O globo, n. 30291, 13/07/2016. País, p. 6

Cunha se defende na CCJ fazendo ameaça velada a parlamentares

Deputado lembra que há 147 sob investigação e que todos também podem ser cassados

Por: Letícia Fernandes

 

Após quase cinco horas de sessão, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara adiou ontem, mais uma vez, a definição sobre o futuro do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Antes que o presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDB-PR), encerrasse os trabalhos, Cunha e seu advogado usaram quase três horas da sessão para contestar pontos do relatório do deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), relator de seu recurso na CCJ.

Mas foi um argumento nada técnico que chamou mais atenção: em tom de ameaça velada, Cunha lembrou que há 117 deputados e 30 senadores sob investigação pelos mais diversos motivos, e tentou mostrar aos integrantes da CCJ que supostas injustiças cometidas contra ele podem também acontecer com os demais.

— A palavra do órgão acusador virou sentença transitada em julgado, é um processo político. Então, garanto que nenhum dos 117 deputados e 30 senadores investigados sobreviverá nesta Casa, e deverão ser todos cassados — disse Cunha.

 

“É O EFEITO ORLOFF”

Cunha argumentou que diversos procedimentos adotados pelo Conselho de Ética feriram as regras do regimento da Câmara, o que poderia abrir um “precedente perigoso”.

— Hoje, sou eu. É o efeito Orloff: “Vocês, amanhã” — disse em referência ao slogan de uma propaganda de vodka, na década de 1980, que dizia “Efeito Orloff: eu sou vocês amanhã”.

O presidente da CCJ, Osmar Serraglio (PMDBPR), convocou nova sessão para hoje, às 9h30m, mesmo dia da eleição para presidente da Câmara. A votação do processo que pode cassar o mandato de Cunha em plenário ficará para agosto, depois do recesso parlamentar. Mas deputados ainda tentam fazer com que a CCJ vote o relatório de Fonseca antes do recesso.

— O que a CCJ está fazendo aqui é um velório político. A gente precisa se livrar desta alma penada política — criticou o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

Depois de oito meses de manobras e protelações no Conselho de Ética, onde o relatório que pedia a cassação de Cunha foi aprovado por 11 votos a 9, na CCJ aliados do peemedebista continuam tentando atrasar o processo. Apesar do encerramento da sessão ontem, o líder do PSOL, deputado Ivan Valente (SP), disse acreditar que será possível votar hoje o relatório:

— Tenho certeza de que amanhã (hoje) conseguiremos aprovar o requerimento de encerramento de discussão e liquidar essa fatura na CCJ.

O deputado Rubens Bueno (PR), líder do PPS, criticou a postergação:

— O adiamento da votação prolonga ainda mais a agonia da Câmara, que, desde o ano passado, convive com essa novela. Está mais do que claro que o mandato de Cunha, réu na Lava-Jato, precisa ser cassado.

Ao discorrer sobre o processo no Conselho de Ética, Cunha disse que houve “má-fé” do presidente do Conselho, José Carlos Araújo (PR-BA), que cancelou sessão de votação no colegiado por crer que não teria número para derrotar Cunha naquele dia. Após o ocorrido, disse à imprensa que tinha feito “uma manobra do bem”.

No fim da sessão, Cunha afirmou que não fez ameaças quando disse que nenhum dos 117 deputados sobreviveria. Só lembrou que, se forem julgados da forma que ele está sendo, perderão o cargo. Alencar comentou as ameaças de Cunha:

— Ele fez ameaças veladas e reiteradas aos 117 deputados sob inquérito ou ação penal, ao dizer “vocês amanhã podem ser eu”.

Durante a sessão, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), aliado de Cunha, apresentou requerimento para adiar a sessão por dez dias úteis. Foi derrotado por 40 votos a 11, o que foi visto pelos adversários de Cunha como um sinal claro de que a influência do ex-presidente da Câmara na CCJ está minguando.

A sessão foi aberta com o relator, deputado Ronaldo Fonseca (PROS-DF), apresentando a complementação de seu voto. O advogado de Cunha, Marcelo Nobre, foi o primeiro a falar no tempo da defesa e refutou novamente a acusação de que seu cliente mentiu à CPI da Petrobras ao declarar não ter contas no exterior.

Nobre disse que o relator do processo no Conselho de Ética, deputado Marcos Rogério (DEMRO), fez uma “pirotecnia” para tentar distorcer uma informação em seu parecer:

— Repito: cadê a prova da conta-corrente no nome do meu cliente? O relator no Conselho precisou de 90 páginas para fazer uma construção, uma pirotecnia para tentar dizer que uma coisa era outra, que meu cliente tinha conta e mentiu. E ele não tem, não mentiu, essa é uma realidade inconteste.

 

“TRILHO DA LEGALIDADE”

Nobre também respondeu ao presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PR-BA), que reclamou das manobras de Cunha que atrasaram o andamento do processo. O advogado disse que foram os recursos regimentais que recolocaram o processo no “trilho da legalidade”:

— Temos apontadas 16 ilegalidades (no recurso apresentado), e ouvi, me segurando, o presidente do Conselho dizer que o processo foi demorado por conta do meu cliente ou da defesa. Não admito, não fomos nós que erramos. Por isso, não dá para aceitar que nossos recursos regimentais sejam considerados manobras. Manobras foram os erros. Nós trouxemos esse processo novamente para o trilho da legalidade.

