O globo, n. 30286, 08/07/2016. País, p. 5

Um choro de fragilidade ou uma encenação ?

Emoção de Eduardo Cunha ao falar de família durante discurso de renúncia divide opinião de psicanalistas

Por: RUBEN BERTA, MARIAH D´AVILA

 

Conhecido pela frieza e pela fama de calculista, Eduardo Cunha dividiu a opinião de psicanalistas com seu choro. Se para uns foi demonstração de fragilidade, para outros não passou de jogo de cena. Uma demonstração de fragilidade ou apenas mais uma encenação de uma pessoa fria e calculista? Eis a questão. O choro de Eduardo Cunha ao falar de sua mulher, Cláudia Cruz, e de sua filha Danielle Dytz, durante o discurso de renúncia ao cargo de presidente da Câmara, dividiu especialistas ouvidos pelo GLOBO. Desde o mês passado, Cláudia é ré num dos processos da Operação Lava-Jato, sob a acusação de ser beneficiária direta de propina que teria sido recebida pelo marido. Já Danielle segue sendo investigada por acusação semelhante.

— Tendo a achar que é mais um papel para tentar comover a opinião pública, para demonstrar que ele é um bom pai, um bom marido, demonstrar valores de família muito cultuados na sociedade brasileira. Mais uma vez, ele tenta nos manipular, um comportamento comum daqueles considerados pela psicanálise como perversos e, pela psiquiatria, como psicopatas, pessoas que não têm consideração por valores morais — afirma o psicanalista Joel Birman.

Doutora em psicanálise pela USP, Priscila Gasparini tem uma visão diferente. Para ela, apesar de ter demonstrado nos últimos tempos uma postura fria e ditatorial mesmo nos momentos mais adversos, ao se emocionar com a referência da família, o deputado demonstra um lado inseguro, um ponto fraco.

— Na hora em que ele fala da família, cai a máscara. Ele demonstra que não sabe lidar bem com a fraqueza. Atendo a muitos empresários que têm uma postura fria quando o assunto é trabalho, mas, quando entram valores como a família, eles não sabem como lidar com isso em público — avalia a psicanalista, que acrescenta: — O que vejo é que na família ele deve ser uma pessoa bem mais acessível, bastante diferente desse outro papel de figura superpoderosa do Congresso.

 

FAMÍLIA COMO SANTUÁRIO

Miguel Calmon, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio, tem opinião parecida:

— Não que chore porque é bonzinho, mas o deputado demonstra ali que tem na sua família uma espécie de santuário, que, na hora em que é tocado, faz com que ele desabe. Não creio necessariamente numa farsa nesse caso. Pelo contrário.

Já o psicanalista gaúcho João Gomes Mariante, autor do livro “Três no divã”, sobre os políticos Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha e Flores da Cunha, não se convence com a emoção de Cunha. Para ele, o deputado não demonstra culpa em relação a qualquer dos atos de que é acusado:

— Não tenho dúvidas de que enquadraria Cunha num quadro de psicopata. Para qualquer pessoa normal, as acusações que ele carrega seriam um desastre. O deputado não demonstra nada em relação a isso. Encara até como uma moção de homenagem. Ao chorar pela família, vejo uma tentativa dele de tentar pegar o ponto fraco do sentimento coletivo, que deprime, traz sentimento de pena. É mais uma maneira de buscar elementos externos para modificar objetos internos.

 

GESTOS TREINADOS

Durante o discurso, além do choro, Cunha deixou escapar emoções em pequenos gestos, como levantar as sobrancelhas, passar a língua nos lábios, mover os lábios, e fazer pausas durante a fala.

— O deputado usou de um bom recurso para conter as emoções: falou no meio dos jornalistas com um texto previamente escrito. As mãos segurando as folhas diminuem a possibilidade de demonstração dos movimentos involuntários comuns nas mãos, quando em situações de estresse. Ele teve tempo de elaborar o conteúdo e treinar, o que diminui bastante a possibilidade de expressões emocionais inconscientes — afirma João Oliveira, psicólogo especialista em análise comportamental.

Entre os mais recorrentes durante os quase sete minutos de fala estão os gestos que indicam alívio de tensão — quando falou da reforma política, dos temas votados na Casa em sua gestão ou ao citar o Conselho de Ética — e os que caracterizam desprezo — ao falar que a Câmara está 'acéfala' e ao dizer que não recebeu qualquer tipo de propina. Segundo o psicólogo, no fim do pronunciamento, Cunha voltou a demonstrar “desprezo profundo”.

— As demonstrações são sutis. Cunha é treinado, ele sabe conter as emoções — acredita João.

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