Fim da Satiagraha libera R$ 4,5 bi aos fundos de Dantas 

Josette Goulart

03/07/2016

 

 

Recursos estavam há sete anos bloqueados nos EUA, Europa e Brasil para garantir operação que investigava lavagem de dinheiro

Uma fortuna estimada em cerca de R$ 4,5 bilhões voltará aos fundos do Opportunity, a empresa de gestão de Daniel Dantas e Dório Ferman.

O dinheiro estava bloqueado há cerca de sete anos em contas nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil para servir de garantia à Operação Satiagraha, em que a Polícia Federal acusava os executivos por crimes contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. A operação foi totalmente desmantelada e anulada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. Mas foi só na semana passada que o último prazo venceu. Agora, como os recursos judiciais não são mais permitidos, o dinheiro foi liberado ao Opportunity. O fim da operação policial frustrou quem acreditava que havia provas concretas de crimes relevantes imputados a um dos bilionários mais polêmicos do País – que, embora fosse chamado insistentemente de banqueiro, nunca teve um banco.

Ainda que tenha vencido uma batalha judicial, em que os tribunais superiores anularam a forma de obtenção de provas fundamentais para o processo, o financista Daniel Dantas não considera esse um final feliz, como percebem pessoas próximas a ele. Aos 60 e poucos anos, ele ainda tenta recuperar a imagem que já teve um dia.

Daniel Dantas era o gênio das finanças, o destemido, o briguento.

Estampava as capas de jornais e revistas com manobras ousadas, controvertidas. Entrou em disputas com boa parte dos sócios nas empresas compradas com seus fundos. Em geral, as brigas aconteciam porque usava de sua engenhosidade para ser controlador dos investimentos em que se embrenhava com uma participação mínima. Alguns deles questionaram seus métodos e travaram brigas históricas, como a com a Telecom Itália, que rende até hoje na Justiça italiana, com acusações de espionagem com uso da empresa Kroll e pagamentos de propinas.

Outra briga foi com os fundos de pensão que eram seus sócios na Brasil Telecom, empresa que surgiu da privatização da Tele Centro Sul.

Prisão. Ao longo dos anos, ele ficou bilionário. Depois de deixar o banco Icatu, onde trabalhava, em 1994, criou o Opportunity, uma gestora de recursos, com US$ 70 milhões, que 14 anos depois chegou a R$ 18 bilhões, quando a Satiagraha foi deflagrada. No dia 8 de julho de 2008, Dantas foi preso. Um dia depois foi libertado após julgamento do ministro Gilmar Mendes, do STF. O juiz Fausto de Sanctis emitiu nova ordem de prisão. O tribunal confirmou, mas Mendes o soltou de novo.

De lá para cá, Dantas foi sumindo aos poucos do noticiário e da vida pública, à medida que a Satiagraha evoluía. Mesmo quando as notícias passaram a seu favor, quando os tribunais superiores foram anulando provas usadas para sustentar a operação, Dantas manteve uma vida sem holofotes, como conta um amigo baiano. Dantas é baiano.

“Ele não vai nem a casamentos”, diz o amigo.

No ano passado, Dantas fez uma aparição em um seminário de jornalismo promovido pela revista piauí e pela GloboNews.

Não contou grandes novidades sobre sua visão dos tempos de Satiagraha, nem sobre o que andava fazendo. Agora, procurado pelo Estado para falar sobre o fim definitivo da Satiagraha, não quis dar entrevista.

Pelo que diversas pessoas ouvidas pela reportagem relatam, nesses oito anos desde o início da Satiagraha, Daniel Dantas continuou brigando. Em 2010, iniciou uma disputa com seu sócio Richard Klien na Santos Brasil.

A empresa, que atua na região portuária de Santos (SP), faturou em 12 meses, até o primeiro trimestre, R$ 865 milhões.

Os sócios chegaram a bom termo neste ano e devem encerrar o processo, segundo fato relevante divulgado pela própria empresa. Mas no Nordeste, continua a brigar com seus sócios na mineradora Bemisa.

Briga que já dura quatro anos e está só começando já que a Justiça decidiu apenas agora o foro de discussão, que será no Rio de Janeiro e não na Bahia onde se iniciou.

