-BRASÍLIA- O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse ontem que o Senado vai restabelecer o texto aprovado pela Casa que trata da criação de uma nova lei para as estatais. Na madrugada de ontem, o projeto foi votado na Câmara dos Deputados, que esvaziou a proposta, ao permitir a presença de dirigentes de partidos e de sindicatos na direção dessas empresas — desde que se licenciem de suas atividades —, além de reduzir a participação dos conselheiros independente nos conselhos de administração. Com as alterações, caberá agora ao Plenário do Senado optar pela melhor proposta (sua ou da Câmara), que será encaminhada à sanção presidencial. Não é possível suprimir ou incluir novos pontos.
— O Senado quis colocar o dedo na ferida, dar um rumo. A tendência do Senado é repor tudo o que a Câmara rejeitou, para que tenhamos critérios indiscutíveis em relação ao preenchimento dos cargos das estatais. Cabe ao Senado repor aquilo que era a linha mestra do parecer do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que foi brilhante — disse Renan.
Ontem, Jereissati ligou para o líder do PSDB na Câmara, deputado Antonio Imbassahy (BA), dizendo-se contrariado com as mudanças. O texto aprovado pela Câmara — no que é considerada a primeira derrota do governo de Michel Temer — também retirou a vedação às pessoas que, nos últimos 36 meses, tenham participado de atividades político-partidárias, campanhas eleitorais e organizações sindicais de participar da direção das estatais. Outra mudança foi a elevação da despesas com publicidade e marketing, de 0,5% para 1% da receita operacional bruta do exercício anterior.
GOVERNO CONTA COM AJUDA DO SENADO
Embora não admita publicamente a derrota, o Palácio do Planalto não gostou das alterações e conta com a ajuda do Senado para fazer valer a proposta original, que tem entre seus principais objetivos reduzir o aparelhamento das estatais. O relator da proposta na Câmara, deputado Arthur Maia (PPSBA), que alterou o texto na hora da votação pressionado pelos partidos da oposição, justificou que políticos e sindicalistas terão que se afastar dos cargos para ocupar funções nas empresas públicas.
Já o líder do governo na Câmara, Andre Moura (PSC-SE), afirmou que as alterações não prejudicam a essência da proposta. Ao ser perguntado sobre a declaração de Renan de que o Senado vai restabelecer a proposta original, respondeu:
— As alterações foram acordadas entre os partidos. Se o Senado vai alterar, aí é uma leitura deles — destacou Moura.
O deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) vê espaço para mudanças no Senado:
— O projeto só cumpriu o rito de passagem aqui na Câmara. Será alterado na Casa revisora (o Senado).
REGRAS DE TRANSPARÊNCIA
O texto veda a participação de ministros e ocupantes de cargos de confiança na direção das estatais e obriga estas empresas a adotar boa práticas de governança do mercado e maior transparência. Elas terão que adotar uma série de medidas e procedimentos, como a criação de auditorias internas, um canal de recebimento de denúncias e a implementação de um Código de Conduta. Além disso, deverão publicar periodicamente balanços, com detalhes dos resultados financeiros e operacionais, inclusive dados como remuneração de diretores e pagamento de dividendos.
Momentos antes da apreciação do projeto, temendo reações dos parlamentares aliados a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente afastado da Câmara, o ministro da Secretaria de Governo de Temer, Geddel Vieira Lima, trabalhava com o adiamento da sessão para a próxima semana, a fim de evitar uma derrota. Porém, no início na noite,os líderes da base anunciaram que o projeto seria votado. Pressionado pelos partidos da oposição, o relator da proposta, deputado Arthur Maia (PPS-BA) recuou e apresentou um novo texto, que foi aprovado em votação simbólica.
