Valor econômico, v. 17, n. 4055, 26/07/2016. Brasil, p. A3

AGU AUTORIZA CRÉDITO A EMPRESAS DA LAVA-JATO

Por: Daniel Rittner e Murillo Camarotto
Por Daniel Rittner e Murillo Camarotto | De Brasília
 
 
 

A prolongada angústia das empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, que não conseguiram mais financiamento de bancos públicos, pode estar perto do fim. Em um parecer de 19 páginas, a Advocacia-Geral da União (AGU) deixou claro que a existência de investigações e processos judiciais não constitui obstáculo à liberação de novos desembolsos, abrindo caminho para a normalização dos empréstimos.

O parecer, obtido pelo Valor, é uma resposta à consulta formulada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) sobre o risco jurídico das operações de crédito. Uma das travas à continuidade dos repasses era o desconforto de técnicos e diretores do banco de fomento em endossar a liberação de recursos para construtoras que estão na mira da Polícia Federal e do Ministério Público.

"A existência de investigação policial, procedimento administrativo ou processo judicial em desfavor de determinada pessoa jurídica (ou respectivos dirigentes) não é fato que, por si só, seja capaz de impedir a empresa de contratar com a administração pública", diz o parecer da AGU.

Assinado pelo consultor-geral da União, Rodrigo Pereira Martins Ribeiro, o documento não trata da situação específica de nenhuma empresa. Recomenda apenas que haja uma política "adequada" de classificação, provisionamento e garantia da transação financeira para o crédito dado pelas instituições públicas.

A manifestação da AGU - primeira sobre o assunto feita pelo governo interino de Michel Temer - aumenta a expectativa das empresas em torno da retomada do fluxo de crédito para obras dentro e fora do país. O parecer cita a importância do BNDES para investimentos em concessões de infraestrutura e para a exportação de serviços de engenharia.

Em dezembro de 2014, junto com a procuradoria-geral do Banco Central, a AGU já havia se posicionado favoravelmente sobre a "viabilidade jurídica da manutenção de operações realizadas pelo BNDES" com empresas investigadas por "supostos delitos de lavagem de dinheiro e evasão de divisas". De lá para cá, entretanto, a situação se complicou. O empresário Marcelo Odebrecht foi preso e condenado em primeira instância. Novas delações premiadas foram homologadas - incluindo a da Andrade Gutierrez - e a crise na indústria da construção ganhou dimensões maiores. Por isso, o banco se demonstrava inseguro em liberar empréstimos e achou necessário buscar uma nova avaliação oficial para balizar suas posições.

Além da mudança de panorama, o BNDES questionou formalmente se a posição de 2014 estava mantida após o processo movido pela AGU na Justiça Federal para cobrar o ressarcimento de danos causados aos cofres públicos por empresas envolvidas nos casos de corrupção na Petrobras.

"Não há justificativas para alterar o entendimento", diz o novo parecer. As ações de improbidade administrativa foram deflagradas em 2015 e não houve decisão. "O ajuizamento de ação judicial não tem aptidão para, por si só, tornar determinada empresa inidônea", afirma. Se a União já pudesse aplicar diretamente sanções de caráter financeiro aos grupos da Lava-Jato ou suas subsidiárias sem condenação nos tribunais, não haveria sentido nem mesmo em mover o processo, conforme argumenta a AGU.

A expectativa das construtoras, segundo um executivo do setor, é que o parecer se traduza em uma postura mais efetiva do BNDES e dos demais bancos públicos na liberação de financiamentos. Concessionárias de rodovias leiloadas em 2013, por exemplo, ainda não tiveram aprovados seus pedidos de empréstimo de longo prazo para investimentos previstos nos contratos. É o caso da BR-163 (MT), controlada pela Odebrecht Transport, braço de transportes e mobilidade urbana da Odebrecht; da BR-040 (Brasília-Juiz de Fora), administrada pela Invepar; e da BR-153 (entre Anápolis e Palmas), que foi arrematada pela Galvão Engenharia.

Outra paralisia se faz sentir nos recursos às empreiteiras que tocam obras de infraestrutura no exterior. As liberações do BNDES para a exportação de serviços de engenharia caíram para US$ 3 milhões no primeiro trimestre. Em 2013, último ano antes da Lava-Jato, haviam chegado a US$ 1,33 bilhão. Em janeiro e março, nenhum centavo foi liberado. Trata-se de um reflexo das suspeitas de pagamento de propinas por grandes contratos realizados entre as construtoras brasileiras e governos da América Latina e da África.

No mês passado, em sabatina no Senado, o novo embaixador do Brasil em Buenos Aires, Sérgio Danese, alertou sobre o risco de perda de mercado na Argentina. Segundo ele, as empreiteiras nacionais participam atualmente de 11 projetos de infraestrutura no país vizinho, mas dificuldades de financiamento podem levar à ocupação do espaço por concorrentes de outras partes do mundo ­ como europeus e até chineses.