Sem mudar Previdência, será preciso aumentar impostos em 10% do PIB

 

31/07/2016
Murilo Rodrigues Alves
Adriana Fernandes

 

Sem o endurecimento nas regras de concessão de aposentadoria no Brasil, a carga tributária terá de crescer o equivalente a 10% do PIB para pagar os benefícios previdenciários.

Em valores de hoje, seria um acréscimo de R$ 600 bilhões a um total de impostos e contribuições pagos que já ultrapassa a casa dos R$ 2 trilhões.

E, mesmo assim, o rombo continuaria do mesmo tamanho, diz o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, escolhido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, para tocar o alicerce técnico da reforma da Previdência.

“Qual o custo você prefere?”, questiona. “Mesmo com esse aumento de tributos, continuaríamos com um rombo na Previdência em torno de 2% do PIB”, disse, em entrevista ao Estado.

O crescimento das despesas do INSS depende do cenário com que se trabalha. Pelas regras atuais, elas cresceriam 8,5% do PIB até 2060. Com a adoção isolada da idade mínima de 65 e 60 anos para homens e mulheres, surpreendentemente o gasto subiria quase 10% do PIB no período (veja reportagem abaixo).

Isso porque o modelo é efetivo no curto e no médio prazos, mas como não acompanha a evolução da expectativa de vida, aumenta os gastos no longo prazo.

Caetano diz que esse cenário para os próximos 44 anos reforça a importância das mudanças nas regras de acesso à aposentadoria para garantir a sustentabilidade do sistema previdenciário a longo prazo. O desafio, reconhece, vai ser convencer a população – e os parlamentares – que é preciso agir agora.

“Quero uma aposentadoria não só para meus pais, que são aposentados; mas para mim, que ainda vou me aposentar; para os meus filhos, que nem entraram no mercado de trabalho; e para meus netos, que nem nasceram”, afirma. “Para isso, são necessários ajustes.” Algumas dessas mudanças já foram abordadas pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, eleito o porta-voz político do governo sobre o tema. Aos poucos, ele vem testando a reação das pessoas ao divulgar, em redes sociais, algumas das possíveis alterações.

O ministro antecipou três pontos que devem estar na reforma: 1) a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição (previamente estipulada em 60 e 65 anos para mulheres e homens, respectivamente); 2) um “pedágio” de 40% a mais no tempo que falta para aposentar como regra de transição; 3) a unificação de todos os regimes – da aposentadoria rural e urbana, de trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos, incluindo os militares. Ao mexer com a caserna, as resistências já foram endereçadas aos interlocutores do presidente.

Caetano diz que trabalha com cenários distintos, que envolvem mudanças nas condições de acesso, no cálculo do benefício e na forma como são corrigidas as aposentadorias para garantir, além da sustentabilidade, um sistema mais igualitário.

“Tem de pensar numa consistência interna. O que vai ser feito em cada uma dessas três pilastras é uma decisão política.”

 

Prazo. No Ministério da Fazenda, a ordem é que se cumpra o compromisso de enviar a proposta até o fim deste ano. Do ponto de vista técnico, Caetano garante ser possível. A expectativa do governo é que a reforma provoque um efeito nas contas públicas em quatro, cinco anos após ser aprovada. Nesse intervalo, o governo ganha com a confiança dos investidores de que a dívida pública entrará numa trajetória mais “saudável”.

Com essas medidas, Meirelles e companhia esperam recuperar o grau de investimento do País – selo de bom pagador – e abrir caminho para uma queda mais consistente dos juros.

O secretário da Previdência rebate o argumento das centrais sindicais de que a fixação de uma idade mínima na aposentadoria por tempo de contribuição prejudica os mais pobres, que entram mais cedo no mercado de trabalho. No entanto, estudo recente aponta que seis de cada dez aposentados por tempo de contribuição estão entre os 40% mais ricos da população. “No fundo, a aposentadoria por tempo de contribuição está mais direcionada ao público que ingressa de forma mais regular no mercado formal de trabalho”, afirma.

As centrais têm defendido também que o governo foque no lado das receitas, com o aumento de impostos para o “andar de cima” para bancar o déficit da Previdência. Para o secretário, porém, não há possibilidade de fechar as contas só pelo incremento nas receitas porque, qualquer que seja o tributo, a arrecadação continuaria no mesmo patamar ao longo dos anos, enquanto as despesas aumentariam, por questões demográficas.

O envelhecimento da população brasileira vai se dar em um ritmo muito mais veloz do que o ocorrido em outros países. A Europa levou cerca de 50 anos para passar de uma participação de pessoas de 60 anos ou mais na população total de 11,8% para 20,3%. Os países da América Latina, incluindo o Brasil, vão percorrer trajetória similar (de 11,2% para 21%), de 2015 a 2040, em apenas 25 anos. Em 2060, o Brasil terá cerca de duas pessoas em idade ativa para cada idoso de 65 anos ou mais.

