Valor econômico, v. 17, n. 4059, 01/08/2016. Brasil, p. A4

Parecer da AGU não muda postura de banco público

Por: Eduardo Campos

Por Eduardo Campos | De Brasília

 

O parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre operações do BNDES envolvendo empresas que são alvo de ações de improbidade não deve modificar a postura dos bancos públicos na liberação de crédito para companhias e concessionárias que, de alguma forma, estejam envolvidas na Operação Lava-Jato.

A visão predominante na Caixa, no Banco do Brasil e no BNDES, e também entre advogados, é que o parecer não obriga ou autoriza a continuidade de concessão dos empréstimos, mas apenas afirma que a decisão depende da avaliação dos próprios critérios do banco, caso a caso, de acordo com questões jurídicas e reputacionais, e também de análises econômico-financeiras das empresas envolvidas.

Em resumo, o entendimento é o de que o parecer não coloca barreiras, mas também não autoriza as liberações de recursos, uma vez que isso não havia sido barrado antes. O conteúdo do parecer foi revelado pelo Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor, na semana passada. "O parecer não libera o banco, é igual ao anterior. O que a AGU faz é dizer o que seria sensato: que essa é uma decisão da própria instituição que concede o crédito", avalia fonte ligada a um banco público.

A nova consulta à AGU foi feita pela gestão anterior do BNDES, sob comando de Luciano Coutinho, diante de impasse entre concessionárias e técnicos e diretores do banco. As empresas, e mesmo os poderes concedentes, pressionavam para dar continuidade a créditos aprovados. Por outro lado, o pessoal técnico do BNDES revelava profundo desconforto em endossar a liberação de recursos para as companhias. Muitas delas, além de estarem na mira da Polícia Federal e da Justiça Federal, enfrentavam condições bastante adversas para obter crédito no mercado privado.

Muitas obras públicas de infraestrutura vinham sendo tocadas por essas companhias. Rodovias leiloadas em 2013 estão entre os projetos previstos que ficaram sem recursos para ir adiante por conta do cenário que se desenhou após a Lava-Jato.

O Valor apurou que no Banco do Brasil não existe nenhum tipo de limitação jurídica para operações com empresas sob investigação. Mas nesses casos há um endurecimento nos processos de avaliação de risco, tanto econômico-financeiro como reputacional. O banco avalia não só a reputação da empresa tomadora, mas que tipo de risco a operação traz para a imagem do banco. No Banco do Brasil, todas as empresas citadas na Lava-Jato estão em "credit watch", o que afeta tanto o apetite do banco em ampliar a exposição quanto os limites de crédito.

É fato que as empresas estão com limitada capacidade econômico-financeira e ainda terão de arcar com o pagamento de multas ao fim das investigações. E o setor é naturalmente alavancado em termos de crédito, pois faz desembolso imediato com retorno a longo prazo. Se há dúvida sobre a reputação da empresa, ou mesmo sua continuidade, isso interfere na capacidade de captar recursos de terceiros.

Um outro interlocutor avalia que no BNDES a tendência também é que se continue restringindo o crédito a essas empresas, por ora. Na visão dessa fonte, a solução para essas companhias passa por venda de ativos e reestruturação de dívidas que diminuam a alavancagem e melhore o risco de crédito.

A Caixa Econômica Federal informou que efetua análise de risco e impacto de mercado antes de viabilizar operações de crédito e que, caso haja condenação judicial de alguma empresa, pode ser aplicada, pelo juiz, a vedação de empréstimos pelo prazo de um a cinco anos conforme legislação em vigor.

De acordo com um interlocutor de um desses bancos, as soluções para esses casos não são triviais e podem envolver negociações e fortes reduções do escopo inicial dos projetos em alguns casos, mas em outros podem efetivamente não se realizar e exigir uma reversão dos planos. Isso não sofre influência do parecer e das visões da AGU, mas sim da análise de risco dos aportes que o banco está fazendo.

Visão semelhante à das instituições tem o professor titular da Faculdade de Direito da USP, André Ramos Tavares. Ele lembra que os pareceres são peças de convencimento e o advogado público não responde pela decisão final. "Nesse caso, a decisão não é só jurídica, é também econômica", afirma.

Em dezembro de 2014, junto com a procuradoria-geral do Banco Central, a AGU já havia se posicionado favoravelmente quanto à viabilidade jurídica da manutenção de operações realizadas pelo BNDES com empresas investigadas. De lá para cá, contudo, a situação se complicou. O empresário Marcelo Odebrecht foi preso e condenado em primeira instância e delações premiadas foram homologadas envolvendo outras empreiteiras, como a Andrade Gutierrez. A crise ganhou maior dimensão. Por isso, o banco procurou uma nova avaliação oficial para balizar suas posições.

O resultado foi o parecer da AGU que concluiu que "a existência de investigação policial, procedimento administrativo ou processo em desfavor de determinada pessoa jurídica (ou respectivos dirigentes) não é fato que por si só seja capaz de impedir a empresa de contratar com a administração pública".

O parecer, afirma, porém, que cabe ao banco decidir caso a caso, e que tal fato deve ser considerado para que seja realizada adequada classificação e garantia, em consonância com a regulamentação prudencial que rege o sistema financeiro. (Colaboraram Catherine Vieira, de São Paulo e Daniel Rittner, de Brasília)