Título: Misto de orgulho e esperança
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2011, Mundo, p. 16

Ao fundo, a reportagem escuta o som de buzinas e gritos. Hisham Bumedian, um engenheiro de computação de 36 anos, caminha da Praça dos Mártires até sua casa, em Trípoli, enquanto conversa com o Correio, por telefone. "É difícil descrever o que eu sinto. Eu estou feliz, mas gostaria de ver Kadafi vivo, atrás das grades", afirmou. Segundo ele, o clima na capital da Líbia é de carnaval. "As pessoas gritam "Kadafi nunca mais" e "Nunca mais o medo", além de "Allahu Akbar". Todos estamos felizes. Ouço gritos e músicas da revolução. Alguns líbios distribuem balas. Antes, quando saíamos com uma câmera nas mãos, corríamos o risco de ser baleados. Agora, muitos pedem que tiremos fotos", contou.

Bumedian ainda se recorda de quando os homens de Kadafi invadiram sua casa, em junho passado. "Eles reviraram tudo e levaram meu irmão. Tudo o que eu sentia era humilhação e desesperança", relata. Apesar da alegria, o engenheiro não se ilude. "A morte do ditador é apenas um capítulo da história do meu país. Os próximos dias serão duros", admite, ao prever uma difícil reconstrução. "Nessa revolução, a coisa mais fácil foi remover Kadafi", emendou.

Em Misrata, 189km a sudeste da capital, o médico Ayman Abushahma não disfarçava a felicidade. "Em 42 anos, Kadafi disseminou o sofrimento. Agora, temos nossa vingança", disse, por telefone. Ele se lembra de quando a cidade começou a ser alvo dos foguetes Grad e dos morteiros disparados pelas forças leais ao ditador. "Nossos mártires da revolução e meu sobrinho morreram", conta.

"Inacreditável" Na mesma cidade, o engenheiro Ahmed Al-Afitori, de 47 anos, afirmou à reportagem que o corpo de Kadafi era mantido ontem dentro de uma mesquita no chamado Mercado Tunisiano — uma área transformada em base do Conselho Nacional de Transição (CNT), a 10km do centro. Ele considerou a situação "uma experiência inacreditável". "Durante 42 anos, vivemos sob essa ditadura. Agora, estamos livres. Ele não vai mais existir", comemorou. De acordo com Ahmed, Misrata permaneceu tranquila durante quase todo o dia. "As pessoas estão à frente das tevês, à espera de notícias. Agora, elas começam a sair às ruas, clamando que a Líbia está livre. Você não pode imaginar como elas estão felizes", contou.

Ahmed crê que o futuro da Líbia é muito promissor. "Tenho certeza de que ele será muito democrático; as coisas vão acontecer suavemente", disse, em meio ao barulho de tiros de celebração. Nos últimos oito meses, ele enterrou um tio e três primos — um deles morreu na terça-feira, no campo de batalha. "As pessoas cujos familiares foram mortos durante a revolução estão felizes, porque elas fazem parte da história do país", acrescentou. (RC)