O globo, n. 30288, 10/07/2016. País, p. 4

Onda de dificuldades para Temer no Congresso

Projetos prioritários esbarram em indefinição na Câmara e em pauta escolhida por Renan no Senado

Por: CRISTIANE JUNGBLUT E ISABEL BRAGA

 

última semana de trabalho do Congresso antes do recesso de julho, as votações de projetos cruciais para o governo interino de Michel Temer serão contaminadas pelo impasse que marca a disputa acirrada para eleição do sucessor do expresidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O esforço concentrado no Senado também será dominado por uma pauta de interesse do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), deixando de lado propostas prioritárias para o governo. Caso esses projetos não sejam votados até a interrupção dos trabalhos, as chances de aprovação diminuem, porque em agosto está prevista a votação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff. Em seguida, começará a campanha para a eleição municipal.

Apesar do discurso de Temer defendendo a aprovação no plenário do Congresso da nova meta fiscal dentro da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2017 antes do recesso, parlamentares dizem que a tendência é que a proposta seja aprovada apenas na Comissão Mista de Orçamento (CMO). O Senado fará um esforço concentrado até quarta-feira para votar o pacote formulado por Renan. Apesar das resistências dos próprios senadores, o presidente da Casa quer votar “goela abaixo” a legalização dos jogos — na semana passada, a tentativa fracassou — eo polêmico projeto sobre abuso de autoridade, visto por alguns como uma forma de enquadrar quem atua nas investigações feitas pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Outra proposta que vai entrar na pauta é o reajuste dos servidores do Executivo e do Legislativo, que será analisado na Comissão de Assuntos Econômicos.

 

PAUTA POLÊMICA NO SENADO

Já as propostas da agenda econômica do governo e a nova meta fiscal ficarão para depois. A Desvinculação de Receitas da União (DRU) — mecanismo que permite ao governo mexer livremente em parte de suas receitas — e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria um limite para gastos públicos só serão apreciadas a partir de agosto.

A proposta da DRU está parada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, enquanto a PEC do teto dos gastos públicos está em discussão na Câmara. Já o novo texto da LDO — atualizado com a previsão de um déficit de R$ 139 bilhões no ano que vem — deve ser aprovado na próxima semana apenas na CMO. A tendência é que a votação em plenário aconteça em agosto e que a aprovação na comissão sirva como uma sinalização positiva ao mercado. Segundo a Constituição, se a LDO não for votada até dia 17 de julho, o Congresso entra em recesso branco a partir do dia 18. A Carta prevê que o recesso formal só ocorra se a LDO for votada até dia 17. Para efeitos práticos, é a mesma coisa, pois os parlamentares ganham duas semanas de férias. A paralisação, no entanto, não interfere no processo de impeachment, pois os prazos continuarão sendo contados.

Renan convocou votações para terça e quarta-feira e quer votar o projeto que trata de punição para abuso de autoridade. Segundo ele, é um pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial do ministro Gilmar Mendes. Ele negou que a tramitação tenha alguma relação com a Operação Lava-Jato, na qual é investigado. A escolha do projeto irritou o colega Romero Jucá (PMDBRR), presidente da comissão responsável pela análise. Segundo Jucá, a proposta não era prioridade. O projeto seria analisado em caráter terminativo pela Comissão, mas, na quinta-feira, a Secretaria Geral do Senado explicou que ele terá que passar pelo plenário da Casa.

A proposta pretende proibir, por exemplo, “o uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que lhe tolha a locomoção, quando ele não oferecer resistência à prisão". O projeto ainda evita “grampos” sem autorização. O texto diz que é crime “promover interceptação telefônica, ou escuta ambiental, sem autorização judicial ou fora das demais condições, critérios e prazos fixados no mandado judicial, bem assim atingindo a situação de terceiros e não incluídos no processo judicial ou inquérito".

 

CÂMARA COM PAUTA TRANCADA

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) criticou a pauta elaborada por Renan.

— Seria um suicídio moral para o Senado votar esse projeto do abuso de autoridade. Acho que ele está enlouquecido: quer dar uma bofetada no povo, na opinião pública. Isso não é abuso de autoridade, é contra a autoridade. E para votar a legalização dos jogos tem que se discutir mais. Sou contra — afirmou.

O líder do governo no Senado, Aloysio Nunes (PSDB-SP), disse que é preciso analisar ainda o texto que será votado. Nos bastidores, há um desconforto com o fato de Renan ter criado um pacote sem consultar os líderes.

— O recesso não interfere na comissão do impeachment. Temos que ver esses textos que estão na pauta com cautela. No caso da DRU, ela será votada no mês de agosto, sem mais dificuldades — disse Aloysio.