UMA LEI PARA AS ESTATAIS
O que mudou no projeto
PARTICIPAÇÃO EM CONSELHOS E DIRETORIAS: O projeto vedava a indicação de dirigentes partidários e sindicais. Na Câmara, o texto foi alterado. Eles podem ser indicados desde que se licenciem dos cargos. Também foi retirada a proibição de que pessoas que participaram de atividades político-partidárias e de organização sindical nos últimos 36 meses ocupem estes cargos. O objetivo das propostas é evitar o aparelhamento de empresas públicas
CRITÉRIO DE NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS: Na Câmara, foi reduzido de dez para quatro anos o prazo mínimo de experiência para integrantes de diretoria e conselhos em cargos de chefia superior no setor privado ou público
NOVO MERCADO: O prazo para que as empresas com ações listadas na Bolsa de Valores entrem no Novo Mercado foi alterado de dez para 20 anos. O segmento reúne as empresas com boas práticas de governança e que respeitam os direitos de sócios minoritários
COMPOSIÇÃO DO CONSELHO ADMINISTRATIVO: A proporção obrigatória prevista no projeto de profissionais independentes caiu de 25% para 20%
ASPECTOS MANTIDOS: Regras de transparência como divulgação periódica de balanços, com detalhes como remuneração de diretoria e dividendos, criação de auditoria interna para receber denúncias e Código de Conduta e Integridade
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Para especialistas, as mudanças no projeto de lei das estatais, aprovado pela Câmara, reduzem a eficácia das medidas voltadas para melhorar a governança destas empresas, que tiveram a imagem arranhada por escândalos de corrupção e interferência política. Entre os pontos negativos citados estão a permissão para a participação de dirigentes partidários e sindicais na diretoria e nos conselhos de administração de estatais e a redução do número de conselheiros independentes. Apesar da preocupação com alguns retrocessos, especialistas citam avanços, como a proibição da indicação de ministros e ocupantes de cargos públicos.
— O ideal seria termos algumas modificações em cima do que já existe de legislação. A tendência, no entanto, é que a lei das estatais seja aprovada, e não acredito que os principais problemas de governança das empresas estatais sejam corrigidos por meio dela, eles vão permanecer. A lei é uma colcha de retalhos — afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Emilio Carazzai.
Um dos pontos negativos da mudança no projeto, segundo o professor do Insper Sérgio Lazzarini, ocorreu ainda no Senado. O texto original previa que todas as empresas estatais passassem a ser sociedades anônimas (S.A.), o que as obrigaria a cumprir a Lei das Sociedades Anônimas:
— O ideal seria que todas fossem S.A., e a lei das estatais fosse um texto mínimo, mas isso foi retirado no Senado. E a lei acabou ficando monstruosa, o que torna mais difícil o enquadramento jurídico das empresas posteriormente. Agora, a lei das estatais criou um marco jurídico paralelo. Se é estatal, segue essas regras, se não, tem a S.A.
Em relação à presença de dirigentes de partidos e sindicatos, nem a exigência de que se licenciem de seus cargos é vista como um limite para a influência política nas estatais.
— Com a permissão de dirigentes de partidos e sindicatos, arrombaram a porteira. A simples descompatibilização às vésperas de assumir o cargo não resolve. Se o Senado desfizer o que a Câmara fez já seria melhor — diz Carazzai.
Para Joaquim Rubens Fontes Filho, professor da Ebape/FGV, a presença de líderes de partidos e sindicatos significa que “nada vai mudar” nas estatais.
— A diretoria de uma empresa deve ser formada por pessoas especializadas. Se coloca indicados, tira-se o critério de eficiência para a seleção da diretoria. Em geral, a diretoria de uma estatal é uma guerra permanente — ressalta.
‘NÃO HÁ SOLUÇÃO MÁGICA’
Na avaliação da professora de direito dos negócios da FGV Direito SP Mariana Pargendler, as mudanças feitas representam um retrocesso:
— Não existe solução mágica para o problema de governança das empresas estatais brasileiras. É importante contar com diferentes mecanismos de freios e contrapesos. O aparelhamento político-partidário é preocupante.
Entre os pontos elogiados pelos especialistas está a flexibilização da exigência de experiência dos candidatos de dez anos para quatro anos. Lazzarini, do Insper, afirma que ainda há restrição para atuação de interesses políticos e governamentais.
— É difícil dizer agora (qual será o resultado), é preciso testar a lei — diz.
Para Carazzai, a flexibilização do período de experiência foi feita “corretamente”:
— Do jeito que tinha sido proposto, podia criar conflitos com a necessidade de capacitação dos profissionais e eventualmente da diversidade.
