Bancos privados também lucraram com o ‘bolsa empresário’ do BNDES

 

11/07/2016
Alexa Salomão

 

Os bancos comerciais concentraram os lucros do maior programa de crédito público subsidiado já feito no País, o Programa de Sustentação do Investimento, conhecido como PSI. A instituição que liderava o programa, o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, teve papel marginal na concessão do crédito.

Os bancos comerciais repassaram R$ 327 bilhões de recursos do Tesouro Nacional e ficaram com mais de R$ 8 bilhões do total de R$ 10 bilhões em spreads que foram gerados pelas operações. O BNDES, enquanto isso, ficou com menos de R$ 2 bilhões.

O PSI foi um programa público de financiamento para máquinas e equipamentos que vigorou de 2009 a 2015. Foi lançado para reduzir o impacto da crise financeira internacional e mantido com o argumento de que impulsionaria os investimentos e o crescimento do País. Os empréstimos ficaram a cargo do BNDES. Como foi utilizado principalmente por grandes e médias empresas, os economistas o apelidaram de “bolsa empresário”, numa paródia ao Bolsa Família.

Um novo levantamento mostra que o PSI beneficiou também o setor financeiro. Do total de R$ 359 bilhões desembolsados no PSI, apenas 9% ocorreram em operações diretas, feitas pelo próprio BNDES. Os demais 91% dos desembolsos foram por meio do que se chama de operações indiretas, feitas pela rede de bancos credenciados ao BNDES. Em nota, a assessoria de imprensa do BNDES confirmou o resultado do levantamento, ressaltando que os dados, inclusive, são públicos.

Fazem parte da rede credenciada cerca de 70 bancos de médio e grande portes, instituições como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal, Banco Pine, Banco ABC, BTG Pactual, Banco Volkswagen, Mercedes Benz – apenas para citar algumas delas. “De certa forma, o PSI também foi um bolsa banqueiro”, diz o autor do levantamento o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas FGV/IBRE.

Pelo lado dos desembolsos, o PSI, segundo Afonso, causou triplo prejuízo ao BNDES. Ele perdeu não apenas por ter intermediado um volume menor de recursos.

Individualmente, também ganhou menos. A taxa de juro definida para o BNDES era de 1% (na linha voltada à inovação chegou a ser zero), enquanto a taxa dos bancos credenciados oscilou entre 1,5% e 3%.

Assim, Afonso estima que dos mais de R$ 10 bilhões gerados pela intermediação dos financiamentos, a rede credenciada ficou com mais de R$ 8 bilhões. Como a taxa do PSI era extremamente atraente, o programa ainda “roubou” clientes de linhas tradicionais do BNDES.

Em nota, a assessoria do BNDES confirmou que linhas do Finame, atreladas à TJLP e concorrentes do PSI, “apresentaram queda no número e valor total financiado” na vigência do PSI, mas sem detalhar quanto.

 

Preocupados. Entre os economistas que acompanham contas públicas, a avaliação geral é que o PSI merecia outro tratamento porque custou caro sob vários aspectos. O Tesouro Nacional emitiu títulos públicos em favor do BNDES, o que elevou a dívida do Brasil. Repassou mais de R$ 520 bilhões ao banco.

Para que não houvesse perdas com a taxa fixa, menor que a TJLP usada normalmente nas linhas do BNDES, o Tesouro assumiu uma conta de R$ 270 bilhões em subsídios, que vai pagar até 2060. O programa já era criticado por não ter gerado o crescimento prometido e privilegiado grandes empresas. “Agora, fica claro que as distorções foram além do que se havia imaginado”, diz o economista e assessor parlamentar Felipe Salto.

Para a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, o peso dos bancos comerciais foi tão alto que já não é possível chamar o PSI de programa público – o que teria ocorrido foi mero repasse de dinheiro.

“Não foi programa de investimento: foi banco privado negociando empréstimo com seu cliente privado”, diz Mônica.

Em nota, o BNDES diz que, de fato, a instituição credenciada tem autonomia para avaliar o cliente e as garantias, podendo inclusive negar o financiamento.

Mas diz que o BNDES monitora o processo: “As condições das operações indiretas são determinadas por normas expedidas pelo BNDES e comunicadas por intermédio de circulares a seus agentes financeiros.

Com isso, o BNDES analisa todas as operações para conferir se atendem às normas.” O Tribunal de Contas da União (TCU) tem avaliação diferente.

Mantém várias frentes de trabalho analisando a origem e o destino dos recursos do BNDES. Os técnicos não chegaram ao PSI, mas enviaram à reportagem 11 relatórios com conclusões sobre os sistemas de monitoramento do BNDES em relação ao destino dos recursos. A conclusão é que são “insuficientes”, têm “fragilidades”. Precisam ser aperfeiçoadas.

