Cleto diz ter recebido R$ 1,6 milhão de empresa de dono do grupo JBS

O ex-vice presidente da Caixa Econômica Fábio Cleto disse em seu acordo de delação premiada que a empresa Eldorado — do grupo J&F, o mesmo do frigorífico JBS — pagou propina para obter recursos do fundo de investimentos FI-FGTS. Joesley Batista, um dos donos da J&F, está entre os empresários que foram alvo da nova operação da Polícia Federal, deflagrada ontem. Agentes fizeram busca e apreensão na casa de Joesley em São Paulo e na sede da JBS.

Segundo o Ministério Público, parte do dinheiro desviado foi para o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cleto, que recebia uma parte menor da propina, disse ter sido beneficiado com R$ 1,68 milhão. O valor financiado pelo fundo em favor da Eldorado totalizou R$ 940 milhões.

CLETO BENEFICIOU EMPRESA POR DUAS VEZES

As informações estão num pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aceito pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), para realizar operações de busca e apreensão em endereços de vários investigados. No documento, Janot diz que Joesley Batista pediu, em 2012, recursos no FI-FGTS para construir uma fábrica de celulose em Mato Grosso do Sul. A operação foi aprovada, com voto favorável de Cleto no Comitê de Investimentos do fundo. Cunha depois informou ao então vice-presidente da Caixa que ele receberia uma propina de R$ 680 mil.

Cerca de um ano depois, a Eldorado precisou descumprir um dos itens do acordo, que a impedia de se endividar acima do indicado no contrato. Cleto conseguiu flexibilizar esse ponto, medida que, segundo Janot, era incomum, uma vez que poderia alterar todo o equilíbrio da operação. Por esse motivo, Cleto receberia mais R$ 1 milhão.

Janot destacou que o doleiro Lúcio Bolonha Funaro — ligado a Cunha e preso ontem — era amigo de Joesley Batista. Foi Funaro, inclusive, quem apresentou Cleto ao empresário. Funaro, Cleto e Joesley estiveram juntos nove vezes, disse Janot, uma delas em viagem ao Caribe. Por essas razões, Janot pediu busca e apreensão na casa de Joesley, em São Paulo, mas não na residência dos outros sócios da J&F.

“Se a relação entre Lúcio Bolonha Funaro e Joesley Batista ultrapassa o aspecto 'profissional', é possível que haja elementos de convicção na residência de Joesley. Reforça essa possibilidade o fato de que apenas um dos três sócios da J&F, o Joesley, ter sido apontado como participante das tratativas de pagamento da propina pelo colaborador. Assim, faz sentido, ao menos a princípio, que ele tenha feito o pagamento sem o conhecimento dos demais sócios e levado as provas disso para sua residência, onde o acesso deles é mais restrito”, escreveu Janot.

O empresário Henrique Constantino, da família controladora da companhia aérea Gol, também foi alvo de busca e apreensão. Segundo Janot, Cleto citou pagamento de propina pela empresa Via Rondon Concessionária Rodovias S/A, do grupo BR Vias, que conseguiu um financiamento de R$ 300 milhões. Cleto disse ter recebido R$ 120 mil pelo negócio. Um dos sócios da Via Rondon, que também foi alvo de busca e apreensão, é Henrique Constantino.

“Cleto afirmou que Lúcio Bolonha Funaro tinha relacionamento com Henrique Constantino e que, então, a solicitação para aprovação da operação foi feita por Funaro, por intermédio de Eduardo Cunha. Ao ser questionado de quem foi cobrada a propina, Cleto afirmou não saber, mas, em vista da proximidade de Funaro com Henrique Constantino, acredita que tenha sido deste último”, escreveu Janot. Cleto disse também ter recebido R$ 76 mil de propina da empresa Cone S/A, controlada pela Moura Dubeux. Nesse caso, não há informação do valor da operação financiada pelo FI-FGTS.

Em nota dirigida a seus acionistas e ao mercado, a JBS alegou que nem a empresa, nem seus executivos são alvo e não estão relacionados com a operação da Polícia Federal. A Via Rondon, grupo do qual Constantino é diretor, disse que o mandado de busca e apreensão não está relacionado a outras empresas de sua família: “A Via Rondon informa que, um de seus diretores, Henrique Constantino, foi procurado pelo MPF para apresentar a documentação pertinente a empréstimo tomado junto ao Fundo Investimentos FGTS, solicitação esta que foi prontamente atendida. Ressaltamos que a solicitação do MPF está relacionada unicamente com a Via Rondon e não possui qualquer relação com outras empresas da família Constantino”, diz o texto.

 

O globo, n. 30280, 02/07/2016. País, p. 06