O globo, n. 30289, 11/07/2016. País, p. 3

Vitrines vazias

Governo federal atrasa repasse de obras do PAC e atrapalha planos eleitorais de prefeitos

Por: TIAGO DANTAS

 

SÃO PAULO- A falta de repasses do governo federal para obras de mobilidade urbana vai atrapalhar o plano de prefeitos que buscam a reeleição ou tentam fazer seus sucessores em outubro. Nas dez maiores cidades do país, 36 projetos de corredores de ônibus, trens leves e metrô atrasaram ou foram abandonados porque as prefeituras não receberam o investimento que esperavam via Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Essas capitais perderam ao menos R$ 7,3 bilhões, segundo levantamento feito pelo GLOBO.

A mobilidade urbana é um tema sensível nos grandes centros urbanos do Brasil e deve ser levado em conta pelos eleitores em outubro, dizem analistas. Além de ter sido o estopim dos protestos de junho de 2013, o transporte público tem impacto direto na vida de milhões de pessoas. A cada dez brasileiros que vivem em cidades com mais de cem mil habitantes, quatro passam mais de uma hora por dia no trânsito, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria divulgada ano passado.

Além disso, segundo cientistas políticos, a falta de grandes projetos para serem inaugurados às vésperas da eleição pode prejudicar a imagem dos candidatos e aumentar a sensação de descontentamento com a atual gestão.

Para o diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac), Rubens Figueiredo, com esse cenário, a eleição municipal será uma incógnita:

— Vai ser uma eleição muito diferente das outras que já vimos. Hoje, eu diria que é mais loteria que eleição.

Mais da metade desses R$ 7,3 bilhões seria destinada para São Paulo. A principal prefeitura petista do Brasil ainda aguarda R$ 4 bilhões para concluir projetos de mobilidade. Eleito em 2012 com a promessa de construir 150 km de corredores de ônibus, o prefeito Fernando Haddad conseguiu a inclusão de dez dessas obras no PAC. Os repasses federais, porém, começaram a atrasar já em 2014, o que obrigou o município a escolher quais iniciativas iria priorizar e a reorganizar o orçamento para investir recursos do próprio caixa.

 

CAPITAIS PARADAS

Em geral, a prefeitura recebe a verba do PAC em partes, após apresentar relatórios que comprovem que a obra atingiu determinados estágios.

— Notamos uma defasagem cada vez maior nesse processo. O que antes levava 45 dias (entre a medição feita pela prefeitura e o desembolso do governo federal), passou para 60, 90 dias. Até paralisar completamente — diz o secretário de Infraestrutura Urbana de São Paulo, Roberto Garibe. — Quando passou de cem dias, parei de contar.

A prefeitura afirma ter recebido R$ 322 milhões do total de R$ 4,3 bilhões. Dos dez corredores de ônibus com verba do PAC, dois foram inaugurados na Zona Sul da capital: Berrini e M’Boi Mirim. Pelo menos mais um deve ficar pronto até setembro, o Itaquera, na Zona Leste.

Curitiba passou por situação semelhante. Sem contar com R$ 179 milhões prometidos para o corredor da Linha Verde, que engloba o trecho urbano da BR-116, a administração do prefeito Gustavo Fruet (PDT) aplicou recursos próprios e de um financiamento internacional para começar parte da obra, que pode ficar pronta até o fim do ano.

O projeto de mobilidade mais ambicioso da cidade, porém, não tem nem prazo para sair do papel. Orçada em R$ 4,8 bilhões, a primeira linha de metrô da capital paranaense dependia de R$ 1,8 bilhão do PAC, mas a verba não tem previsão para ser liberada, segundo a prefeitura de Curitiba.

Fortaleza é a terceira capital que mais tem dinheiro a receber do governo federal para obras de mobilidade, de acordo com o levantamento do GLOBO. O prefeito Roberto Cláudio (PDT) contava com cerca de R$ 950 milhões do PAC para construir quatro corredores de ônibus, anunciados no início do mandato. Sem a verba, o município correu atrás de um financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para tocar um dos projetos. Iniciada em janeiro, a obra não deve ficar pronta até o fim do ano.

Os moradores de Belo Horizonte também devem demorar mais tempo para usufruir de soluções para o transporte público da cidade. A capital mineira possui R$ 400 milhões em financiamentos pendentes com o governo federal, de acordo com a prefeitura. O pacote proposto pelo prefeito Márcio Lacerda (PSB) previa corredores de ônibus, terminal de integração e ciclovia. Os financiamentos foram suspensos pelo Ministério das Cidades no início de 2015. “Sem a liberação de qualquer recurso, os projetos não puderam ser iniciados”, diz nota da prefeitura.