A Federação dos Bancos (Febraban), em nota, disse que os bancos cumpriram o seu papel de auxiliar o BNDES. “Para obter a capilaridade necessária para a sua eficiência, o PSI contou com os bancos comerciais para fazer a intermediação, como é realizado tradicionalmente com outras modalidades de repasses”, diz o texto, destacando que os bancos seguiram à risca as normas do PSI e do BNDES.

Quem se preocupa com os rumos da política pública não considera adequado o PSI ter sido maciçamente desembolsado por bancos comerciais. “Bancos olham balanços e garantias para liberar recursos, o BNDES, vai além: é voltado ao desenvolvimento do País, tem uma baita estrutura para qualificar projetos, definir que setores merecem apoio”, diz Geraldo Biasoto, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

 

Fatia desproporcional

91% dos desembolsos dentro do PSI não foram feitos pelo BNDES, mas por sua rede de bancos credenciados

 

 


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Regras do programa podem ter esvaziado a atuação do BNDES

 
11/07/2016
Alexa Salomão

 

Os especialistas não encontraram uma explicação fechada para o fato de a maioria das operações do PSI terem sido indiretas. Um argumento é que as regras fizeram o PSI ideal para a rede credenciada. Tudo no PSI foi definido pelo governo: taxas de juros, remuneração das instituições financeiras, prazos de carência e de pagamento, setores habilitadores, montantes a serem liberados.

Entre 2009 e 2015, o governo emitiu 41 tipos diferentes de alterações no PSI, por meio de portarias, resoluções do Conselho Monetário Nacional e medidas provisórias, transformadas em leis pelo Congresso. O BNDES, no fim, gerenciaria os financiamentos, mas todas as regras estavam dadas. Mas o argumento incomoda alguns. “Bastava, então, o Tesouro repassar o dinheiro para os bancos. Para que serve um BNDES assim?”, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica.

O valor das operações também teria pesado. O PSI era focado na aquisição de máquinas e equipamentos, principalmente de transportes, como caminhões e ônibus, que tem valores menores. Existe uma regra interna no BNDES em que se deixa para a rede credenciada financiamentos abaixo de R$ 20 milhões (até 2013, o limite era R$ 10 milhões). Assim, seria natural que os bancos credenciados concentrassem os empréstimos.

O próprio BNDES atribui o alto número de operações indiretas a essa regra. O argumento, porém, tem fragilidades. Primeiro: algumas empresas colocam em xeque essa versão.

A Petrobrás, por exemplo, fez 20 operações no PSI com bancos credenciados. Há empréstimos de R$ 400 milhões, R$ 600 milhões e até de R$ 1 bilhão – valores bem acima da faixa de corte. Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da Petrobrás não deu retorno até o fechamento desta edição.

Segundo: é preciso entender o papel da rede credenciada, dizem os especialistas. Os bancos credenciados dão capilaridade ao banco público, que não possui uma rede própria para atender todo o País. Também atuam para reduzir os riscos, pois, ao desembolsarem os financiamentos, garantem o pagamento.

Por causa dessas características, a rede credenciada costuma atender a micro, pequenas e parte das médias empresas, que buscam financiamentos menores, têm dificuldade de lidar com as exigências do BNDES ou estão fora do Rio de Janeiro, onde fica o banco de fomento.

O autor do levantamento, o economista José Roberto Afonso, diz que dois terços dos tomadores de recurso no PSI eram grandes e médias empresas, clientes do BNDES, que não precisariam recorrer a bancos credenciados por terem acesso direto ao banco de fomento.

 

Taxa. Há quem diga que a taxa também contribuiu. As taxas do PSI eram fixas e iguais em qualquer banco – inclusive no BNDES. Só havia um diferencial em favor do BNDES: grandes clientes, com projetos sendo financiados no banco, como a construção de uma fábrica ou usina, poderiam incluir no pacote empréstimos no PSI, mesmo com valores pequenos. Nem assim o BNDES foi mais atraente.

A Usina Belo Monte é financiada pelo BNDES. O consórcio construtor tinha canal direto no banco, mas preferiu fazer 387 operações indiretas, com sete bancos diferentes. Em nota, o consórcio disse que adotou a tática porque o custo não fazia diferença: “A realização de operações diretamente com o BNDES ou por intermédio de agentes financeiros credenciados não causa impactos à estrutura da operação.” Sendo assim, optou- se por diversificar: “A divisão entre instituições permitiu diversificar o risco por diferentes agentes, sem que os limites de crédito do consórcio fossem comprometidos.” Afonso, porém, considera estranho o BNDES ser preterido pelos clientes: “Eu diria que faz sentido uma grande empresa, sem projetos no BNDES, procurar a rede credenciada, pois seria mais rápido e menos burocrático. Mas é estranho que, já tendo um projeto, para construir uma usina, uma fábrica, prefira outro banco. Pergunto me o que os bancos ofereceram, que o BNDES não tinha?” / A.S.

 

Pacote legal

41 revisões no PSI foram feitas pelo governo com resoluções, portarias e MPs que viraram leis

 

O Estado de São Paulo, n. 44827, 11/07/2016. Política, p. B1