Gastos limitados por 9 anos

 

16/06/2016

Martha Beck

Bárbara Nascimento

Eduardo Barreto

Catarina Alencastro

 

-BRASÍLIA- Em uma vitória do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, sobre a ala política do governo, a proposta de emenda constitucional (PEC) que fixa um teto para os gastos públicos será encaminhada ao Congresso prevendo um prazo de duas décadas. A partir do décimo ano, no entanto, a regra — que vai congelar o crescimento real das despesas de todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e fazer com que elas sejam corrigidas apenas pelo IPCA do ano anterior — poderá ser revista. Caso seja aprovada, a medida inédita representará a maior mudança na gestão das contas públicas desde a adoção do regime de metas de superávit primário, em 1999, e da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000. Será a primeira vez que o Brasil terá um teto para os gastos públicos.

— Não podemos gastar mais do que a sociedade é capaz de pagar. Isso se reflete em taxas de juros elevadas. A grande razão que nos levou a essa decisão foi a queda na confiança da sustentabilidade da dívida pública, que fez com que os investimentos e a confiança dos consumidores caíssem. É importante reverter esse processo. O teto é um corte na carne. Estamos anunciando aqui uma coisa abrangente — disse Meirelles, após apresentar a proposta em reunião, ontem, no Palácio do Planalto, a líderes da base governista.

A nova regra muda as vinculações constitucionais para as áreas de Saúde e Educação, hoje atreladas ao comportamento das receitas, e torna mais difícil a tarefa de acomodar gastos no Orçamento. Os poderes Legislativo e Judiciário, que hoje têm margem de manobra para pressionar o Executivo na hora de fixar suas despesas e autonomia para encaminhar ao Congresso projetos de reajuste salarial, por exemplo, também estarão submetidos ao teto. Assim, se quiserem aumentar esses gastos, serão obrigados a cortar em outras áreas para cumprir a lei.

 

FORTALECENDO O ‘SR. ECONOMIA’

No ano passado, por exemplo, à revelia do Executivo, o Judiciário encaminhou ao Congresso um projeto de reajuste salarial de quase 80%. Aprovado, o texto foi vetado pelo Palácio do Planalto. Foi negociada, então, uma proposta com aumento de 40%, aprovada este ano.

Nas áreas de Saúde e Educação, haverá também uma regra mais rígida. Hoje, a Constituição estabelece percentuais mínimos que a União deve gastar nessas duas áreas. A Saúde tem previsão de receber valores crescentes — em 2016, são 13,2%, chegando a 15% em 2020. No caso da Educação, a União é obrigada a destinar 18% da arrecadação ao setor. Com a PEC, porém, esse piso passará a ser o valor gasto em 2016 (se a proposta for aprovada este ano). O montante também será corrigido com base na inflação.

Fora do alcance da PEC, só ficaram os fundos e transferências constitucionais, além de eventuais capitalizações de estatais não dependentes, como Petrobras, Banco do Brasil e Caixa. Segundo Meirelles, mesmo que não estejam em um horizonte próximo, não é possível prever essa necessidade em um prazo de 20 anos. O governo trabalhava com a possibilidade de o Tesouro aportar quase R$ 6 bilhões na Eletrobras este ano, mas a medida foi engavetada, por enquanto. A ordem é que a própria empresa busque fazer caixa, vendendo ativos, por exemplo.

Para garantir o cumprimento do teto, o governo propôs travas em caso de desrespeito. O poder que ficar desenquadrado não poderá conceder, no exercício seguinte, reajustes a servidores (à exceção dos decorrentes de determinação legal), criar cargos ou funções e realizar concurso.

A decisão de Temer de fechar a PEC com o prazo de 20 anos visa a dar mais poder a Meirelles. O presidente avaliou que não poderia desprestigiar e esvaziar o trabalho do “Sr. Economia”, como Meirelles é tratado por auxiliares de Temer no Planalto. Antes da decisão final, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, defendeu um prazo de dez anos. Mas venceu o entendimento de Temer, de que ao governo, neste momento, cabia apresentar a proposta ideal, e o Congresso, se quiser, que mude e assuma o ônus.

Meirelles afirmou que o governo continuará trabalhando com metas de resultado primário. Como o governo passará a ter um teto para os gastos públicos, o resultado fiscal poderia ser balizado apenas por essa variável.