A aposentadoria por tempo de contribuição, sem exigência de idade mínima, é rara no cenário internacional. Apenas o Brasil e mais outros 12 países, a maior parte árabes, de um total de 117 nações, adotam esse tipo de benefício, segundo dados da Associação Internacional de Seguridade Social (AISS). Cinco desses 13 países impedem o acúmulo do benefício previdenciário com rendimentos de trabalho e 12 deles adotam regras de redução do valor de benefício para aposentadorias precoces.

 

Impostos

R$ 600 bi seria o valor a ser pago a mais em impostos e contribuições caso não seja feita uma reforma da Previdência

R$ 2 tri é o que o contribuinte brasileiro já paga nos dias de hoje

 

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Adoção de idade mínima seria solução por tempo limitado

 
31/07/2016
Adriana Fernandes
Murilo Rodrigues Alves

 

Projeções realizadas por economistas do governo indicam que, mesmo com reformas, as despesas com a Previdência Social continuarão crescendo, principalmente no longo prazo, exigindo medidas adicionais, como o aumento da carga tributária, para compensar o maior custo com aposentadorias e pensões.

Nos cenários mais otimistas, em que uma regra de idade mínima seja aprovada, o gasto se estabilizaria em torno dos atuais 8% do PIB por uma década, mas depois voltaria a crescer até atingir quase 10% do PIB em 2040 e 14% do PIB em 2060.

A proposta em estudo pelo governo, de adoção da idade mínima de 65 e 60 anos para homens e mulheres, de forma progressiva, é uma alternativa considerada efetiva para melhorar a trajetória das despesas previdenciárias no longo prazo, mas não resolverá o problema, na avaliação dos economistas do governo.

Traria benefícios por tempo limitado e teria de se complementada por outras reformas.

“Parece claro que a alternativa de adoção de uma idade mínima não melhorará substantivamente o cenário de longo prazo que tínhamos antes da flexibilização do fator previdenciário”, diz estudo que trata da introdução no Brasil da idade mínima e o fim do fator previdenciário, elaborado este ano por pesquisadores liderados por Marcelo Caetano, atual secretario de Previdência do Ministério da Fazenda e pesquisador do Ipea.

O trabalho, ainda não publicado, foi feito antes de Caetano integrar a equipe do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O especialista agora faz parte do grupo do governo que prepara a proposta de reforma da Previdência.

A expectativa é que a proposta seja enviada até o final do ano para ser votada em 2017.

 

Insuficiente. No estudo, que conta com a participação de outros cinco especialistas do governo, a introdução da idade mínima é vista como uma alternativa necessária, mas insuficiente.

Medidas adicionais – como a redução da diferença de exigências entre homens e mulheres e a desvinculação entre o salário mínimo e o piso previdenciário – terão de ser consideradas.

O problema todo está concentrado no fenômeno do envelhecimento populacional. A proporção de pessoas com 60 anos ou mais de idade vai pular de 12% para 24% nos próximos 24 anos e chegará a 33,7% em 2060.

A idade mínima teria o efeito de adiar o projeto de aposentadoria de parte da população por um período de tempo, mas seria neutralizada no longo prazo pelos novos aumentos na expectativa de vida, fazendo que o gasto cresça em proporção do PIB.

As projeções demográficas indicam que por um bom tempo esse contingente de idosos vai crescer a uma taxa de 3%, enquanto a população vai crescer bem menos. O economista Sérgio Gobetti, do Ipea, alerta que essa tendência também dependerá de quanto crescer o PIB, os salários e de como serão reajustados os benefícios previdenciários daqui para a frente. Mas ele considera inevitável um ajuste na carga tributária.

“O caminho do ajuste via arrocho salarial seria um retrocesso para a sociedade brasileira e não garante o equilíbrio das contas”, diz. “O ajuste na carga tributária não só é necessário, mas desejável, porque permite a rediscussão de algumas distorções da legislação tributária que geram ineficiência econômica e iniquidade social.” Mais da metade dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) reduziram a tributação do lucro das empresas, mas mais do que compensaram isso com o aumento da tributação dos dividendos distribuídos a acionistas entre 2008 e 2015. /A.F. e M.R.A.

 

Desequilíbrio

“O caminho do ajuste (da Previdência) via arrocho salarial seria um retrocesso para a sociedade brasileira e não garante o equilíbrio das contas.”

Sérgio Gobetti

PESQUISADOR DO IPEA

 
 
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O Estado de São Paulo, n. 44847, 31/07/2016. Economia, p. B1