‘Máfia verde’ atua do desmate à venda de lotes

14/07/2016

 

 

Na tabela da violência, que acompanha todo o processo, preço da morte de uma pessoa equivale ao de 2 ou 3 m3 de ipê

A destruição da floresta e a pressão implacável de grileiros sobre terras do Centro-Oeste e Norte do País resultaram num mercado ilegal que integra, por vias tortas, a cadeia econômica dos grandes centros e seus poderes paralelos. Na engenharia financeira dos crimes do campo, o comércio da violência estipula tabelas de preços para vidas de homens e árvores, expandindo suas raízes para todas as esferas do poder público e deixando um rastro de prejuízos sociais e ambientais.

Para compreender como funciona essa engrenagem, o Estado coletou informações e depoimentos de madeireiros, puxadores de toras, pistoleiros, grileiros, posseiros, pequenos agricultores, extrativistas e pessoas ameaçadas de morte. Para estimar a dimensão do rombo, a reportagem cruzou três informações: média de área desmatada anualmente, volume aproximado de madeira extraída de florestas e preço cobrado por m³ extraído ilegalmente.

Na tabela de preços da barbárie, o assassinato de uma pessoa não difere tanto do valor cobrado por dois ou três m³ de ipê, que hoje é arrancado da floresta por cerca de R$ 1,5 mil. Na cotação de Ariquemes, Rondônia, um pistoleiro “profissional” costuma cobrar de R$ 5 mil a R$ 10 mil para executar seu serviço, conforme a “importância” de quem vai perder a vida.

Na média, ele costuma ir a campo por bem menos que isso.

A floresta foi tomada por uma hierarquia bem estruturada de agentes criminosos, onde o madeireiro é protagonista. Ele financia operações, recebe encomenda – muitas vezes de metrópoles distantes, como São Paulo – e se movimenta para fazer a entrega.

Seu alvo são as madeiras nobres.

A busca fica nas mãos de toreiros, homens enviados ao mato para contabilizar árvores e calcular o custo de abertura de trilhas.

O investimento é alto. Na fronteira de Rondônia com o Pará, uma ação com dez homens custa aproximadamente R$ 240 mil. Com esse dinheiro, é possível contratar duas máquinas, mateiros, olheiros e abrir um rasgo de 5 a 10 km na mata virgem. Nas unidades de conservação, a porta de entrada dos criminosos costuma ser sítios localizados no entorno da floresta.

Em Rondônia, por cerca de R$ 7 mil por semana, donos de propriedades abrem suas porteiras para que madeireiros invadam a mata. A derrubada normalmente é feita por um trator skidder, praticamente um tanque de guerra capaz de passar por cima de tudo o que encontra pela frente. O avanço médio do estrago é de 1 km por dia.

Sem dificuldade, um skidder pode arrastar sozinho cerca de 150 m³ de madeira por dia. Em apenas uma semana, 40 hectares vão abaixo, uma área de 40 campos de futebol.

A retirada do material costuma ser feita à noite, mas a reportagem também flagrou vários caminhões carregados de madeira em plena luz do dia. Antes de a encomenda seguir até os pátios dos madeireiros, batedores com motos são usados para checar se o caminho está limpo.

Informações são passadas por rádio. Para camuflar o material, etiquetas são coladas nos troncos para simular que a madeira veio de área onde o manejo é permitido. É um golpe fácil, já que não há fiscalização sobre a origem real do material.

A retirada das espécies mais caras garante o lucro do madeireiro, paga contas de empregados e máquinas e financia as etapas seguintes da devastação. Depois de aberto o rasgo na mata, será a vez do segundo, terceiro e quarto ciclos do roubo da madeira.

Nessas etapas, são abertas as esplanadas, canteiros laterais onde os toreiros cortam os tipos de menor valor. A dilapidação chega ao fim com a entrada dos lasqueiros, em busca de material para a construção de cerca.

Exaurida toda a madeira de interesse comercial, queima-se o resto. A partir daí, o terreno está pronto para as “correrias pelas terras”, a disputa que definirá o que será pasto e o que será recortado pelos grileiros. Da derrubada das árvores ao loteamento ilegal das terras, as digitais da máfia verde são vistas a olho nu.

R$ 3 bilhões

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