— É importante que toda a estrutura pública continue seu esforço arrecadador, seja através de cobranças efetivas, de dívida ativa, ou até, no futuro, mas não estou falando que isso vai acontecer, o Congresso contemplar um aumento de impostos — disse Meirelles.

 

RENAN: PROPOSTA DEVE SER ALTERADA

O Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a PEC dará uma “referência“sobre as despesas. Mas ressaltou que a proposta deve ser alterada no Congresso e que o ideal seria que ela só fosse enviada ao Legislativo após a confirmação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff:

— Como estamos vivendo um momento de interinidade, acho que essas mudanças fundamentais, que significam o aprofundamento do ajuste, poderiam ser transferidas para depois da decisão definitiva do Senado.

O anúncio do pacote não teve impacto significativo no mercado porque, segundo analistas, já era esperado por investidores e ainda terá de passar pelo Congresso.

 

Colaboraram Cristiane Jungblut e Geralda Doca

 

“Não podemos gastar mais do que a sociedade é capaz de pagar”

Henrique Meirelles

Ministro da Fazenda

 

“Acho que essas mudanças poderiam ser transferidas para depois da decisão definitiva do Senado”

Renan Calheiros

Presidente do Senado

 

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Estabelecer teto é apenas o primeiro passo, afirma Henrique Meirelles

 

16/06/2016

Martha Beck

Bárbara Nascimento

Eduardo Barreto

Cristiane Jungblut

 

-BRASÍLIA- O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deixou claro ontem que a fixação de um teto para os gastos é apenas o primeiro passo do reequilíbrio das contas públicas e afirmou que novas medidas virão. Entre as ações estão revisões de benefícios que pesam fortemente sobre as despesas, como a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e o abono salarial. O próximo desafio é melhorar a qualidade das despesas, disse Meirelles.

— Não pararemos aí. Existem outras medidas que adotaremos para restaurar a atividade econômica. No caso do comportamento do endividamento, esse trabalho não termina hoje. Outras discussões vão existir e farão parte da discussão sobre despesas públicas no Brasil. O segundo desafio vai ser a qualidade do gasto. Eu não vou parar de trabalhar depois de apresentar isso (o teto) ao Congresso — afirmou o ministro.

 

ABONO: NEM CONTRA NEM A FAVOR

A equipe econômica chegou a propor ao Palácio do Planalto que a proposta de emenda constitucional (PEC) do teto já trouxesse o fim do abono salarial — benefício pago a trabalhadores que atuam com carteira assinada e ganham até dois salários mínimos. No entanto, a área política do governo argumentou que isso poderia dificultar a aprovação da PEC no Congresso.

Mesmo assim, a equipe econômica ainda não desistiu da medida. Tanto que também está em estudo uma mudança no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), que deixaria de aportar no BNDES 40% de suas receitas arrecadadas com PIS/Pasep e assumiria as despesas com benefícios sociais, como a Loas. O FAT continuaria pagando também o seguro-desemprego, o que deixaria pouco espaço para manter o abono, cuja tendência seria acabar. Com mais gastos sociais, o Fundo teria de começar a receber dos bancos, especialmente o BNDES, os recursos que estão emprestados.

Durante entrevista coletiva à imprensa para explicar a proposta que fixa um teto para os gastos públicos, Meirelles foi perguntado sobre a extinção do abono salarial, que chegou a ser incluída em um texto preliminar da PEC, sendo depois retirada. O ministro afirmou não ser nem contra nem a favor do abono:

— A princípio, eu não sou contra ou a favor de nenhum benefício à população. Mas temos que discutir quem paga e como paga. Sou altamente favorável a um Estado equilibrado e um a país que tem um Orçamento equilibrado e volte a gerar emprego e renda.

Meirelles afirmou que está “bastante confiante” na aprovação da PEC no Congresso e ressaltou que o presidente interino, Michel Temer, foi o “grande patrocinador” da proposta. Apesar de mostrar confiança, o ministro também pediu pressa para votar a PEC.

— Quanto mais cedo for votada, melhor. A urgência não é nossa, é da sociedade brasileira. Quando mais rápido for votada, mais rápido teremos uma recuperação da economia brasileira — afirmou Meirelles.

 

O globo, n. 30.264, 16/06/2016. Economia, p. 21