Sem mais reformas, efeito do teto é limitado

 
16/06/2016
Marcello Corrêa
João Sorima Neto

 

-RIO E SÃO PAULO- A proposta do governo de limitar gastos públicos é um passo na direção do equilíbrio fiscal, mas teria efeito limitado enquanto outras medidas não forem tomadas, na avaliação de especialistas ouvidos pelo GLOBO. Entre as maiores preocupações, está a incerteza em relação à reforma da Previdência. Receitas extraordinárias e altas de impostos também estão entre as recomendações para que o ajuste seja mais eficiente.

— Não tenho a menor dúvida de que tem de haver um limite para gasto. Mas isso tem de vir com outras mudanças, como a reforma previdenciária. Se não mudar a estrutura que está fazendo o gasto subir, não vai se conseguir cumprir esse limite — afirma Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ e especialista em contas públicas.

José Márcio Camargo, professor de Economia da PUC-Rio e sócio da consultoria Opus, também está preocupado com o rombo da Previdência. E prevê que a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) continuará subindo. O indicador é um dos mais observados pelo mercado para avaliar a capacidade de um país de pagar seus compromissos. Esse número tem subido porque, na crise, o governo não tem conseguido poupar para pagar os juros dessa dívida, transformando a conta em uma bola de neve. Em abril, último dado disponível, a proporção estava em 67,46%, contra 60,09% um ano antes.

— No campo das expectativas, temos um ganho, claro. Mas o governo precisa fazer outras coisas para cortar gastos, como a reforma da Previdência. A economia feita com o teto dos gastos pode ser absorvida pelo crescente rombo da Previdência, se nada for feito — diz Camargo, que destaca ainda o efeito nocivo que a indexação à inflação pode causar.

Para o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal e ex-secretário de Política Econômica, aplicar o teto sem reforma da Previdência não é impossível, e sim mais difícil:

— Seria preciso fazer um aperto extraordinário nas outras despesas para financiar os gastos da Previdência, que têm crescimento real de 4% ao ano. Se não quiserem mexer nisso, seria preciso reduzir as outras despesas em 4% ao ano.

Especialista em contas públicas, o economista Fábio Klein, da consultoria Tendências, também não vê reversão da trajetória da dívida pública, nem em quatro, nem em dez anos. Ao contrário, prevê que ela continue crescente, podendo chegar a 113% do PIB em 2025.

— Sem outras medidas, talvez em 20 anos haja uma inversão da tendência crescente da relação dívida/PIB. Mas seria esperar tempo demais para reverter algo que é tão urgente — diz Klein.

 

 

AJUDA DE ALTA DE IMPOSTOS

Segundo ele, entre as medidas adicionais que a Tendências avalia como necessárias estão as receitas extras de concessões e parcerias público-privadas, a partir de 2017, que poderiam gerar em torno de R$ 20 bilhões ao ano. Sem a CPMF, Klein observa que o governo poderia ter receita adicional de R$ 13 bilhões ao ano com a elevação da Cide, o imposto sobre combustíveis. Um aumento de R$ 0,15 no litro de gasolina e diesel geraria essa receita, pelos cálculos da Tendências.

O fim das desonerações tributárias é outra recomendação. Hoje, diz Klein, a renúncia fiscal fica entre R$ 90 bilhões e R$ 100 bilhões anuais. Uma reversão de 5% dessas renúncias poderia gerar receita de R$ 4,5 bilhões a R$ 5 bilhões por ano. O analista sugere ainda a melhora da gestão pública, que representaria ganho de até R$ 12 bilhões anuais.

— Com essas medidas adicionais, o governo conseguiria ter um superávit primário em 2021, e a relação dívida/PIB seria de 88,7%. Sem essas medidas, a relação ficaria em 99,7% em 2021, segundo nossas contas, com um déficit primário de 0,8% naquele ano — estima Klein.

Gil Castelo Branco, secretáriogeral da Associação Contas Abertas, lembra ainda que todas as novas medidas podem mudar após as discussões no Congresso e, portanto, há incertezas sobre que tipo de impacto esperar:

— Há segmentos do Congresso que estão extremamente ligados a Saúde e Educação. Será que todos irão aceitar com naturalidade? Há o risco de essa PEC ser desfigurada no Congresso.