Já a Câmara, além de estar com a pauta trancada por medidas provisórias, ficará mergulhada na disputa pela presidência da Casa, depois da renúncia de Cunha , que já estava afastado do cargo. O governo Temer conseguiu aprovar a recriação da DRU e da Lei das Estatais, já sancionada. A base governista decidiu mandar alguns recados e dificultar a aprovação de projetos de interesse do governo. Contou com a forte ajuda do presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), que ajudou a desmobilizar as votações, liberando os deputados para os festejos juninos.

O prometido esforço concentrado da semana passada acabou resultando apenas na aprovação de duas MPs e um projeto de lei que interessa aos Jogos Olímpicos do Rio. Na volta, em agosto, o Congresso fechará um esquema especial de funcionamento até o início de setembro, para depois entrar no período da eleição municipal. Em novembro, Renan promete votar no Senado o projeto que prevê a autonomia do Banco Central.

 

PODE FICAR PARA AGOSTO

 

META FISCAL: A LDO, com a nova meta fiscal, a ser votada pelo plenário do Congresso

DRU: A PEC que recria a Desvinculação de Receitas da União, com alíquota de 30%, está parada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado

TETO DOS GASTOS: A PEC que cria um limite para os gastos públicos está em análise na Câmara.

REAJUSTE DOS MINISTROS DO

STF: O governo não quer votar o aumento, de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil para não elevar o teto do funcionalismo público

MPS: Várias medidas provisórias que trancam a pauta da Câmara

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

_______________________________________________________________________________________________________

No apagar das luzes, Kátia Abreu direcionou verbas para sua base

Nos dois últimos meses da senadora como ministra da Agricultura, Tocantins recebeu R$ 6 milhões

Por: ANDRÉ DE SOUZA

 

Em abril e maio deste ano, meses que antecederam a votação do processo de impeachment que afastou a presidente Dilma Rousseff, o Ministério da Agricultura repassou R$ 6 milhões em convênios firmados com estados, municípios e entidades privadas. Todo o dinheiro foi para um único estado: Tocantins. A liberação coincide com a passagem da senadora Kátia Abreu (PMDBTO) pela pasta. Ela deixou o cargo em 12 de maio deste ano, após o afastamento de Dilma — que Kátia continuou apoiando, ao mesmo tempo em que critica Temer, o que pode render sua expulsão do PMDB.

Os números foram obtidos por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal e confirmados pelo Ministério da Agricultura. O dinheiro liberado diz respeito a cinco convênios: um firmado com a Secretaria do Desenvolvimento da Agricultura e Pecuária do estado, dois com a prefeitura da capital Palmas, e dois com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Tocantins.

Para a secretaria estadual, foi liberado R$ 1 milhão, para apoio à realização de uma feira agropecuária. Palmas recebeu R$ 2 milhões. A maior parte (R$ 1,5 milhão) foi para o assistência técnica a pequenos agricultores, produtores urbanos, pescadores e aquicultores. O restante (R$ 500 mil) serviu para a aquisição de calcário, usado no solo do município, que tem PH ácido.

Os demais R$ 3 milhões vieram de emendas parlamentares, e foram repassados para a Federação da Agricultura e Pecuária do estado. O objetivo dos dois convênios firmados com a entidade é a realização de feiras agropecuárias em municípios tocantinenses.

Também houve um aumento expressivo nos gastos totais do ministério efetuados no estado do Tocantins. Pulou de R$ 1 milhão em abril para mais de R$ 7 milhões em maio. Isso inclui convênios e outras despesas. Com isso, saiu da 19ª posição entre as unidades da federação para a terceira, de um mês para o outro.

O Ministério da Agricultura confirmou os valores dos repasses dos convênios, mas não conseguiu analisar os números das despesas totais até o fechamento da edição. A pasta não se posicionou sobre o fato de Tocantins ter sido mais beneficiado que os outros estados. Procurada, a assessoria da senadora Kátia Abreu disse que precisaria de mais tempo para analisar os dados.

 

EXPULSÃO POSSÍVEL

Depois que deixou o Ministério da Agricultura, Kátia retornou ao Senado. Além de atuar na comissão do impeachment como defensora de Dilma Rousseff, ela também tem feito ataques a Temer que desagradam a cúpula peemedebista.

Esta postura deve definir seu futuro no partido: a senadora é alvo de processo na Comissão de Ética do PMDB por ter permanecido no ministério de Dilma Rousseff depois que a sigla deixou o governo. A conclusão do caso deve sair nos próximos dias, com seu desligamento da legenda.

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados: