Volume de ações dificulta meta de Moro na Lava Jato

 
24/07/2016
Valmar Hupsel Filho
Fausto Macedo

 

Se quiser cumprir a meta de encerrar ainda este ano os trabalhos da Operação Lava Jato que estão sob sua responsabilidade, como afirmou recentemente, o juiz titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, terá de triplicar o ritmo de trabalho que imprimiu até agora – que já é considerado célere no meio jurídico. Para isso, Moro teria de decidir sobre 16 ações penais que estão atualmente em curso num prazo de aproximadamente cinco meses, uma vez que o ano do Judiciário se encerra em 19 de dezembro.

Em dois anos e quatro meses de operação – a Lava Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014 – o magistrado federal proferiu 20 sentenças; outros sete processos estão suspensos e 12 foram desmembrados. Se mantiver a média de sentenças tomadas até agora, Moro poderá declarar o encerramento de sua participação na Lava Jato somente em 2018.

Investigadores da força-tarefa consideram que a meta desejada por Moro é possível, uma vez que o volume de ações se refere a investigações já em andamento. A avaliação é de que o núcleo da operação, que apura corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, foi mapeado e já resultou na condenação e prisão dos principais alvos.

Entre os exemplos estão o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, além de executivos das maiores empreiteiras do País. A maior parte do chamado núcleo político, formado por detentores de foro privilegiado, não está no escopo da investigação coordenada pelo juiz de Curitiba.

As ações que envolvem políticos com mandato estão no Supremo Tribunal Federal.

 

Cunha e Lula. Nos próximos meses, porém, Moro pode ter de analisar casos de grande repercussão, como a eventual denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e receber as ações já abertas no Supremo contra 0 deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). O peemedebista é alvo de um processo de cassação em andamento na Câmara. A mulher de Cunha, Cláudia Cruz, já é ré em processo conduzido pelo juiz da Lava Jato em Curitiba.

Para o professor da FGV Rio Tiago Bottino, especialista em Direito Penal, há um alto grau de imprevisibilidade no andamento dos processos que correm na 13.ª Vara Federal da capital paranaense, o que pode facilmente estender os trabalhos para o ano que vem. “Não tem como saber se o Ministério Público vai oferecer novas denúncias, por exemplo. E se o Ministério Público oferecer mais dez denúncias?”, questiona.

Um dos motivos que podem prorrogar os trabalhos é o fato de a Procuradoria do Paraná ainda estar negociando acordos de colaboração premiada. Nem o Ministério Público Federal nem a Justiça Federal no Estado informam quantos acordos de delação estão sendo negociados, mas ao menos dois deles são considerados de potencial “explosivo” por causa do conteúdo que pode ser revelado.

Podem virar delatores os empreiteiros Marcelo Odebrecht, da holding que leva seu sobrenome, e José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, da OAS.

As delações premiadas têm sido o principal suporte de novas linhas de investigação e abertura de ações penais na Lava Jato. Os investigadores da força-tarefa são unânimes em afirmar que não há como ignorar se novas suspeitas e provas surgirem.

Neste caso, é inevitável a abertura de novas investigações.

Entre os advogados de defesa, há um certo ceticismo em relação ao encerramento dos trabalhos, mas a sinalização é vista de forma positiva. “Os processos estão em andamento e podem surgir outros. Tem investigação que ainda está no início”, diz o criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, defensor do extesoureiro do PT João Vaccari Neto. Preso, Vaccari foi condenado em duas ações penais na Operação Lava Jato. “Acho importante, ao menos, já ter este viés de haver um horizonte para o fim das investigações”, afirma Celso Vilardi, responsável pela defesa de ex-executivos da Andrade Gutierrez.

 

‘Ritmo’. “Quem vai ditar o ritmo, na verdade, é o Ministério Público, que é o responsável pela condução da investigação e faz as petições”, diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti.

Para ele, a expectativa de encerramento dos trabalhos se refere ao escopo da investigação. “O que está sob a responsabilidade dele (Moro) ficará até o fim, mas é possível que a investigação, depois, seja desmembrada.

Isso não significa que fique algo sem ser investigado.” A intenção de encerrar sua participação na Operação Lava Jato foi externada por Moro no dia 14 de julho, durante palestra que proferiu no Brazil Institute do Wilson Center, em Washington, nos Estados Unidos. “Minha parte pode ser (encerrada) no fim ano, mas não posso dizer com certeza”, afirmou o magistrado na ocasião. Antes disso, em abril, Moro já havia manifestado esse desejo a pessoas próximas, sempre com a ressalva de que a intenção pode ser revista se houver imprevistos. “Terminar até dezembro a parte da primeira instância é uma expectativa ou um desejo”, disse o juiz a um interlocutor, com a reserva de que ele mesmo admitia ser esta uma meta “imprevisível”.

 

PARA LEMBRAR

Atuação motiva reações distintas

Ovacionado até em show de rock nos últimos meses, o juiz Sérgio Moro foi alçado a celebridade nos dois anos e quatro meses no comando da Lava Jato. Foi estrela nas manifestações de rua pelo impeachment e chegou a divulgar nota para agradecer o apoio. Mas também foi alvo de contestações. As principais ocorreram após a condução coercitiva do ex-presidente Lula e a divulgação de áudios de conversas do petista, em março. À época, segundo relatos colhidos pelo Estado, Moro admitiu a interlocutores ter ficado “consternado” com reações que classificou como de raiva e de intolerância. A fama lhe rendeu convites para palestras nas quais costuma defender a prisão preventiva de investigados e o instrumento da delação premiada – que também são pontos de contestação. Notabilizou-se ainda por enviar recados em suas decisões judiciais, como no despacho em que responde petição da defesa de Lula dizendo que poderia ter pedido a prisão do petista.

 

Produtividade do juiz

20 sentenças proferidas

106 condenações (pena total de

1.148 anos de prisão)

59 acordos de delação premiada

74 prisões preventivas

91 prisões temporárias

6 prisões em flagrante

R$ 2,9 bi valor recuperado por meio de acordos de colaboração

 

O Estado de São Paulo, n. 44840, 24/07/2016. Política, p. A4