditivos. Os indicados, já no exercício dos cargos de direção, têm uma necessidade em mente: arrecadar propina para os políticos que os apadrinharam. As três fases estão descritas no primeiro capítulo da delação premiada de Machado, que presidiu a Transpetro por 11 anos, por indicação da cúpula do PMDB no Senado.

Machado contou, com objetividade, como as empresas contratadas pela Transpetro eram instadas a pagar propina. Caso não pagassem ou deixassem de pagar, os empreendimentos não sofriam represálias durante a vigência dos contratos. A retaliação ocorria depois: “Depois não conseguiam novos contratos”, disse o ex-presidente da estatal. (Colaborou Vinicius Sassine).

 

Sérgio Machado disse que outras estatais têm práticas “menos ortodoxas” que a Petrobras, e citou Dnit, Funasa, Docas, FNDE, Dnocs e Banco do Nordeste

 

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O cabaré da reserva de mercado

 

16/06/2016

José Casado

 

São muito instrutivas as 246 páginas de depoimentos de Sérgio Machado, expresidente da Transpetro. Não incluem transcrições de sete horas de gravações com líderes do PMDB, mas ajudam a colocar em perspectiva aquilo que ele define como “custo político” nas relações entre entre empresas e o poder público.

Trata-se da tradição de desvio de um “percentual”, segundo Machado, “de 3%" em negócios com o governo federal, “de 5 a 10%" com governos estaduais e “de 10 a 30%" com prefeituras.

Ele diz ter mantido a subsidiária da Petrobras no “modelo tradicional”, à margem das “práticas menos ortodoxas” de empresas e órgãos públicos.

Listou Banco do Nordeste, Cia. Docas, Fundação Nacional de Saúde, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Também mencionou a Eletrobrás, holding de 15 estatais e associada a outras 180 empresas, dona da hidrelétrica de R$ 32 bilhões em Belo Monte (PA).

Em corrupção, ele acha, deixam a Petrobras com a aparência de “madame mais honesta dos cabarés do Brasil”. Exagero? A narração de Machado recomenda não desprezar seu conhecimento dos subterrâneos da política. Na essência, ele conta como o “projeto nacionalista” propagado por Lula e Dilma, desde 2003, acabou em jantar no “cabaré” da Petrobras, no camarote da Transpetro.

Lula e Dilma sustentaram uma “política” de privilégios à indústria — nem sempre nacional —, pela reserva de mercado: impuseram exigência de construção local em 66% de navios, por exemplo. Encomendaram 46 navios e 20 comboios, ao custo inicial de R$ 12 bilhões mais uma gama de incentivos fiscais às construtoras.

Políticos de todos os matizes, sobretudo os que se dizem de esquerda, enrolaram-se na bandeira nacional para festejar a multiplicação de “riquezas”. Isso aconteceu, de fato, para acionistas e executivos de duas dúzias de empresas que, apesar de servidas com a fartura de dinheiro público, submergiram na falta de competitividade e produtividade dos estaleiros, levando ao naufrágio o emprego de 70 mil pessoas. Se havia objetivo e dinheiro lícitos, providencialmente faltaram projeto e regras claras de reciprocidade aos cofres da Petrobras e do BNDES, entre outros do setor público.

 

O globo, n. 30.264, 16/06/2016. País, p. 7