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Janot: deputado atrasa andamento de inquérito no STF

Procurador-geral afirma que intenção de recurso é ‘meramente procrastinatória’
 
Por: André de Souza
 

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, acusou o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDBRJ) de apresentar um recurso apenas para atrapalhar o andamento de um inquérito que investiga se ele se beneficiou de dinheiro desviado de Furnas. O deputado quer que o ministro relator, Dias Toffoli, reconsidere sua decisão de abrir a investigação. De acordo com Janot, trata-se de um pedido descabido.

O inquérito tem como base a delação premiada do ex-senador Delcídio Amaral, que acusou Cunha de ter liderado um esquema de desvio de dinheiro na estatal. De acordo com Delcídio, a diretoria anterior de Furnas era “muito ligada" ao expresidente da Câmara, investigado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

“A pretensão é meramente procrastinatória, contrária aos reiterados precedentes do STF e tem a finalidade única de, subvertendo o sistema de investigações, procurar atravancar o regular andamento do feito", escreveu Janot.

No recurso, a defesa sustentou que as afirmações de Delcídio são baseadas em “por ouvir dizer", o que não serviria para dar início a investigação. Janot rebateu o argumento. Segundo ele, “existem fortes indícios (todos também concatenados entre si) — e para além da colaboração premiada — demonstrando que Eduardo Cunha foi o responsável por alterar a legislação energética para beneficiar seus interesses e de Lúcio Bolonha Funaro no setor".

 

INFLUÊNCIA EM FURNAS

O doleiro Funaro foi preso em 1º de julho, acusado de ter desviado recursos do FIFGTS, fundo de investimento gerido pela Caixa Econômica Federal. Janot destacou que Cunha foi relator de duas medidas provisórias, em 2007 e 2008, que “favoreceram a empresa Serra da Carioca II, em contexto envolvendo Furnas". Na época, a empresa era presidida pelo ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, indicado pelo ex-presidente da Câmara.

Sobre as prerrogativas de Cunha como parlamentar, Janot, em documento encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, argumentou que a renúncia ao cargo de presidente da Câmara não muda a situação do peemedebista: “Está muito bem estabelecido na decisão do plenário do STF que o réu, denunciado e investigado em vários feitos, por vários fatos gravíssimos em concreto, em face de medida cautelar penal menos gravosa que a prisão, está expressamente afastado do exercício parlamentar, seja na condição individual ou então como presidente da Câmara", escreveu.

Segundo o procurador-geral, a proibição de circular pela Câmara não impede que Cunha exerça seu direito de defesa. “Quando necessário comparecer justificadamente para prestar algum esclarecimento de forma pessoal, nenhum óbice para o requerente ir ao parlamento. Mas limitado só e exclusivamente ao exercício de sua defesa pessoal quando imprescindível", disse Janot.

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Cláudia Cruz alega que não tinha como saber se origem do dinheiro era ilícita

Advogados afirmam que jornalista tem confiança ‘irrestrita’ no marido, Eduardo Cunha

Por: Renato Onofre
 

Os advogados da jornalista Cláudia Cruz, mulher do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, afirmaram que ela não tinha como desconfiar que depósitos milionários feitos pelo seu marido em uma conta oculta no exterior poderiam ter origem ilícita. Em petição encaminhada ao juiz Sérgio Moro, a defesa afirmou que Cláudia tem confiança “irrestrita” no marido, acusado de receber mais de US$ 5 milhões em propina.

Para os advogados, parte das acusações contra o casal é decorrente da “notória inimizade” entre Cunha e a presidente afastada, Dilma Rousseff. Os advogados Pierpaolo Bottini, Cláudia Vara San Juan Araújo e Stephanie Guimarães afirmam também que as provas produzidas pela Operação Lava-Jato contra a jornalista são ilícitas e que as investigações violaram o direito à ampla defesa.

A defesa pede a absolvição sumária de Cláudia Cruz e a rejeição das denúncias. Os defensores sustentam ainda que os valores depositados em sua conta na Suíça vieram de Cunha e que ela não tinha motivos desconfiar de irregularidade: “Seria excessivo exigir de uma esposa que desconfiasse dos valores repassados pelo marido para gastos pessoais e instrução com filhos”, afirmam os advogados, para quem a compra de bolsas e artigos de luxo não caracteriza lavagem de dinheiro.

“Comprar sapatos, bolsas e pagar escolas e instituições de ensino para filhos não tem natureza de conversão em ativos lícitos. Os recursos não foram transformados em ativos passíveis de operações posteriores, mas foram consumidos”, diz a petição.

Cláudia Cruz é acusada de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Ela teria ficado com parte da propina — cerca de US$ 1,5 milhão — que Cunha recebeu para viabilizar a aquisição de um campo de exploração de petróleo na África pela Petrobras. A Lava-Jato afirma que Cláudia Cruz usou os recursos para pagar contas em hotéis de luxo e para comprar bolsas e roupas.

 

DEFESA APONTA VIOLAÇÕES

Os advogados alegam que não tiveram acesso a todos os documentos produzidos nas investigações suíças, usados como base nas acusações contra ela e Cunha, e, por isso, não podem verificar se eles foram produzidos segundo os “bons costumes” do Brasil.

Os defensores afirmam que os termos de cooperação entre Brasil e Suíça foram usados de maneira errada e violam a Constituição. E pedem a suspensão do andamento da ação até que todos os pedidos sejam atendidos. Para eles, houve violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, já que não foram disponibilizados todos os documentos usados pela acusação. Eles chegam a apontar a falta de tradução da documentação do contrato de aquisição do campo de petróleo, produzida em inglês e francês.

Entre as testemunhas arroladas estão o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), relator do processo de impeachment contra Dilma, e dois ministros do governo interino de Michel Temer: Bruno Araújo (Cidades) e Maurício Quintella (Transportes).