Petróleo. Além desses negócios, Daniel Dantas também é dono de uma petrolífera, a PetroRecôncavo. Cria gado e é dono de terras no Pará e na Bahia, por meio da Agropecuária Santa Bárbara.

No Rio de Janeiro, comprou muitos imóveis, entre eles, toda a famosa Rua da Carioca. Outros grandes negócios não surgiram no front. No Opportunity, na parte liderada por Dório Ferman, seu sócio que de fato foi banqueiro, o patrimônio de seus fundos chega a R$ 22 bilhões.

Acredita-se que boa parte dos recursos sejam dos próprios sócios. Parte desse dinheiro integra o valor bloqueado no Brasil.

Segundo levantamento dos recursos bloqueados feito pelo Estado, cerca de R$ 2,5 bilhões estão em dois fundos no Brasil, o Opportunity Special e o Trade- Center Imobiliário. Nos Estados Unidos, são cerca de US$ 400 milhões, ou R$ 1,3 bilhão.

Em contas na Europa, cerca de R$ 720 milhões, tendo como base as cotações do dólar, do euro e da libra esterlina de sexta-feira.

Dos milhões aos bilhões

Depois de deixar o banco Icatu, onde trabalhava, em 1994, Daniel Dantas criou o Opportunity, uma gestora de recursos, com US$ 70 milhões, que chegou a R$ 18 bilhões 14 anos depois.

PARA LEMBRAR

A guerra das privatizações

Há poucas semanas, a empresa de telefonia Oi pediu recuperação judicial com dívidas de mais de R$ 60 bilhões. Curiosamente, o caso Satiagraha tem quase ao mesmo tempo seu fim definitivo decretado. Apesar de parecerem distantes entre si, os dois eventos tiveram uma relação estreita no passado. Em abril de 2008, foi feito um acordo para se criar o que seria a maior empresa de telefonia do País, resultante da fusão da Brasil Telecom com a Oi. O acordo envolvia fundos de pensão, o CVC do Citibank, o Opportunity, os empresários Carlos Jereissati e Sérgio Andrade. Todos assinaram um compromisso de esquecer o passado e as brigas judiciais que na época se multiplicavam.Entre eles estava Daniel Dantas, que havia brigado com vários desses personagens, e também com a Telecom Itália, sua sócia na BrT, que saiu um pouco antes da criação da supertele. Para entender a história é preciso voltar ao ano de 1998, quando o financista havia arregimentado sócios para participar da privatização do sistema Telebrás. O leilão terminou com a Tele Centro Sul (BrT) nas mãos de Dantas, TIM e dos fundos de pensão e a Telemar com Jereissati. Um ano após a privatização, os fundos de pensão perceberam que não tinham controle na BrT apesar de posição majoritária. Daniel Dantas é quem mandava. Dantas acredita que passou a ser perseguido pelo governo, que teria angariado também o Citibank contra ele. Em 2008, concordou em sair dos negócios porque o governo não o queria na supertele. Levou US$ 1 bilhão pelas suas fatias, pois também era sócio da Telemar. “Era para comprar a minha paz. Me prometeram. Dois meses depois fui preso na Satiagraha”, disse em evento da revista piauí no ano passado.

OS PASSOS DE DANIEL DANTAS

Em duas décadas, negócios foram marcados por disputas judiciais e operações policiais

1998

Privatização do sistema Telebrás, CVC/Opportunity leva a Tele Centro Sul (Brasil Telecom)

1999

Fundos de pensão começam a questionar acordo do fundo, que dava controle de gestão a Dantas

1999

Opportunity compra participação na Telemar (atual Oi)

 

2002

Dantas inicia disputa com sócios na Valepar, sócia da Vale

 

2004

Operação Chacal é deflagrada para investigar caso de possível espionagem contra governo

 

2005

Fundos e Citi (CVC) se unem para tirar controle do Opportunity

2008

Abril

Para fechar acordo da super tele, com união da BrasilTelecom com Oi, Daniel Dantas concorda em vender suas participações

Julho

Daniel Dantas é preso na Operação Satiagraha

2010

Dantas briga com sócios da Santos Brasil

2011

STJ anula operação Satiagraha e condenação de Dantas

2012

Dantas é absolvido no caso Chacal

2013

Dantas briga com sócios da Bemisa

2015

STF confirma anulação da Satiagraha