O globo, n. 30271, 23/06/2016. País, p. 5

'Corrupção é assasina sorrateira'

Coordenador da Lava-Jato, procurador Deltan Dallagnol debate os efeitos de desvios com deputado citado por delator como beneficiário de propina; menos de 20 parlamentares assistem a discurso

Por: Jailton de Carvalho/ Leticia Fernandes

 

Diante de menos de 20 parlamentares, o coordenador das investigações da Operação Lava-Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol afirmou ontem que a corrupção é uma assassina em série, que mata silenciosamente milhares de pessoas em estradas esburacadas, hospitais sem remédios e ruas sem segurança. O procurador fez a declaração na abertura da audiência promovida pela Comissão Geral no plenário da Câmara dos Deputados para discutir as 10 Medidas de Combate à Corrupção, pacote de projetos elaborados na esteira das investigações da Lava-Jato.

— A corrupção é uma assassina sorrateira, invisível e de massa. Ela é uma serial killer, que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza — afirmou o procurador perante a escassa plateia.

 

HERÁCLITO CAUSA CONSTRANGIMENTO

Como exemplo, Deltan citou o caso de uma pessoa na Bahia que morreu por falta de um determinado medicamento na rede pública. No mesmo período da morte, o Ministério Público estava investigando compra superfaturada do mesmo tipo de medicamento. Os remédios teriam sido adquiridos por valores, em alguns casos, até dez vezes superiores aos oferecidos nas farmácias locais e, ainda assim, teriam sido entregues com data de validade vencida. — A corrupção mata — repetiu Dallagnol. Durante o discurso, o procurador voltou a pedir apoio do Congresso Nacional ao pacote anticorrupção. Frente a frente com o procurador, o deputado Heráclito Fortes (PSB-PI), citado na delação premiada de Sérgio Machado, causou constrangimento ao se colocar à disposição do Ministério Público para explicar a citação do seu nome pelo ex-presidente da Transpetro.

Da tribuna da Câmara, Heráclito afirmou que fará “o que for preciso” para esclarecer o seu envolvimento na delação de “um réu confesso”, e citou como possibilidades uma acareação e a quebra de seu sigilo telefônico.

— Eu estou aqui nesta Casa há muitos anos, e o que eu sempre quis na vida foi ficar imune a escândalos e aos escandalosos — disse Heráclito.

O deputado foi citado por Sérgio Machado como beneficiário de R$ 500 mil disfarçados de doação eleitoral. O acerto inicial, segundo o delator, era o pagamento de R$ 1 milhão a Heráclito e R$ 1,5 milhão ao ex-presidente do PSDB, Sérgio Guerra, para aprovar, na Comissão de Infraestrutura do Senado, da qual Heráclito era presidente, o limite de endividamento da Transpetro.

Depois da “acareação” entre Dallagnol e Heráclito, o procurador da Operação Lava-Jato comentou a saia-justa:

— Acho que talvez tenha havido um equívoco, porque os próximos passos da colaboração premiada do Sérgio Machado acontecerão perante o Supremo Tribunal Federal. Então, não é uma coisa relacionada a mim — respondeu, perguntado sobre o pedido do deputado.

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    Renan acha inusitado tantos pedidos para afastar Janot

    Jovem de 21 anos protocola o décimo; Temer diz que solicitações contra procurador-geral não devem prosperar

    Por: Cristiane Jungblut

     

    -BRASÍLIA- No mesmo dia em que o presidente interino Michel Temer declarou que os pedidos de afastamento do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, não devem prosperar, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que o Senado agirá “com responsabilidade” nestes casos, mas considerou “inusitado” que tantos pedidos de impeachment do chefe do Ministério Público sejam apresentados no Senado. Nos bastidores, Renan foi aconselhado pela cúpula do PMDB a baixar o tom em relação aos pedidos de afastamento de Janot. Ele esteve com o próprio Temer em jantar na noite de anteontem.

    Renan já comunicou à cúpula do PMDB que não vai dar prosseguimento ao penúltimo pedido, apresentado por duas advogadas.

    Como o site do GLOBO informou ontem, Renan enviou o pedido para a Advocacia Geral do Senado, mas, ao receber o parecer, deve se considerar inepto para tomar uma decisão por ter sido citado no caso.

    — O inusitado é que estão chegando outros pedidos. Do ponto de vista do Senado, que não faz parte da crise e é sim a solução, vamos ter total responsabilidade com isso e não vamos desbordar do nosso papel constitucional — afirmou Renan, reafirmando que não quis ameaçar o procurador-geral.

    O Senado já recebeu dez pedidos de afastamento de Janot, sendo que quatro foram arquivados. O mais recente foi apresentado ontem por um jovem de 21 anos: Gustavo Haddad Braga. No pedido, o autor diz ter considerado um “fato gravíssimo” Janot ter pedido a prisão de dois senadores: Renan e Romero Jucá (PMDB-RR). E afirma que Renan não deve se considerar impedido “por mero temor de passar a imagem de vindeta” (na verdade, vendeta ou vingança).

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