Valor econômico, v. 17, n. 4057, 28/07/2016. Internacional, p. A9

Brasil ameaça ignorar gestão venezuelana do Mercosul

Por: Fabio Murakawa e Daniel Rittner
Por Fabio Murakawa e Daniel Rittner | De São Paulo e Brasília
 

 

Diante de relatos na imprensa do Uruguai de que o presidente Tabaré Vázquez decidiu transmitir a presidência rotativa do Mercosul para a Venezuela, à revelia dos demais membros do bloco, o governo interino de Michel Temer garante que o Brasil não reconhecerá a medida se de fato ela acontecer.

Citando fontes do governo uruguaio, dois dos principais jornais do país - "El Observador" e "El País" - afirmaram ontem que Montevidéu dará por encerrado seu período à frente do Mercosul no próximo sábado, durante reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC), na capital uruguaia.

Brasil e Paraguai, que se são contra a entrega de bastão para os venezuelanos, não vão mandar representantes. O Itamaraty diz, inclusive, que a reunião foi cancelada. Segundo os jornais uruguaios, a transferência ocorrerá com ou sem a presença de representantes dos dois países.

Ainda de acordo com os diários, a decisão uruguaia se baseia no entendimento de que não há, no marco jurídico do Mercosul, nenhuma norma expressa sobre a forma com que se deve transferir a presidência rotativa do bloco.

O Brasil, porém, tem uma interpretação diferente e avalia que a transferência só pode ocorrer por consenso. Consultada pelo Valor, a chancelaria uruguaia afirma o país permanece disposto a entregar a presidência à Venezuela. Mas não confirma a decisão de fazer a passagem para os venezuelanos à revelia dos parceiros regionais.

O assunto, segundo o Ministério de Relações Exteriores uruguaio, pode ser tratado hoje, em Lima, durante a posse do presidente peruano Pedro Pablo Kuczynski. Estarão presentes, além de Vázquez, os presidentes Nicolás Maduro (Venezuela), Mauricio Macri (Argentina) e Horacio Cartes (Paraguai). O Brasil será representado pelo chanceler José Serra.

A sucessão no Mercosul é foco de desavença entre Montevidéu, de um lado, e Assunção e Brasília, de outro. A Argentina não marcou uma posição clara sobre o tema.

Brasil e Paraguai alegam que os venezuelanos não incorporaram o acervo normativo do bloco - uma infinidade de acordos, protocolos e regras - perto do fim de um prazo de quatro anos estipulado pelas regras do Mercosul. Além disso, levantam questões sobre a situação dos direitos humanos no país. Citam políticos opositores presos e empecilhos à atuação da Assembleia Nacional. Preocupa ainda a percepção de que Maduro atua contra a realização de um referendo para revogar o seu mandato.

O Brasil quer que o assunto seja abordado durante cúpula da entidade, em 12 de agosto, e que o Uruguai permaneça à frente da entidade até lá. Os uruguaios, por sua vez, defendem que seja obedecido o rodízio de seis meses e por ordem alfabética. E dizem que há mecanismos no bloco para analisar esses questionamentos levantados por brasileiros e paraguaios.

Já os argentinos têm uma posição dúbia. Embora o presidente Macri não esteja alinhado aos países "bolivarianos", a chanceler Susana Malcorra conta com os votos deles para se eleger secretária-geral das Nações Unidas em outubro. Além de Bolívia e Equador, a Venezuela carrega os votos dos 14 membros da Petrocaribe - entidade por meio da qual os países caribenhos vêm recebendo petróleo venezuelano a preços subsidiados há uma década.

Uma fonte do governo brasileiro afirma que Brasília desconhecerá qualquer medida ou convocação feita por uma eventual presidência venezuelana do Mercosul.

Outra afirma que "a orientação do Brasil segue a de esperar até 12 de agosto e avaliar o comprometimento da Venezuela com os compromissos assumidos no protocolo de adesão".

Essa fonte diz ainda ter conhecimento de que o Paraguai irá protestar formalmente, caso o Uruguai passe a presidência. Ontem, o chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, disse que "o Uruguai deveria continuar" à frente do bloco. Mas disse que estão sendo consideradas alternativas para a transferência da presidência do bloco. "É um momento difícil para o Mercosul, mas devemos tomar posição."