Renan quer votar projeto que dificulta investigações 

Isabela Bonfim e Julia Lindner

01/07/2016

 

 

Congresso. Investigado pela Lava Jato, presidente do Senado desengaveta proposta que prevê punição de agentes públicos em ações que são alvo de críticas de parlamentares.

Investigado na Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), resolveu desengavetar e acelerar a tramitação de um projeto de 2009 que prevê punições a crimes de abuso de autoridades, de agentes da administração pública e membros de Judiciário, Ministério Público e Legislativo.

Muitos dispositivos da proposta estão em sintonia com reclamações de parlamentares sobre a condução de ações da Polícia Federal e da força-tarefa da Lava Jato.

Um dos artigos, por exemplo, prevê punição para o cumprimento de mandados de busca e apreensão de forma vexatória.

No início de junho, Renan criticou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, dizendo que ele havia “extrapolado” seus limites constitucionais ao pedir a prisão e a emissão de mandados de busca e apreensão de senadores no exercício do mandato.

Outro dispositivo da proposta determina detenção de um a quatro anos para cumprimento de diligência policial em desacordo com as formalidades legais.

Na semana passada, o Senado protocolou reclamação no Supremo Tribunal Federal contra o juiz de primeira instância Paulo Bueno de Azevedo por promover busca e apreensão no apartamento funcional da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR).

A petista e outros senadores também reclamaram do constrangimento que a ação da PF teria causado, quando prenderam preventivamente o ex-ministro Paulo Bernardo na frente dos filhos, menores de idade.

Novamente em semelhança ao caso, um artigo da proposta contra o abuso de autoridade prevê detenção por ofensa à intimidade e vida privada.

O projeto prevê ainda pena a quem negar, sem justa causa, acesso da defesa à investigação.

Em maio, advogados do senador Romero Jucá (PMDB-RR), então ministro do Planejamento e alvo da força-tarefa, chegaram a recorrer à Procuradoria- Geral da República para ter acesso ao conteúdo das conversas gravadas entre ele e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, subsidiária da Petrobrás.

Na conversa, Jucá afirma que era preciso “estancar a sangria”, numa referência à Lava Jato.

Delações. Ontem, o presidente do Senado negou que a proposta tenha como objetivo “interferir no curso” da operação.

Mas, ao tratar da lei de delações, Renan afirmou que é “preciso ter regras” para a colaboração premiada. “Não vou mudar a lei de delação, apesar de entender que ela precisa e pode ser modificada. Não é uma lei de 12 tábuas que vai valer eternamente da forma que se fez. A delação premiada precisa ter regras porque, se não, ela compensa o crime. O que estamos vendo são pessoas que se entregaram ao desvio de dinheiro público, amealharam milhões e milhões, depois faz uma delação orientada pelo advogado e negociada com as autoridades, entrega parcela que desviou e salva outra parte”, disse o presidente do Senado.

No Congresso, existem ainda outros projetos que tratam de limitação das delações premiadas, uma das principais bases de investigação da Lava Jato.

Na Câmara, tanto o petista Wadih Damous (RJ) quanto Heráclito Fortes (PSB-PI) – que é da base aliada do presidente em exercício Michel Temer – já apresentaram propostas nesse sentido.

Ontem Renan também criticou vazamentos de depoimentos.

“Nos EUA, se a delação vazar, perde a eficácia, é anulada.

Aqui, no Brasil, vaza-se de propósito para forçar um julgamento do Judiciário e da opinião pública. Liberdade de expressão não é só para os meios de comunicação, é para todo mundo.” No início da semana, o procurador-geral da República fez críticas ao que chamou de tentativa de acordões e manobras políticas para impedir o avanço da Lava Jato.

Grampos. Um artigo específico do projeto trata de grampos telefônicos e prevê detenção de seis meses a dois anos para quem reproduzir ou inserir nos autos diálogo de um investigado com outra pessoa que seja protegida por sigilo.

A situação relembra o vazamento da conversa entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente afastada Dilma Rousseff sobre o termo de posse para ministro. Na época, os petistas argumentaram que a presidente da República não poderia ser grampeada. A oposição dizia que o alvo era Lula, que não tinha foro.

O projeto que prevê punições para autoridades está na lista de prioridades de Renan e vai passar pela Comissão de Regulamentação da Constituição, presidida por Jucá. Tramitando desde 2009, a proposta foi sugerida durante a discussão do 2.º Pacto Republicano, mas acabou esquecida no Congresso.

Jucá disse desconhecer detalhes da proposta e ironizou qualquer relação com a Lava Jato.

“Quem disse que houve abuso na Lava Jato? Não sou eu quem está dizendo isso”, afirmou o senador peemedebista.

Ontem, o presidente do Senado também anunciou uma lista de nove projetos que gostaria de trazer para votação em plenário nas próximas duas semanas.

PONTOS

Propostas do projeto

Punição em caso de prisão fora das hipóteses legais ou de diligência policial em desacordo as formalidades

Críticas à Lava Jato

Senadores têm reclamado das diligências da PF em escritórios, apartamentos funcionais e até mesmo no Congresso

Propostas do projeto

Constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá- lo, passaria a ser ato passível de punição

Críticas à Lava Jato

Investigados apontam que o longo tempo de prisão dos acusados acaba por forçá-los a fazer delação premiada para deixar a cadeia

Propostas do projeto

Punição em caso de publicidade, antes de ação penal instaurada, a documentos obtidos por interceptações ou quebra de sigilos autorizados

Críticas à Lava Jato

Os vazamentos de dados e informações são um dos principais alvos de críticas feitas pelos investigados à Operação Lava Jato

Propostas do projeto

Negar, sem justa causa, ao defensor acesso aos autos de investigação preliminar seria passível de punição

Críticas à Lava Jato

Investigados criticam a falta de acesso às investigações, em especial após a ocorrência de vazamentos

Propostas do projeto

Punição em caso de reprodução ou inserção, no processo de investigação, de diálogo de investigado com pessoa que, por função, deva guardar sigilo

Críticas à Lava Jato

Houve muita crítica ao vazamento do diálogo do ex-presidente Lula, alvo da operação, e a então presidente da República, Dilma Rousseff.