 

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Teto de gastos pode ser marco que define futuro do governo

 

16/06/2016
Sergio Fadul

 

A proposta de emenda constitucional (PEC) estabelecendo um teto para os gastos públicos, apresentada ontem pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pode ser vista como o marco que vai definir o futuro do governo de Michel Temer, seja ele na condição de interino ou definitivo. Diante da importância da medida, não valerá mais o subterfúgio que tem sido utilizado pelo governo em exercício de alegar que os resultados não são os que se queriam, mas sim os que são possíveis.

O que aconteceu na votação, na Câmara, do projeto de lei que pretendia blindar as estatais de nomeações políticas é um exemplo do que pode pôr tudo a perder. A lei de governança das empresas estatais precisou ser bastante desidratada para ser aprovada. Se a estratégia se replicar para a PEC do teto de gastos públicos, a montanha poderá parir um rato e minar de forma irreparável a retomada da confiança na economia.

É claro que toda medida precisa ser negociada, e contribuições do Congresso Nacional devem ser absorvidas. O governo interino não esconde e nem tem pretensões de que a PEC seja aprovada exatamente como enviada.

Para piorar o cenário, o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, entrou no corredor da cassação, e o Presidente do Senado, Renan Calheiros, foi apontado na delação do ex-presidente da Transpetro Sergio Machado como o protagonista de um esquema de corrupção na estatal. Nesse ambiente político que já estava confuso e ficou ainda mais nebuloso, é preciso, mais do que nunca, que o governo mostre e comprove convicção com suas propostas.

O jogo para o governo interino de Michel Temer entra agora em uma nova fase. Como a PEC transporta o grande pilar de sustentação da política econômica pretendida, um comportamento vacilante e hesitante nesse ponto poderá fazer ruir todo o projeto.

 

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A despesa tem de crescer menos

 

16/06/2016
Carlos Alberto Sardenberg

 

A recuperação da economia brasileira, para já e para o futuro, depende de um ponto essencial: a despesa pública tem de crescer menos do que a receita e, sobretudo, menos do que a economia, medida pela expansão do Produto Interno Bruto (PIB).

Esse é o objetivo da proposta de emenda constitucional (PEC) que pretende fixar a regra segundo a qual a despesa de um ano será igual à do ano anterior mais a inflação. Ou seja, a despesa será constante em termos reais. Mas, para que ela caia em relação ao tamanho da economia, claro, é preciso que o PIB esteja em expansão.

Suponha que a economia brasileira (PIB) cresça 1% no ano que vem, expansão real, com a inflação na casa de 5,5%. Portanto, estando a nova regra em vigor, a despesa do governo federal em 2018 poderia ter um crescimento nominal máximo de 5,5%.

Ora, quando se diz que a expansão do PIB foi de 1%, isso significa que o valor da produção nacional aumentou 5,5% (a inflação) mais 1%. Esse um ponto é ganho real. Portanto, simples assim, a despesa do governo federal cairá em relação ao PIB.

Com a economia em expansão, a receita tributária sobe normalmente mais que a inflação, fechando-se o pacote. Trata-se, pois, de uma bem bolada arquitetura financeira.

Tudo somado e subtraído, a nova regra orçamentária provocará as seguintes consequências positivas: reduzirá o peso do setor público no conjunto da atividade econômica, abrindo mais espaço para a iniciativa privada; haverá uma redução real do gasto, o que elimina a necessidade de novos impostos e a tomada de dívida nova para tapar o rombo do ano e cobrir juros da dívida velha; a queda efetiva da despesa levará à redução da dívida pública bruta, o que permitirá uma combinação virtuosa de queda dos juros e da inflação; a despesa menor, a médio prazo, permitirá a redução da carga tributária, aliviando os orçamentos das pessoas e empresas privadas.

Finalmente, inscrever essa regra na Constituição, por um período mínimo de nove anos, aponta para a estabilização das contas públicas, melhorando a confiança na economia e a disposição de consumo e investimento.

 

O globo, n. 30.264, 16/06/2016. Economia, p. 24