Valor econômico, v. 17, n. 4057, 28/07/2016. Especial, p. A12

TAXA SINDICAL BANCA 'FATURAMENTO' DE MÉDIA EMPRESA A ENTIDADES

Por: Camilla Veras Mota e Raphael Di Cunto
Por Camilla Veras Mota e Raphael Di Cunto | De São Paulo e Brasília
 
 

Cerca de cem entidades sindicais no Brasil, entre trabalhistas e patronais, têm receita anual compatível com o faturamento de uma média empresa, mostra levantamento feito pelo Valor com dados do Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) referentes às quase 10,5 mil inscrições ativas. Esse pequeno grupo recebeu, apenas em repasses da contribuição sindical, valores superiores a R$ 3,6 milhões cada uma, atualmente o limite para o enquadramento no regime tributário do Simples, voltado às micro e pequenas companhias. Há, ainda, outras 411 entidades com receita superior a R$ 1 milhão. Algumas delas realizam auditoria externa sobre as demonstrações financeiras. Por lei, contudo, nenhuma é obrigada a prestar contas.

A contribuição sindical - arrecadada através do desconto de um dia de serviço, para os trabalhadores, e de um percentual sobre o capital social das empresas, no caso patronal - é um "mercado", para usar o jargão do setor produtivo, de cerca de R$ 3,4 bilhões, considerando os valores do ano passado. E sindicatos pressionam no Congresso Nacional por um aumento desse montante.

 

Comissão especial da Câmara dos Deputados que discute o financiamento das entidades sindicais acrescentou em seu relatório final temas como a regulamentação de formas de cobrança questionadas pelo Ministério Público, a ampliação do número de categorias que pagam o imposto e a elevação dos valores pagos pelas empresas.

Com o tema na pauta do Congresso, o detalhamento dos valores destinados a cada uma das entidades pode ser agora conhecido. Do total de R$ 3,4 bilhões, quase metade do valor, R$ 1,489 bilhão, ficou com os cem primeiros nomes da lista. Excluídas as seis centrais sindicais reconhecidas pelo governo e a Conta Especial Emprego e Salário (CEES), administrada pelo MTPS, 94 entidades, entre patronais e de trabalhadores, receberam R$ 722,1 milhões. O recolhimento deste ano, conforme os dados consolidados até maio, foi de R$ 3,1 bilhões.

No topo da lista, o Sindicato dos Comerciários de São Paulo foi destino de R$ 30,4 milhões em 2015 e é acompanhado de perto por entidades patronais do setor - Confederação Nacional do Comércio (CNC), com R$ 27,7 milhões, e Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), com R$ 25,9 milhões.

O setor de serviços, que reúne mais da metade dos empregos com carteira assinada, também aparece no ranking, com entidades como o Sindicato das Empresas de Compra, Venda e Locação de Imóveis (Secovi), R$ 28,8 milhões, o Sindicato das Empresas Contábeis, de Assessoramento e Perícia do Estado de São Paulo, R$ 22,3 milhões, e Sindicato dos Bancários de São Paulo, R$ 17,5 milhões. A indústria vem na sequência, com sua confederação nacional, a CNI, como destino de R$ 15,7 milhões da contribuição, e a federação de São Paulo, a Fiesp, de outros R$ 15,6 milhões.

Os valores totais podem ter acréscimo expressivo caso proposta em debate em uma comissão da Câmara presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), que também comanda a Força Sindical, seja transformada de fato em lei. Isso porque um dos pontos centrais do relatório prevê a regulamentação da chamada contribuição negocial ou assistencial, cobrada sobre o resultado dos acordos coletivos.

A taxa já é adotada por várias organizações, mas o Ministério Público tem questionado a cobrança extensiva a toda a categoria representada pelo sindicato. Há casos em que o adicional chegou a 20% de um mês de salário. Entidades de grande porte tiveram que assinar termos de ajustamento de conduta (TAC) se comprometendo a recolher apenas dos sindicalizados.

