Lula e Marisa orientaram reforma em sítio, diz PF

 

29/07/2016
Fausto Macedo
Julia Affonso
Ricardo Brandt
Mateus Coutinho

 

Um laudo da Polícia Federal na Operação Lava Jato afirma que há indícios de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ex-primeira-dama Marisa Letícia orientaram obras para a instalação da cozinha do sítio Santa Bárbara, em Atibaia (SP). A reforma da propriedade rural que era frequentada pela família do petista é alvo de inquérito da operação. A investigação apura se Lula usou o imóvel para ocultar patrimônio.

A PF aponta o empreiteiro José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, da OAS, e o arquiteto da construtora Paulo Gordilho como executores da reforma da “cozinha gourmet” do sítio – que custou R$ 252 mil. Os equipamentos foram instalados em 2014 e a execução da obra, diz o documento, “foi acompanhada por arquiteto” da OAS e “com orientação do ex-presidente Lula e sua esposa”.

Conforme o laudo, as reformas no sítio – iniciadas no segundo semestre de 2010, quando Lula exercia o segundo mandato na Presidência –, foram bancadas pela OAS e Odebrecht.

As duas empresas são investigadas por formação de cartel na Petrobrás entre 2004 e 2014. Exames periciais, diz o documento, constataram “que as primeiras reformas do sítio tiveram a participação do engenheiro Frederico Horta, funcionário da Odebrecht”. “Concluída a primeira fase das reformas, ainda em 2011, algumas outras intervenções foram realizadas no sítio ao longo dos anos seguintes.

A que mais se destaca pelo valor imobilizado foi a instalação da cozinha gourmet.” Outro trecho do laudo da PF destaca que o empresário Fernando Bittar, que oficialmente é um dos proprietários do sítio, não tem rendimentos suficientes para bancar a compra e a reforma do imóvel. Segundo a análise, o montante de RS 1,7 milhão gasto “na compra e ampliação do sítio apresenta-se discordante frente aos rendimentos”.

O sítio Santa Bárbara foi vendido a Fernando Bittar e Jonas Leite Suassuna Filho “para uso da família do sr. Luiz Inácio Lula da Silva”, afirma o documento.

Fernando é filho do sindicalista Jacó Bittar, amigo de Lula. Ele e Suassuna são sócio de um dos filhos do ex-presidente. Ao apresentar defesa sobre o caso no Supremo Tribunal Federal, advogados de Lula afirmaram que o imóvel no interior paulista foi comprado na época por Jacó Bittar para que as duas famílias pudessem “conviver” e para que o ex-presidente pudesse “acomodar objetos” recebidos do “povo brasileiro” durante seus dois mandatos.

A defesa de Lula alegou ainda que ele só soube da aquisição do sítio “em 13 de janeiro de 2011, após ter deixado o cargo de presidente da República”.

 

Cachaça. O laudo diz que a OAS criou um centro de custo denominado “zeca pagodinho” para cuidar da instalação da cozinha do imóvel. Cita ainda mensagens de Gordilho, supostamente com um parente. O arquiteto se refere ao sítio como “fazenda de Lula” e pede “sigilo absoluto”. “Sigilo absoluto hem. Amanhã vou em um churrasco em Atibaia com Léo é na fazenda de lula e vamos encontrar com ele na estrada e vou passar o dia lá com ele e D. Mariza”, escreveu o arquiteto.

Na sequência de mensagens trocadas por WhatsApp, o arquiteto fala sobre a visita ao sítio “exclusivamente para dirimir dúvidas do casal Lula da Silva”.

Gordilho relata um encontro com o ex-presidente na propriedade em fevereiro de 2014. “Bebemos eu e ele uma garrafa de cachaça da boa Havana mineira e uma 15 cervejas.” O encontro teria ocorrido em 9 de fevereiro daquele ano, na área de churrasqueira do sítio. Segundo o laudo, foram encontradas dez fotos com o registro da reunião.

