Lei dificulta ocupação de 1,8 mil cargos por políticos 

Lu Aiko Otta, Tânia Monteiro e Carla Araújo

04/07/2016

 

 

Governo. Estatais federais têm quase 2 mil postos considerados os mais cobiçados por partidos e líderes políticos; Planalto quer preservar padrinhos no caso de substituições.

Sancionada na semana passada, a nova Lei de Responsabilidade das Estatais dificulta a ocupação por indicações políticas de 1.806 cargos de chefia e assessoramento em empresas federais. Os postos impactados pela lei são de livre provimento – ou seja, pessoas que não precisam ser concursadas e podem ser alocadas por indicação. As dez estatais com mais funcionários englobam 115 pessoas nessa situação. Esses cargos são considerados o “filé” das nomeações políticas nas estatais.

No total, as empresas federais abrigam 223.171 funções gratificadas, sendo 211.800 nas dez maiores companhias, de acordo com levantamento feito pelo Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão a pedido do Estado por meio da Lei de Acesso à Informação.

O levantamento não indica quantas e quais vagas foram ocupadas para atender a partidos e políticos. Por outro lado, nada garante que os apadrinhamentos fiquem limitados a esses postos.

As investigações da Lava Jato, por exemplo, demonstraram que funcionários de carreira também podem ser objeto de indicação.

Os ex-diretores da Petrobrás Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró e Renato Duque eram funcionários de carreira e foram cooptados para atender aos interesses do PP, PMDB e PT, respectivamente. Embora a Lei das Estatais busque justamente restringir as indicações políticas, o governo afirma que não vai trocar o padrinho de eventuais substituições de nomes.

A nova legislação exige que dirigentes partidários ou pessoas que tenham trabalhado em campanhas eleitorais cumpram quarentena de 36 meses antes ocupar um cargo de direção nas empresas.

O dispositivo foi mantido pelo presidente em exercício, Michel Temer, apesar das pressões para que fosse vetado, por contrariar negociações em curso e nomeações já realizadas no governo interino.

‘Indicador’. “Já houve nomeações que foram encaminhadas. Nós temos alguns casos que ainda dependem de uma composição política mais ampla. E tem casos em que os indicados terão que ser substituídos”, afirmou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. “Mas nós não vamos trocar o indicador. Quem indicou alguém que circunstancialmente tenha que ser substituído indicará aquele que preencha perfeitamente o que é o desenho estabelecido pelo estatuto das empresas estatais.” Apesar de a lei não ter efeito retroativo, o Palácio do Planalto estuda readequar algumas nomeações já feitas, como a do presidente dos Correios, o ex-deputado federal Guilherme Campos.

Ele deixou a presidência do PSD para assumir a estatal, por indicação do ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab.

Pelas novas regras, Kassab teria de apresentar ao Planalto um novo indicado, que seja técnico ou até mesmo político, mas apoiado pelo partido e que tenha tido experiência de dez anos no setor ou quatro anos em postos de diretoria. Campos nega que tenha sido informado sobre a intenção do governo.

“Eu desconheço (a possibilidade de sua saída), mas a nomeação é do presidente, pois é um cargo de confiança”, disse ao Estado.

O caso dos Correios chama a atenção não só pela indicação de seu presidente, mas também pelo grau de ingerência política mesmo após o escândalo do mensalão (mais informações na página ao lado). Em 2011, a empresa mudou seu estatuto para permitir que funcionários de outros órgãos públicos pudessem ocupar funções “técnicas e gerenciais” na estatal, o que era proibido.

Alterou ainda a legislação interna, passando a permitir que funcionários de nível médio, cedidos por outros órgãos, pudessem ocupar funções de nível superior na estatal. Na época, a empresa justificou que “funcionários de nível médio dos Correios ou de outros órgãos públicos e estatais (concursados) podem receber funções gratificadas, desde que atendam requisitos exigidos para a função”.

Com a sanção da lei, o governo pretende começar a destravar, a partir do início desta semana, inúmeros cargos que estão represados. Em reunião na quinta-feira à noite, Temer, Padilha e o ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, trataram do assunto.

Uma indicação que deve ser anunciada é a de Wilson Ferreira, para comandar a Eletrobrás. Ferreira tem formação que se enquadra no perfil técnico desejado pelo governo federal para ajudar a sanar a “grave crise” que a estatal do setor elétrico enfrenta.

Em muitos casos ainda há disputas internas entre partidos para um mesmo cargo. Em outros, a disputa é de diferentes grupos do mesmo partido. É o caso da presidência da Itaipu Binacional, cuja indicação estava “fechada” com o nome do empresário paranaense Rodrigo Costa da Rocha Loures. Mas o governador Beto Richa (PSDB) levou um segundo nome ao Planalto: Abelardo Lupion. O orçamento anual da estatal é de R$ 50 bilhões.

Trocas

“Não vamos trocar o indicador (...) (Ele) indicará outro que preencha o que é estabelecido pelo estatuto das empresas estatais.”

Eliseu Padilha

MINISTRO-CHEFE DA CASA CIVIL

PARA ENTENDER

O que afirma a nova legislação

1. O objetivo da lei

A principal meta é estabelecer regras para as nomeações de dirigentes e conselheiros de empresas públicas e de sociedades de economia mista. Vale para empresas federais, estaduais e municipais.

2. Restrição às nomeações

Dirigentes partidários, ministros, secretários, sindicalistas e parlamentares, por exemplo, não poderão mais ser indicados para cargos de diretores e conselheiros das estatais. Além disso, os postulantes a esses cargos terão respeitar quarentena de 36 meses após participar em direção partidária ou campanha eleitoral e deverão apresentar experiência no setor.

3. Compliance e auditoria

A lei obriga as estatais a manter uma área de compliance e riscos, além de um comitê de auditoria que vai se reportar diretamente ao conselho de administração em caso de suspeita de irregularidades cometidas pelo diretor.

4. Novas regras para contratações

As licitações agora devem seguir o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), que permite à estatal contratar a obra sem existência de projeto executivo ou básico prévio.

MUITA CONFIANÇA

● Cargos com gratificação nas estatais federais

As 10 maiores (dados de 2015)

TOTAL DE EMPREGADOS CONTRATADOS

DENTRO DO TOTAL, FUNÇÕES GRATIFICADAS

DENTRO DAS FUNÇÕES GRATIFICADAS, PROFISSIONAIS QUE NÃO PRECISAM SER CONCURSADOS

Correios

9

54.949

118.220

Banco do Brasil

2

72.083

111.707

Caixa

7

63.438

97.458

Petrobrás

18

10.249

55.363

Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares

1.237** 48

18.309

Infraero

2.019 -14

12.211

Serpro

0 - 1.115

Embrapa

8  -1.094

Grupo Hospitalar Conceição

8 - 252

Banco do Nordeste do Brasil

1 - 5.364

Funções gratificadas

11.371 é o total nas empresas

211.800 10 maiores empresas

223.171 estatais federais em outras empresas

Profissionais contratados que não precisam ser concursados*

1.691 em outras empresas

115 nas 10 maiores empresas

1.806 é o total nas empresas estatais federais

*Estão computados nas funções gratificadas **Total de cargos autorizados, nem todos podem estar ocupados