Valor econômico, v. 17, n. 4059, 01/08/2016. Brasil, p. A3

ROMBO DA PREVIDÊNCIA QUASE DOBRA E GERA DÉFICIT FISCAL RECORDE

Por: Fabio Graner e Edna Simão
Por Fabio Graner e Edna Simão | De Brasília
 

O governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) encerrou o primeiro semestre com déficit primário de R$ 32,521 bilhões, o pior da série iniciada em 1997. Somente em junho, o déficit foi de R$ 8,8 bilhões, o mais alto em termos nominais e o segundo pior em termos reais. Em 12 meses, o saldo negativo acumulado é de R$ 145,502 bilhões, menor que a meta para o ano.

Diante do recorde negativo, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, cobrou a reforma da Previdência Social e uma ampla reavaliação dos gastos obrigatórios, como forma de viabilizar o reequilíbrio fiscal do país. Ela rebateu a ideia de que possa haver qualquer 'folga' na meta estipulada para o ano. Apesar de recorde, os R$ 32,5 bilhões de déficit do primeiro semestre ainda deixam espaço para rombo de R$ 138 bi na segunda metade do ano, já que o déficit autorizado pela meta é de R$ 170,5 bilhões. "A meta é essa, não tem folga e ela é crível."

 

A forte deterioração das contas públicas neste ano reflete a a intensa queda nas receitas públicas em um ambiente de elevada despesa. A receita líquida do governo central, aquela efetivamente à disposição do governo federal, teve queda real (descontado o IPCA) de 5,1% (alta nominal de 4,1%), totalizando R$ 540,011 bilhões no semestre. Enquanto isso, a despesa total ficou quase estável em termos reais, mas subindo 10% em valores nominais (que é o usado para o cálculo do resultado).

Ao comentar o resultado, a secretária do Tesouro apontou o dedo para a questão previdenciária, uma despesa obrigatória que tem crescido em um ambiente de forte perda de receitas, por conta do aumento do desemprego e da queda da renda dos brasileiros. "Só a Previdência [deficitária] no exercício explica grande parte da deterioração das contas públicas no governo central", afirmou Ana Paula. "O resultado fiscal mostra como é grande o desafio de equacionamento das contas públicas para a retomada do crescimento do país", disse.

De janeiro a junho, o déficit da Previdência foi de R$ 60,441 bilhões, quase o dobro do verificado em igual período do ano passado. O pagamento de benefícios teve alta de 5,4% em termos reais, atingindo R$ 234,465 bilhões, enquanto a arrecadação previdenciária teve recuo real de 6,3%. Ana Paula apresentou um gráfico mostrando que, entre o primeiro semestre de 2011 e igual período deste ano, a despesa da Previdência teve alta real de 26,5%

Segundo a secretária, é preciso entender a necessidade de rediscutir gastos obrigatórios e reavaliar programas, como a Previdência Social. "Ajuste fiscal hoje é da sociedade brasileira", afirmou. "Essa discussão hoje extrapola os muros da equipe econômica", frisou, referindo-se ao fato que o ajuste engloba várias áreas do governo e o país.

Ana Paula destacou que, a despeito da recente estabilização do nível de despesa obrigatória, a tendência de longo prazo desse grupo de gastos é de crescimento e isso precisaria ser discutido. As despesas obrigatórias representam cerca de 90% de todo o Orçamento federal. Ela ponderou que a estratégia de reduzir gastos discricionários (aqueles que o governo pode destinar livremente) no curto prazo não é uma alternativa suficiente para corrigir a trajetória de desequilíbrio fiscal. "Isso só será corrigido com enfrentamento de questões estruturais, como reforma previdenciária, avaliação e revisão de programas", afirmou.

O discurso da secretária foi todo focado no lado da despesa, apesar de o rombo das contas públicas estar em grande medida relacionado à queda no lado da arrecadação. Questionada se a sociedade também precisaria ser chamada a discutir questões como a queda na carga tributária associada às receitas administradas desde 2011 e necessidade de eventuais altas de tributos, Ana Paula foi bem menos enfática. Disse que elevação de impostos para melhorar as contas públicas é um "Plano C", última alternativa. Mas ponderou ser necessário que, no momento certo, sejam rediscutidas algumas desonerações e subsídios. "É preciso rever a eficácia dos programas de desoneração tributárias", disse ela, para quem isso só deve ocorrer quando a atividade reagir.

A secretária avaliou que a queda da arrecadação reflete não só o tombo da atividade econômica, mas elementos como mudanças na estrutura produtiva que gera menos receita. Segundo ela, a preocupação do governo é gerar as condições para a retomada da confiança e do crescimento, por meio do ajuste fiscal, e reformas, como a da Previdência.

O resultado de junho foi favorecido pela antecipação do pagamento de concessões de usinas hidrelétricas. Ana Paula disse que o governo espera receita de concessões de aeroportos só para 2017. O governo prevê soltar o edital para privatização de aeroportos em setembro para realização do leilão em dezembro. Como a assinatura do contrato deve acontecer 60 dias depois, o dinheiro só entrará no caixa do Tesouro provavelmente em fevereiro. Do valor do negócio, 25% entram nos cofres públicos no momento da assinatura do contrato.