 

Economias. O advogado Alberto Zacharias Toron, que representa Fernando Bittar, disse que os recursos para a aquisição do sítio foram repassados por Jacó Bittar, pai dele. “O fato de o laudo da Polícia Federal afirmar que Fernando Bittar não tinha capacidade econômica para comprar o sítio é destituído de relevância porque está comprovado que o dinheiro para a compra veio das economias do pai dele. Aliás, ele já disse isso ao prestar depoimento perante o Ministério Público Federal em Curitiba, onde compareceu espontaneamente há mais de 6 meses e juntou documentos.” O Estado enviou por e-mail questionamentos à assessoria de Lula sobre todos os pontos do laudo que citam o ex-presidente e seus familiares, mas não obteve resposta até a conclusão desta edição. Procurado, o advogado Roberto Teixeira, que representa o petista, também não respondeu. As defesas da OAS e da Odebrecht não se pronunciaram. / FAUSTO MACEDO, JULIA AFFONSO, RICARDO BRANDT e MATEUS COUTINHO

 

INVESTIGAÇÃO

● Sítio em Atibaia (SP) usado pela família do ex-presidente Lula é alvo de inquérito na Lava Jato; imóvel, reformado por empreiteiras investigadas, pertenceria ao petista

Os indícios que ligam o petista ao sítio, segundo laudo da PF

 

Cozinha

O ex-presidente Lula e sua mulher, Marisa Letícia, “orientaram” a instalação da cozinha do sítio que custou R$ 252 mil, diz a PF. Trecho do laudo cita, ainda, o arquiteto da empreiteira OAS, Paulo Gordilho

 

Gastos x renda

Laudo aponta que o empresário Fernando Bittar, dono do sítio, não tem rendimento suficiente para bancar a compra e a reforma do imóvel.

 

‘Centro de custo’

Em conversa com Léo Pinheiro, da OAS, o arquiteto Paulo Gordilho fala sobre dois “centros de custo” – um cuidaria do sítio e o outro de tríplex na praia, imóvel também investigado

 

‘Fazenda de Lula’

Em outro trecho do laudo, o arquiteto da OAS, Paulo Gordilho, menciona um encontro na “fazenda de Lula”

 

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Executivo cita pressão de ex-ministro por doações

 

Fausto Macedo

Ricardo Brandt

Julia Affonso

Mateus Coutinho

 

O presidente afastado da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, disse ontem ter sido pressionado pelo ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social Edinho Silva para fazer repasses à campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff, em 2014. O depoimento foi dado à força-tarefa da Operação Lava Jato após o executivo ter fechado acordo de delação. Ele cita quatro encontros ocorridos durante o período eleitoral com o titular da pasta e o assessor especial de Dilma, Giles Azevedo.

O executivo voltou a citar uma reunião, em 2008, em que acusa o então presidente da legenda, Ricardo Berzoini, de cobrar 1% de todos os contratos da construtora com o governo federal. “Quis jogar com ele (Edinho) no sentido de ele entender que eu estava ali (em 2014) cumprindo orientação também deles próprios (PT, após acordo com Berzoini), de 2008”, disse.

Em 2014, a Andrade doou R$ 21 milhões para a campanha de Dilma e R$ 20 milhões para a campanha de Aécio Neves.

Edinho é investigado pela 13.ª Vara Federal de Curitiba com base em delações premiadas que afirmam que ele pediu R$ 20 milhões para a campanha de Dilma, em 2014, mediante pressão. O ex-ministro, então tesoureiro da campanha, teria dito a doadores que qualquer repasse “se pagaria”.

Procurado ontem à noite, ele não foi localizado. Edinho tem negado a prática de qualquer irregularidade e diz sempre agir “de maneira ética”. A defesa de Giles não foi localizada. Em ocasiões anteriores, Berzoini negou ter pedido repasses de propina à Andrade Gutierrez. / F.M., R.B., J.A. e M.C.

 

O Estado de São Paulo, n. 44845, 29/07/2016. Política, p. A4