O globo, n. 30286, 08/07/2016. País, p. 6

Sucessão já tem pelo menos 15 candidatos

Disputa pela vaga de Cunha começa concorrida, e falta de consenso provoca briga até sobre data da votação

Por: Júnia Gama, Leticia Fernandes, Eduardo Bresciani e Evandro Éboli

 

BRASÍLIA- A largada para a sucessão do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi dada ontem mesmo, imediatamente após sua renúncia à presidência da Câmara. Até o momento, já são nada menos que 15 candidatos à vaga, sendo que pelo menos dez deles integrantes da base aliada do governo do presidente interino, Michel Temer. Há a expectativa, no entanto, de que esse número seja reduzido para menos de cinco candidatos até o início da sessão de votação, na próxima terça-feira, quando será escolhido o deputado que comandará a Câmara em um mandato-tampão de seis meses.

Foram os líderes dos partidos que marcaram a eleição terça-feira, depois de se reunirem para derrubar a decisão inicial do presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), que havia convocado o pleito para quinta-feira, último dia do prazo regimental (de cinco dias úteis após a renúncia).

 

DIVERGÊNCIAS NA REUNIÃO

Irritados com a antecipação do pleito, PSDB, DEM, Rede e PSB se retiraram da reunião de líderes. Mesmo assim, segundo integrantes da base aliada de Temer, a decisão teve respaldo de 280 deputados, mais que os 257 necessários para derrubar a data determinada por Maranhão. A eleição começará às 13h59m de terça-feira, e o prazo de inscrição de candidatos vai até meio-dia.

Com isso, fica inviabilizada a realização da sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que analisaria o recurso de Cunha contra a aprovação de sua cassação no Conselho de Ética. Isso porque o presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDB-PR), cancelou a sessão da CCJ marcada para segunda-feira e convocou nova reunião para terça à tarde. Como O GLOBO informou, Serraglio também aceitou um acordo, articulado junto a parlamentares da base, de devolver o processo de Cunha ao Conselho de Ética em troca da renúncia do peemedebista da presidência.

O líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), defendeu uma sucessão rápida para o lugar de Cunha. A exemplo do líder do PSD, Rogério Rosso (DF) — a favor de quem o Planalto trabalha discretamente —, Moura queria que a eleição ocorresse segunda-feira. O argumento é que, dessa forma, seria possível ainda votar projetos de interesse do governo na próxima semana, antes do recesso branco.

O motivo real, no entanto, é viabilizar a eleição de um aliado de Cunha, que seria Rosso ou o líder do PTB, Jovair Arantes (GO), que estão há semanas em campanha velada para a presidência da Câmara. Com a antecipação da eleição, os demais candidatos terão pouco tempo para fazer campanha.

— Esperamos que seja da forma mais rápida possível. O regimento fala em até cinco sessões de prazo, mas nós esperamos que os líderes e o presidente interino, Waldir Maranhão, entendam a importância disso para termos estabilidade e para a pauta do governo, que é a do país — disse Moura.

Na avaliação de fontes do Palácio do Planalto, haverá “uma depuração natural” no número de candidatos até a data da eleição. Muitos nomes são colocados apenas como moeda de troca para pleitos junto ao governo ou para acordos internos na Câmara. O Planalto tentará evitar uma fragmentação de sua base.

Por esse motivo, os candidatos mais cotados ainda negam que estejam na disputa, aguardando que saia um consenso da base aliada. Os partidos da antiga oposição — PSDB, DEM, PPS e PSB — negociam um acordo para eleger agora um nome do Centrão em troca de receberem o apoio do governo e do PMDB para o comando na Câmara no biênio 2017-2018. O assunto foi objeto de conversa entre Temer e o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG).

— Não sou candidato. Entendo que precisamos procurar o maior consenso possível. Não serei o vigésimo primeiro candidato. O ideal é buscar consenso na base, mas acho difícil — disse Rosso.

Jovair Arantes também negou veementemente ser candidato:

— Eu não sou candidato a esse mandato, é coisa decididíssima. Vou discutir a possibilidade de ser candidato em fevereiro, para o próximo biênio — disse.

 

CENTRÃO SEM CONSENSO

Um dos mais próximos aliados de Cunha, o deputado Marcelo Aro (PHSMG) admite que o centrão não tem um nome de consenso, e que é preciso construir candidatura da base aliada:

— Que teremos um candidato do centrão, é certo. Mas é preciso encontrar um nome que una a base aliada de Temer. Se tivéssemos 100% de unidade no centrão, não precisaríamos negociar.

No PMDB, há os que defendem que o partido tenha um candidato, mas os líderes do centrão afirmam que é hora de o PMDB ceder. Segundo interlocutores, Temer fará uma articulação discreta em relação à disputa. Embora publicamente o discurso seja de que ele não deve se envolver com o assunto, aliados argumentam que o cargo é algo fundamental para a boa atuação do governo, e Temer não pode deixar “correr solta a disputa”.

 

“MOMENTO HISTÓRICO”

O Planalto espera que o próximo presidente esteja “à altura do momento político”. Auxiliares de Temer lembraram a solução encontrada após a renúncia de Severino Cavalcanti. O então deputado Aldo Rebelo (PCdoB) foi eleito para mandato-tampão. De partido pequeno, tinha bom trânsito na Casa.

— É preciso alguém com estatura que o momento histórico exige — disse um interlocutor de Temer.

A deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) foi uma das que formalizaram sua candidatura. Única mulher na disputa, ela defendeu mais representação feminina no Parlamento e afirmou já ter iniciado conversas com a bancada evangélica, com deputados do centrão e com a bancada feminina atrás de apoios:

— Já estava na minha cabeça me colocar como candidata, é impressionante essa sub-representação feminina. Por que não presidir o Legislativo? Tenho condições. Agora que existe uma vacância real, tenho uma candidatura real.

