Título: Sem mão estendida
Autor: Machado, Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2011, Economia, p. 12
Brasil cai para o 126º lugar no Doing Business, lista de 183 países sobre o ambiente empreendedor
Ninguém sabe quando a crise econômica que varre o mundo, batizada de "a grande contração" pelo economista de Harvard Kenneth Rogoff, significando um estágio a menos que "a grande depressão" dos anos 1930, vai terminar. Só se sabe, conforme a imagem de Rogoff, que a crise encolheu a demanda, que esse fenômeno será duradouro e que, em consequência, a competição cresceu e vai intensificar-se.
O Brasil está preparado? Em termos. Se a China continuar acima da linha d"água, como parece que conseguirá, apesar do tom aziago das análises dos viciados em crises, as commodities, que correspondem a 60% das exportações do Brasil, continuarão bem cotadas. Mas tudo tem o outro lado. A China lidera o ranking industrial e o de consumo de commodities. O que nos compra com uma mão tira com a outra, ao expelir nossos bens industriais de outros mercados e ainda bater à porta para vender aqui o que deixou de vender aos EUA e à Europa.
O governo Dilma Rousseff está atento ao que chama de concorrência predatória. Contra ela, aumentou no mês passado o IPI dos veículos importados em 30 pontos de percentagem, uma pancada, barrando, em geral, montadoras da China e da Coreia do Sul sem fábricas no país. A reação já veio. O governo do Japão pediu explicações ao Brasil por meio de uma representação à Organização Mundial do Comércio, sendo acompanhado pelo da Coreia. Reações mais sutis estão em curso.
A coreana Samsung, gigante que não faz só TV de LCD, mas também navios e plataformas de petróleo, está regateando a cessão de sua tecnologia ao Estaleiro Atlântico Sul, em Suape, do qual é sócia, alegando seguir orientação de seu governo. Uma forma de represália pelo coice na Hyundai e na Kia, montadoras atingidas pelo novo IPI?
Não importa a razão. O fato é que os países que não têm a sua própria estratégia de desenvolvimento, com autonomia financeira e tecnológica, estavam no mato sem cachorro antes da crise. Com ela, correm o risco de passar de caçador a caça, sobretudo se contarem muito com a riqueza das commodities, de agronegócio a minérios e petróleo. Todas rendem muito, empregam pouco e convidam ao ócio.
Na economia globalizada, as estradas são de mão dupla, o que vale dizer que as decisões e os raciocínios monotemáticos não têm vez.
Políticas de vitrina É o caso, por exemplo, da política de incentivo à inovação. Vista na vitrina, ela faz os olhos brilharem: desonera impostos para as indústrias que investirem em tecnologia e destina recursos para a formação de jovens. Nas pegadas da Índia e da China, a presidente Dilma Rousseff lançou um programa para 70 mil alunos se graduarem em universidades dos EUA e da Europa. Mas... Ah, as conjunções!
E quando eles estiverem prontos? A resposta é complexa. Lá fora, universidades de ponta treinam os jovens para serem empreendedores nas empresas e, sobretudo, para criarem novos negócios — startups como as lendárias Apple, Facebook e Google do Vale do Silício.
Empreender é malvisto O governo pôs de pé, ou ao menos vai tentar, a formação. Mas se esqueceu de outra perna mais simples, dependente de uma canetada da presidente: a facilidade para a abertura de empresas, ativo do Vale do Silício tão precioso quanto as suas universidades e a rede de mentores de jovens empresários e a de investidores de risco.
É como se o que dispensasse a intermediação do poder público, com a liberação das forças inventivas, o que Keynes chamou de espírito animal do empresário, não fosse importante. De onde vem a bronca?
Da nona versão do Doing Business, o estudo anual do Banco Mundial que ranqueia os países de acordo com o nível de facilidades para a atividade empresarial se expandir, nascer, inovar, criar empregos.
Muito atraso de vida Na lista de 183 países monitorados, o Brasil ficou em 126º lugar, vindo da 120ª posição em 2010. Piorou em relação aos que fizeram reformas, estendendo tapete vermelho a quem não se satisfaz com o bem-bom das prebendas. Aqui houve uma só, que nem era relevante: o tal cadastro positivo do crédito. Abrir empresa continua uma prova de paciência: leva 119 dias (seis em média nos EUA, dois a três no Vale do Silício) e custa 5,4% da renda per capita, US$ 670, tanto quanto nos EUA, onde equivale a apenas 1,4% de sua renda média.
A rotina de recolher impostos é outro atraso de vida: toma 2.600 horas, contra 187 nos EUA, 109 na Austrália, 387 na China. Dos 10 indicadores considerados pelo Doing Business, o país está mal em todos. Para a maioria, como ligar energia elétrica e fazer cumprir contratos, a melhoria não implica despesa, só a vontade de fazer certo. Não se faz por quê? Preconceito. Ou porque não rende votos.
Sem fé em nossas Apples Para os governantes, segundo o estudo, "uma primeira reação comum ao Doing Business é questionar sobre a qualidade e relevância dos dados". Um ministro do governo passado chegou a enviar uma carta à direção do Banco Mundial para reclamar da classificação do Brasil, em vez de tomá-la como referência sobre o que poderia melhorar.
"Onde a regulamentação dos negócios é pesada", diz o estudo, "e a competição, limitada, o sucesso depende mais de quem você conhece (do "jeitinho", diríamos) do que você é capaz de fazer". Não é do que precisa a classe de empresas que mais inova e emprega em todo o mundo. Aqui tem havido esforços pelas pequenas empresas, mas com o viés social. Não se bota fé em que possamos criar nossas Apples.