Os atrasos do PAC não atingem apenas as prefeituras. Quando se levam em conta os acordos que o governo federal tem com municípios e também com estados, o PAC liberou 47% de tudo o que era previsto para construção de metrô, 14% do que deveria ser destinado para corredores de ônibus e 7% para veículos leves sobre trilhos (VLTs). De um total de 329 projetos do PAC Mobilidade, 15 estavam prontos e 79 em obras no início do ano. Os dados aparecem no último levantamento feito pelo Ministério das Cidades, em janeiro. Os números devem ser atualizados no mês que vem, segundo a pasta.

Enquanto gestores municipais culpam a falta de dinheiro, o ministério afirma que o baixo percentual de obras em execução está relacionado a “complexidade dos empreendimentos”, baixa qualidade dos projetos apresentados pelas prefeituras, entraves jurídicos, falta de mão de obra e dificuldades de licenciamento ambiental.

Políticos envolvidos nas pré-campanhas de prefeitos que tentam a reeleição, no entanto, dizem acreditar que vão ter o que mostrar para a população:

— É óbvio que, se os recursos do governo federal viessem, como foi previsto, ajudaria muito. Mas isso não significa que o prefeito Haddad não conseguiu dar respostas àquilo que era necessário — diz o presidente do Diretório Municipal do PT em São Paulo, o vereador Paulo Fiorilo.

Já o líder do governo na Câmara de Belo Horizonte, Wagner Messias (DEM), diz que a falta de verba não atrapalha os planos de Márcio Lacerda fazer o sucessor:

— A população sabe distinguir o que é culpa de quem. Se cortaram verba do PAC, é responsabilidade do governo federal, não do prefeito.

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

Crise econômica desmantela investimentos

Municípios investiram, em média, 20% menos do que em 2015. Rio é exceção

 

-SÃO PAULO- Além de não receber os recursos do governo federal para as obras do PAC de mobilidade, as principais capitais brasileiras estão vendo suas receitas caírem com a crise econômica. A falta de dinheiro nos caixas municipais, a proibição de doação de empresas para campanhas e a situação política vivida pelo país transformaram a eleição de 2016 em um evento único e imprevisível, segundo analistas.

Sem contar o Rio de Janeiro, que ainda experimenta um boom de investimentos públicos associado à Olimpíada, as capitais investiram, entre janeiro e abril, cerca de 20% menos que no mesmo período do ano passado. Os dados, disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional, levam em conta informações fornecidas por 20 cidades — no Rio, o investimento saltou de R$ 772 milhões nos primeiros quatro meses de 2015 para R$ 1 bilhão este ano.

O ano de 2015 já havia sido ruim para as finanças municipais. Uma reportagem publicada pelo GLOBO em dezembro mostrou que 14 capitais investiram entre 15% e 90% menos do que em 2014. Devido a despesas obrigatórias, como a folha salarial, muitos municípios ficaram sem ter como investir e fecharam o ano com déficit.

Ao lado da crise política, a falta de recursos ajuda a explicar a baixa aprovação de prefeitos de grandes cidades nas pesquisas de intenção de voto, segundo o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisas e Análises de Comunicação (Cepac).

— A aprovação dos prefeitos das principais capitais está mais modesta do que na mesma época de 2012 — diz o analista. — Você tem país em crise, menos receita, governo federal sem dinheiro. Fica difícil para o prefeito conseguir convencer seus eleitores.

Em tese, o candidato com a máquina pública a seu favor levaria vantagem este ano, já que a campanha foi encurtada para 45 dias, mas Figueiredo recorda que, dada a alta reprovação dos atuais prefeitos, oposicionistas que já são rostos conhecidos podem levar vantagem. O cientista político ressalta que o jogo está aberto, porque será uma disputa “muito diferente” em relação aos últimos pleitos, tanto pela mudança no financiamento quanto devido à crise econômica.

Professor da Universidade de Brasília (UNB), o cientista político João Paulo Machado Peixoto diz acreditar que a falta de dinheiro não é necessariamente ruim para as eleições de outubro:

— Ter prefeituras sem dinheiro para fazer grandes obras talvez até seja bom. O prefeito que tentar a reeleição vai ter que mostrar outros valores, principalmente de liderança, para convencer o eleitor. E a população não vai escolher seu candidato só pela obra.

Peixoto avalia que o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff deve ter algum peso em disputas que envolvam candidatos do PT:

— Essa eleição vai ser uma espécie de julgamento público do partido.