“O ideal seria termos algumas modificações em cima do que já existe de legislação”
Emilio Carazzai
Presidente do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
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A Petrobras deve fechar até meados do próximo mês, de acordo com a expectativa do mercado, a venda de 81% da subsidiária Nova Transportadora do Sudeste (TNS) — responsável pela malha de gasodutos na região — para a gestora canadense Brookfield, uma das maiores na gestão de ativos independentes do mundo. Segundo fontes a par da negociação, a operação deve ficar entre US$ 4,5 bilhões e US$ 5 bilhões.
A estatal tem uma meta ambiciosa de venda de ativos para este ano, de US$ 14,4 bilhões, mas seu elevado endividamento (de R$ 450 bilhões em dados até 31 de março) representa mais um entrave. De acordo com um executivo a par das negociações, uma das dificuldades dos interessados em adquirir a TNS está na estruturação da operação para conseguir financiamento. Isto porque as garantias do negócio são da própria Petrobras, usuária dos gasodutos. O setor financeiro tem restrições em razão do nível elevado de endividamento da petroleira.
— Uma grande dificuldade em fechar a operação é que a única garantia do negócio são os recebíveis da Petrobras, referentes ao pagamento futuro do uso dos gasodutos. E o mercado internacional tem receio de fechar um negócio de um valor tão elevado cuja única garantia é a Petrobras — explicou um executivo
FUNDOS QUEREM TER GARANTIAS
A Brookfield lidera o consórcio que teria também a participação de fundos de investimentos, como o GIC Private Lt, fundo soberano de Cingapura, o China Investment Corporation (CIC), fundo soberano chinês, e o fundo americano First Reserve.
Por serem fundos de investimentos, segundo o executivo, eles precisam ter a segurança de que a operação terá fluxo de caixa suficiente para pagar o aporte que farão no projeto.
— Os chineses têm financiado a estatal, mas tendo em troca o petróleo. Eles enfrentam dificuldade para estruturar a operação e conseguir o financiamento do projeto — disse um executivo.
O mercado trabalha com um prazo máximo para o fechamento da venda da malha de gasodutos até 10 de agosto. No mês passado, a Petrobras anunciou ter assinado contrato de exclusividade com a Brookfield para negociar no prazo de dois meses, que termina no dia 17 de julho, podendo ser prorrogado por mais 30 dias.
Procuradas, Petrobras e Brookfield disseram que não comentariam o assunto. Segundo a Brookfield, por se tratar de operação em andamento, não cabe qualquer comentário.
No ano ano passado, a Petrobras dividiu a Transportadora Associada de Gás (TAG), subsidiária, em duas empresas. A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) ficou com uma malha de cerca de 2.500 quilômetros de gasodutos. Há ainda a Nova Transportadora do Nordeste (NTN), que reúne os gasodutos da região. Estes gasodutos partem das Unidades de Processamento de Gás Natural (UPGNs), que transportam o gás para o mercado. A expectativa do mercado é que a estatal coloque à venda, ainda no segundo semestre, sua malha de gasodutos no Nordeste.
Diante das dificuldades de caixa e da necessidade de um grande volume de investimentos para viabilizar seus projetos para os próximos anos, a Petrobras instituiu um programa de desinvestimento.
LIQUIGÁS OFICIALMENTE À VENDA
No ano passado, porém, diante da queda do preço do petróleo e da crise da empresa — afetada pelo escândalo de corrupção da Operação Lava-Jato — só conseguiu vender US$ 700 milhões, referentes a uma participação de 49% na subsidiária Gaspetro para a japonesa Mitsui. Este ano, ela já anunciou ter vendido, em maio, US$ 1,4 bilhão em ativos de exploração e distribuição na Argentina e no Chile. Para cumprir a meta prevista deste ano, ainda faltam US$ 13 bilhões.
A Petrobras informou ontem oficialmente que iniciou, também, o processo para venda da Liquigás, subsidiária distribuidora de GLP, o gás de botijão. Presente em quase todos os estados, a companhia é a segunda maior do mercado, com 23% de participação, superada apenas pela Ultragaz, do grupo Ultra.
O globo, n. 30.264, 16/06/2016. Economia, p. 26