Título: Fim da caçada
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 21/10/2011, Mundo, p. 16

Muamar Kadafi é capturado em tubulação de esgoto e morto com um tiro na cabeça. Novo governo deve anunciar hoje a libertação do país

Coberto de sangue e cambaleante, o ditador Muamar Kadafi, de 69 anos, é empurrado pelos rebeldes do Conselho Nacional de Transição (CNT) diante de uma camionete. A multidão grita, eufórica, o Takbir: "Allahu Akbar" ("Deus é grande", em árabe). O homem que governou a Líbia com punhos de aço desde 1969 está à mercê dos inimigos, em Sirte, sua cidade natal — situada a 463km de Trípoli. Ele tem os cabelos puxados e "desaparece" no meio dos guerrilheiros.

O vídeo com as imagens, divulgado pela rede de tevê As-Somood (de Misrata), foi o último registro de Kadafi ainda vivo. "Nós temos esperado por este momento por um longo tempo. Muamar Kadafi foi morto", anunciou Mahmud Jibril, primeiro-ministro do CNT. "(Mustafá) Abdel Jalil (chefe do governo de transição) vai proclamar hoje a libertação do país", acrescentou.

As circunstâncias da morte do tirano ainda são conflitantes e há suspeitas de execução sumária. Abdel Majid Mlegta, comandante rebelde em Sirte, revelou à agência Reuters que ele foi ferido nas duas pernas e na cabeça. Uma das imagens exibidas pela tevê Al-Jazeera era a de um homem, bastante parecido com o ditador, com um buraco de bala na têmpora esquerda. Um médico relatou à agência Associated Press que Kadafi apresentava duas marcas de tiros no peito.

Jibril confirma que o líder líbio deposto morreu com um disparo na cabeça, durante um tiroteio. "Quando encontraram (Kadafi), ele estava bem e levava uma arma", declarou. "Kadafi foi retirado de uma tubulação de esgoto... Ele não mostrou qualquer resistência. Quando começamos a retirá-lo, ele foi atingido por uma bala no braço direito e, no momento em que o colocaram em uma camionete, ele não tinha qualquer outro ferimento", acrescentou. Segundo o premiê, o veículo ficou sob fogo cruzado entre rebeldes e simpatizantes de Kadafi, quando ele foi atingido por uma bala na cabeça.

Em entrevista ao Correio, por telefone, o líbio Guma El-Gamaty — representante do CNT no Reino Unido — contou que o ditador estava escondido no Distrito 2 de Sirte. "O local foi cercado pelos guerrilheiros da liberdade. Nossos homens invadiram o prédio e houve troca de tiros. Kadafi recusou-se a se entregar e acabou ferido, mas estava vivo durante sua captura", afirmou. Segundo ele, o ex-líder faleceu dentro de uma ambulância, enquanto era transferido para Misrata, a 250km de Sirte. "O que está acontecendo? Quem são vocês? O que está acontecendo?", teriam sido as palavras de Kadafi antes de ser rendido, de acordo com El-Gamaty. A suposta ambulância citada por ele aparece no vídeo da tevê As-Somood. Mutassim, um dos filhos de Kadafi, e Abdullah Al-Senussi, chefe de inteligência do antigo regime, morreram ao lado do ditador. Outro filho, Saif Al-Islam, tentou fugir pelo deserto, no sul do país, mas também foi abatido. As mortes lançam o temor do surgimento de uma nova tirania.

Segundo a tevê Al-Arabyia, o governo de transição pretende enterrar o corpo de Kadafi em um local secreto. "Essa é a vitória final da revolução", disse El-Gamaty. Com a confirmação da morte, o medo deu lugar ao êxtase coletivo. A multidão tomou as ruas das principais cidades da Líbia (leia nesta página).

Últimos momentos Com base no relato de testemunhas e dos vídeos feitos por celulares, a tevê Al-Jazeera recompilou os últimos momentos do tirano. Pouco antes das orações do alvorecer, Kadafi, dezenas de guarda-costas leais e Abu Bakr Yunis Jabr — chefe do Exército líbio — tentaram deixar Sirte em um comboio de 15 caminhões. A cidade havia acabado de cair nas mãos do CNT. Uma aeronave francesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) atacou a comitiva, destruindo todos os veículos e matando 50 homens.

"Kadafi desceu de um jipe e tentou fugir por uma tubulação, mas nossas forças abriram fogo e ele saiu com um Kalashnikov (fuzil de assalto) em uma mão e uma pistola na outra", descreveu Mohamed Leith, comandante das forças insurgentes no sul de Misrata. "Olhou para a direita e para a esquerda e disse: "O que está acontecendo"? Os rebeldes abriram fogo outra vez, ferindo-o no ombro e na perna, e ele sucumbiu", comentou. O guerrilheiro Omran Jouma Shawan garantiu que um dos guardas de Kadafi acertou o ditador no peito.

O trágico destino do líder líbio encerra mais um capítulo da chamada Primavera Árabe. O levante pró-democracia no Oriente Médio derrubou o tunisiano Zine El-Abidine Ben Ali e o egípcio Hosni Mubarak. Kadafi é o primeiro ditador morto. O presidente dos EUA, Barack Obama, adotou cautela ao comentar o fim do comandante. "Será uma longa estrada, não vamos nos iludir. Os EUA estão comprometidos com o povo líbio. Vocês ganharam uma revolução", disse. "Serão dias difíceis, mas de esperança."