O deputado Aguinaldo Ribeiro (PPPB) resumiu o clima da disputa:

— Essa será a gestão da cadeira elétrica com colonoscopia. (Colaboraram Catarina Alencastro e Simone Iglesias)

 

POSSÍVEIS CANDIDATOS

 

BETO MANSUR (PRB-SP). Do grupo fiel a Cunha. ROGÉRIO ROSSO (PSD-DF). Presidiu o impeachment. GIACOBO (PR-PR). É o 2º vice. JOVAIR ARANTES (PTB-GO). Relatou o impeachment. CRISTIANE BRASIL (PTB-RJ). CARLOS MANATO (SD-ES). Éo corregedor da Câmara. JÚLIO DELGADO (PSB-MG). É duro opositor de Cunha. OSMAR SERRAGLIO (PMDB-PR) . Presidente da CCJ, pró-Cunha. ANTÔNIO IMBASSAHY (PSDB-BA). Líder do PSDB na Câmara. RODRIGO MAIA (DEM-RJ). FAUSTO PINATO (PP-SP). Foi o primeiro relator do caso Cunha. ESPIRIDIÃO AMIN (PP-SC). LUIZA ERUNDINA (PSOL-SP). HERÁCLITO FORTES (PSB-PI). Foi articulador do impeachment. JOSÉ CARLOS ALELUIA (DEM-BA).

 

Perguntas e respostas

 

– O que acontece agora que Cunha renunciou à presidência da Câmara?

– Com a renúncia, tem que ser convocada nova eleição para a Presidência da Câmara, para um mandato-tampão até primeiro de fevereiro de 2017. Nesta data será feita nova eleição para um mandato de dois anos.

– Quando se convocam as eleições? A quem cabe a convocação?

– Pelo regimento, a convocação tem que ser feita em até cinco sessões. Quem convoca é o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão, mas ontem os líderes derrubaram a decisão do interino e convocaram a votação para terça-feira.

– Até quando podem ser apresentadas candidaturas para a presidência?

– Pelo menos até uma hora antes da eleição, para que a assessoria possa preparar o painel com os candidatos. Quem estipula o horário para o final das candidaturas também é o presidente interino da Casa.

– Qualquer deputado pode se lançar candidato e concorrer?

– Sim, qualquer deputado, de qualquer partido. Não há limite de candidaturas.

– Com quantos votos o candidato estará eleito?

– A eleição para a presidência da Câmara é secreta. Estará eleito o candidato que, em primeiro turno, obtiver a maioria absoluta dos presentes (maioria dos votos válidos). Por exemplo, se no primeiro turno 400 deputados votarem, estará eleito o candidato que obtiver 201 votos. Se nenhum dos candidatos obtiver a maioria absoluta dos votos válidos, é feita uma eleição em segundo turno, com os dois candidatos mais votados. Em segundo turno, o candidato mais votado é o eleito.

– Esse novo presidente pode tentar se reeleger para o próximo mandato?

– Não pode. O regimento não permite a reeleição durante a mesma legislatura (de quatro anos, período do mandato de deputado federal).

– O que acontece agora com o presidente interino, Waldir Maranhão?

– Continua com o mandato de primeiro-vice presidente da Câmara, que exercia antes de Eduardo Cunha ser afastado da presidência por determinação do Supremo Tribunal Federal.

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Waldir Maranhão, o breve (e nulo)

Interinidade foi marcada por polêmicas e confusões, como a tentativa de anular a votação do impeachment

Por: EVANDRO ÉBOLI

 

Sem traquejo político, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), vai deixar o cargo sem, na prática, quase nunca tê-lo exercido. A presidência caiu no seu colo, com o afastamento de Eduardo Cunha pelo Supremo, mas ele demonstrou pouco preparo para o cargo. Quase nunca conseguiu presidir uma sessão de votações, e ainda protagonizou algumas trapalhadas.

No caso mais barulhento, ele assustou o mundo político ao anular, numa canetada, a aprovação do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, pela Câmara. Diante da confusão, acabou recuando e anulando o próprio ato. E ficou marcado pelo recuo.

De poucas palavras, e econômico na retórica, Maranhão, diferentemente de Cunha, evitou a imprensa o tempo inteiro. É raro vê-lo circulando pelos corredores. Sua relação com Cunha alternava bons e maus momentos. Tomou decisões que favoreceram o peemedebista, como, por exemplo, o afastamento do deputado Fausto Pinato (PP-SP) da relatoria do processo contra Cunha no Conselho de Ética. Mas sua decisão que alcançou maior repercussão foi também a que o inviabilizou de vez como presidente interino: a tentativa de anular o impeachment de Dilma, em 5 de maio. A partir daí, sua vida virou um inferno no plenário da Câmara sempre que tentou presidir as sessões.

— Sai dessa cadeira que não te pertence, deputado Waldir Maranhão — disse a ele, certa vez, o líder do DEM, Pauderney Avelino (AM).

Na votação do impeachment, em abril, Maranhão ficou a favor de Dilma, mas fez uma declaração de fidelidade a Cunha, que tinha garantido sua eleição para vice-presidente da Câmara, em 2015.

— Quero dizer, meu presidente querido, que continuarei sendo leal à sua pessoa — disse Maranhão, ao microfone.

Assim como Cunha, Maranhão também é investigado na Lava-Jato. Segundo o delator Alberto Youssef, seu nome consta na lista de parlamentares do PP que recebiam mesadas entre R$ 30 mil e R$ 150 mil. Ele nega a acusação e aposta que não será denunciado no STF.

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