Título: Pequenas e médias empresas precisam de oferta estável de crédito
Autor: Lima, João Heraldo
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2011, Opinião, p. 15

Economista, presidente do Banco Rural, foi diretor de Política Monetária do Banco Central e secretário da Fazenda de Minas Gerais

No momento em que as atenções se voltam para a crise na Europa e nos Estados Unidos, e os possíveis impactos sobre o Brasil, convém refletir sobre dois aspectos importantes da bem-sucedida trajetória de nossa economia nos últimos anos. Um deles é o papel do crédito para as empresas, em especial para as pequenas e médias. Outro é a funcionalidade do sistema financeiro nacional.

Comecemos pelo crédito, que viveu uma enorme expansão nos últimos anos. Dados do Banco Central mostram que essas operações no Brasil somaram, em 2010, R$ 1,17 trilhão, volume quatro vezes superior ao registrado em 2001.

Com a redução das taxas de juros, o acesso das empresas ao crédito ficou facilitado e o empreendedorismo encontrou terreno fértil para florescer. Segundo dados do IBGE sobre demografia empresarial, apenas em 2009 nasceram ou renasceram quase 1 milhão de empresas no país.

Os dados põem à mostra a enorme energia realizadora existente localmente, a qual pode e deve ser potencializada. Um dos meios de fazer isso é aperfeiçoar as condições de acesso ao crédito pelas empresas, em especial pequenas e médias. Melhorias nessa direção contribuiriam para, também, reduzir a mortalidade empresarial, que tira do mercado mais de 700 mil empresas por ano. A diminuição da carga tributária e dos custos burocráticos, por exemplo, teria efeito salutar para a dinâmica demográfica do mercado. Por um lado, aliviaria a pressão nas contas das pequenas e médias empresas. Por outro, propiciaria a redução do grau de informalidade — o que, por consequência, tornaria o crédito bancário mais acessível a elas.

Essas e outras ações que venham a beneficiar as empresas do middle market vão contribuir para robustecer um segmento empresarial responsável por mais de 40% dos empregos, elo fundamental para a viabilização e o fortalecimento das cadeias produtivas e peça fundamental para a dinâmica concorrencial do mercado.

Nessa equação, os bancos pequenos e médios têm um papel singular. São instituições com as quais as pequenas e médias empresas dialogam com mais facilidade — seja porque o atendimento é menos impessoal do que nas grandes corporações, seja porque as instituições menores são mais ágeis e acompanham a evolução do segmento em diferentes fases do ciclo econômico, reconhecendo as dificuldades específicas em cada um deles. Enfim, essas instituições têm compromisso de longo prazo com seus clientes, fazendo com que adquiram uma expertise sólida. Muito diferente das eventuais e passageiras incursões de curto período no middle market, que mais refletem a oportunidade de uma janela mercadológica e a situação econômica do momento.

O fato é que pequenos e médios bancos são responsáveis hoje por 25% do crédito no país. É um número relevante, mas já foi maior — 30% em 2001 — , e aqui entramos na questão da funcionalidade do sistema financeiro.

Uma visão panorâmica sobre o que aconteceu no mercado bancário, enquanto a economia nacional bombava, mostra que, entre 2001 e 2010, os ativos dos bancos aumentaram de R$ 938 bi para R$ 4,3 trilhões. Nesse período de crescimento exuberante, por outro lado, o número de instituições financeiras no Brasil diminuiu. Sim, diminuiu de 182 para 157, considerando apenas bancos comerciais e múltiplos e a Caixa Econômica Federal.

O encolhimento retrata, em alguma medida, o processo de concentração bancária. Dados do Banco Central mostram, por exemplo, que, entre 2006 e 2010, as cinco instituições com mais de 2000 agências aumentaram sua participação e nas operações de crédito, de 50,7% para 68,4%.

Entende-se que a concentração é um fenômeno da globalização e que tem seu lado positivo. Para a economia de qualquer país, é importante que o sistema financeiro esteja aparelhado com organizações de porte global. Levada a extremos, no entanto, essa tendência pode significar uma ameaça ao bom atendimento das necessidades da economia.

Numa economia de mercado cabe aos próprios sujeitos — no caso os bancos pequenos e médios — tratar de defender sua participação no setor financeiro. Mas, como responsáveis pela regulação do mercado, é importante que as autoridades financeiras estejam atentas aos fenômenos desse porte. Não só para evitar que novos desdobramentos da crise mundial aumentem as distorções, mas também, e principalmente, para fortalecer os segmentos médios da iniciativa privada, financeira e não financeira, e com eles, os fundamentos do nosso mercado.