Delator fala em pressão de Berzoini por propina ao PT

Julia Affonso, Fausto Macedo e Valmar Hupsel Filho

26/07/2016

 

 

Segundo ex-executivo da Andrade Gutierrez, petista cobrou 1% de contratos da empresa com o governo durante reunião em 2008.

Flávio Machado, ex-executivo da Andrade Gutierrez, detalhou em depoimento ontem ao juiz Sérgio Moro cobranças de propina “incisivas” do ex-ministro e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini. Segundo relatou Machado em sua delação premiada, o petista exigiu, em uma reunião com dirigentes da empreiteira em 2008, propina de 1% sobre todos os contratos com o governo federal.

Os relatos de delatores sobre a cobrança de propina motivaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a pedir a inclusão de Berzoini no inquérito- mãe da Operação Lava Jato, que apura crime de formação de quadrilha, em maio deste ano. O pedido está sob análise do Supremo Tribunal Federal.

Além de Machado, o presidente afastado da Andrade Gutierrez, Otávio Marques de Azevedo, já havia relatado aos investigadores o pedido de propina feito por Berzoini. Segundo ele, além do ex-ministro, estavam na reunião o então tesoureiro do PT, Paulo Ferreira, e seu sucessor João Vaccari Neto.

“De uma forma incisiva, um pouco além do tom, (foram feitos pedidos) pelo presidente (do PT, Ricardo) Berzoini para o presidente Otávio”, disse Machado.

“Veladamente, deu para perceber que poderia haver algum tipo de situação desconfortável para nós.” Questionado por Moro, Machado enfatizou o tom de cobrança usado pelo ex-ministro durante o encontro. “Eu não lembro muito os termos, mas em linhas gerais: ‘Achamos que, como vocês têm interesse em trabalhar, estreitar relações com o governo federal, nós então estamos solicitando a participação sua nesse sentido. Você vê que o solicitar aqui eu falei num tom’. Na verdade, nós entendemos como uma pressão.

Não foi uma solicitação: ‘Pode aceitar ou não aceitar’. A gente achou quase que como uma imposição”, disse o delator.

‘Desagradável’. Segundo Machado, a conversa na reunião foi “muito desagradável” e não houve uma resposta imediata. “Senti claramente a reação de Azevedo. Ele, inclusive, se resguardou para que desse uma posição final mais à frente em outra reunião, alguma coisa nesse sentido”, disse. “Os desdobramentos, até onde eu sei, o próprio Azevedo procurou o presidente (da Andrade Gutierrez) à época, Rogério Nora de Sá, para fazer essa colocação. Foi uma reação muito desagradável dentro da empresa. Os executivos envolvidos em diversas áreas não achavam que isso seria devido, porque não tinha nenhuma ajuda especial, não tinha nada.” Machado disse ainda que, na época, ele e os demais executivos da Andrade Gutierrez não pensaram em procurar a polícia ou o Ministério Público. Segundo o executivo, durante a reunião não foi falado sobre “modus operandi” do pagamento.

Defesa. Procurado ontem para comentar as afirmações de Machado, Berzoini não foi encontrado. Em abril, quando ele foi citado pela primeira vez, o ex-ministro confirmou que esteve na sede da Andrade em 2008, ano de eleição municipal, em reunião para pedir contribuições ao PT. “Estive uma vez nas dependências da referida empresa, na condição de presidente nacional do PT, assim como estive em várias outras empresas, solicitando contribuição formal e legal”, afirmou à época. Ele alegou, contudo, que não houve “nenhuma vinculação a obras ou contratos, para sustentação das atividades partidárias”.

O ex-ministro repetiu o discurso adotado pelo partido sobre as doações eleitorais. “As contribuições da empresa estão devidamente registradas nas prestações de contas do PT, apresentadas regularmente ao Tribunal Superior Eleitoral.” No sistema do TSE, constam R$ 5,8 milhões em doações da empreiteira ao PT em 2008.

‘Situação desconfortável’

“De uma forma incisiva, um pouco além do tom, (foram feitos pedidos) pelo presidente (do PT, Ricardo) Berzoini para Otávio (Azevedo Marques, presidente da Andrade).

Veladamente, deu para perceber que poderia haver algum tipo de situação desconfortável para nós.”

Flávio Machado

EX-EXECUTIVO DA ANDRADE GUTIERREZ