Valor econômico, v. 17, n. 4053, 22/07/2016. Política, p. A8

Marqueteiro diz que recebeu de caixa 2 na campanha de 2010

Por: Fernando Taquari, Cristiane Agostine e Ricardo Mendonça

Por Fernando Taquari, Cristiane Agostine e Ricardo Mendonça | De São Paulo

 

Em depoimento ao juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, o marqueteiro João Santana e sua mulher, a empresária Mônica Moura, reconheceram pela primeira vez que receberam US$ 4,5 milhões por caixa dois pela campanha da presidente Dilma Rousseff de 2010. O montante, segundo o casal, que prestou depoimento separadamente, foi pago pelo lobista Zwi Skornicki, operador de propinas, a mando do ex-tesoureiro do PT João Vaccari.

Com declarações similares, Santana e Mônica afirmaram que mentiram à Polícia Federal, em fevereiro, quando declararam que o valor teria sido pago por Zwi referente à campanha eleitoral de José Eduardo dos Santos à Presidência de Angola. Os dois disseram que mentiram para não prejudicar a situação política de Dilma, que estava sob pressão com o pedido de impeachment na Câmara.

"Achava que iria piorar a situação do país falando o que realmente aconteceu e acabei falando que foi o recebimento de uma campanha no exterior", afirmou Mônica. A empresária disse que a campanha de Dilma ficou com uma dívida de US$ 5 milhões, ou cerca de R$ 10 milhões à época, com sua empresa, e disse que cobrou por dois anos o então tesoureiro do PT.

No início de 2013 Vaccari teria dito para ela procurar "um grande empresário" que queria contribuir com o PT e passou o contato de Zwi. "Foi caixa dois mesmo", disse, reforçando que o valor não foi declarado por sua empresa nem pela campanha. O montante foi pago em prestações até 2014, mas Mônica disse não ter recebido a última parcela, de US$ 500 mil, e não cobrou. "Fiquei esperando para ter tempo de procurá-lo", disse, lembrando que estava "envolvidíssima" com a campanha de reeleição de Dilma.

A versão, confirmada por Santana, é coerente com a delação de Zwi, que também prestou depoimento ontem a Sergio Moro.

Segundo o lobista, Mônica esteve em seu escritório por orientação de Vaccari para cobrar US$ 5 milhões. Zwi afirmou que disse a ela que não tinha condições de pagar tudo de uma vez e propôs um parcelamento de dez pagamentos de US$ 500 mil. No entanto, informou, foram feitos nove repasses, disse, o que totaliza justamente US$ 4,5 milhões.

Zwi era representante no Brasil do estaleiro Keppel Fels. Ele afirmou que o dinheiro entregue a Mônica era oriundo de uma fração de contratos que a empresa tinha com a Petrobras para construção da plataforma P-56.

Questionados se sabiam da origem ilícita dos recursos, Mônica e Santana afirmaram que jamais pensaram nisso. Ela confessou ter tido "receio" por receber de forma ilícita e por usar uma conta não declarada no exterior, da offshore ShellBill. Informou que a offshore é de Santana e que seu marido já tinha a empresa com conta na Suíça em 1999, quando se casaram.

A empresária afirmou que nem os partidos nem as empresas querem declarar o real valor envolvido nas campanhas eleitorais e por isso a prática do caixa dois, especialmente para pagar o marketing, é "absolutamente comum".

Santana condenou o uso do caixa dois e afirmou que se arrependeu de receber recursos de campanha por fora. "Significa antes de tudo um constrangimento profundo. É um risco, um ato ilegal", disse. Em seguida enfatizou que é preciso "rasgar o véu de hipocrisia que cobre as relações políticos eleitorais no Brasil e no mundo". Indagado por Sergio Moro se não havia outra alternativa, Santana disse que cedia diante das "circunstâncias do mercado".

O casal evitou responder sobre supostos depósitos e pagamentos da Odebrecht que dizem respeito a outra ação penal que trata do setor de "divisão de propinas" da empreiteira, como ficou conhecida a área de Operações Estruturadas da empresa baiana.

Mônica e Santana afirmaram que não se negarão a colaborar com a justiça, mas mediante um acordo. "Estou disposta a esclarecer todos os detalhes, todos os assuntos referentes também a esse processo, mais adiante", disse ela. "Estou disposta a colaborar o máximo possível, mas mediante um acordo com a Justiça. Queria deixar para o outro processo."

No fim de sua fala, Santana fez um desabafo. Disse que 98% das campanhas no Brasil usam caixa dois, que milhares de profissionais, "de todas as camadas sociais e de diversas profissões", são remunerados via caixa dois, mas ele e Mônica eram os únicos presos. "Viramos símbolos, estamos sofrendo um peso enorme."

As assessorias de Dilma, do PT e de Vaccari não foram localizadas até o fechamento desta edição.