Conforme o texto, o direito de se opor à cobrança seria mantido, mas com regras mais restritas: só poderia se recusar a pagar a contribuição negocial o trabalhador ou representante comercial que participasse da assembleia em que é definido o valor da taxa ou que se manifeste contra o pagamento em até 10 dias, justificando a ausência.

Entidades patronais e laborais procuradas pelo Valor defendem que é importante que as entidades tenham garantido seu financiamento, para que continuem defendendo os interesses de suas bases, mas se dividem quando o assunto é a contribuição negocial e a proposta de criação de um órgão para supervisão.

"O movimento sindical é hoje o único organismo que defende o trabalhador", argumenta o analista político e assessor parlamentar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Marcos Verlaine. Para ele, o volume de recursos que circula hoje pelas entidades não é demasiado, já que sustenta uma grande estrutura.

Vice-presidente da Confederação do Comércio (CNC), o deputado federal Laércio Oliveira (SD-SE) faz avaliação semelhante. Ele é autor de Projeto de Lei 1.491, de 2011, que defende o a atualização das bases de cálculo da contribuição patronal. Segundo ele, as alíquotas que incidem sobre o capital social das companhias estão defasadas e prejudicam a atividade das entidades. Em alguns casos, o aumento chegaria a 1.140%.

A correção inflacionária do imposto sindical empresarial consta também do projeto em discussão na comissão especial, mas o deputado ressalta que a CNC é contrária à regulamentação da contribuição negocial, já que ela representaria mais um ônus às empresas - posicionamento compartilhado também pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

O relator da comissão, deputado Bebeto Galvão (PSB-BA), inclui ainda outras categorias entre as que pagarão imposto sindical obrigatoriamente - empregados rurais, agricultores familiares e servidores públicos. Em alguns casos, já há cobranças para esses trabalhadores, mas que são contestadas na Justiça.

Galvão, que no comando do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada da Bahia recebeu no ano passado R$ 1,1 milhão em repasses do imposto sindical, previa no relatório inicial cobrar também de aposentados e empregados domésticos, mas esse trecho saiu da versão que vai à votação.

Outra mudança entre o texto inicial e o final é a previsão de que entidades que recebam mais de R$ 3,6 milhões de imposto sindical, valor equivalente ao teto do Simples, deveriam contratar auditoria independente para avalizar suas demonstrações contábeis e financeiras. Organizações e deputados protestaram e a exigência saiu do texto final.

Ficou, porém, sugestão do Ministério Público do Trabalho para que todas as entidades prestem contas sobre os ganhos e gastos com o imposto sindical, embora o projeto não estabeleça punições para as que não cumprirem a regra nem prazo para a divulgação da contabilidade. Amplia, também, a participação - todos os integrantes da categoria poderão votar nas assembleias para eleição da diretoria do sindicato e para decisão sobre a convenção coletiva, direito hoje restrito aos sindicalizados.

Para a coordenadora executiva do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patricia Pelatieri, a prestação de contas pode contribuir para melhorar a imagem das entidades sindicais, prejudicada por eventuais denúncias de corrupção ou de uso indevido dos recursos. "A imagem tem muito a ver com a questão da transparência", diz. Nesse sentido, ela elogia a sugestão de criação de um conselho de autorregulação sindical - iniciativa que, segundo ela, já vem sendo testada no âmbito do conselho de relações do trabalho.

O projeto está em fase final na comissão da Câmara, mas ainda tem longo caminho no Legislativo até chegar à sanção. Precisa passar pelo crivo dos deputados no plenário e depois por toda a tramitação no Senado. O presidente interino Michel Temer já foi informado do conteúdo do projeto por Paulinho no começo do mês e pediu uma cópia do texto para avaliar.

"O projeto dá mais segurança jurídica para o empregado e empregador", diz Paulinho, presidente da Força Sindical, que recebeu R$ 47,4 milhões em 2015, valor superado apenas pelo da Central Única dos Trabalhadores (CUT), R$ 59,1 milhões. Segundo o deputado, várias ações correm na Justiça do Trabalho contra empresas que recolheram taxas negociais, depois questionadas pelo Ministério Público.