Vitórias e derrotas

 

15/07/2016
Eliane Cantanhêde

 

A eleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para a presidência da Câmara foi uma vitória do presidente interino Michel Temer, que atuou o suficiente para render resultados, mas não mergulhar na crise interna nem atrair chuvas e trovoadas. Foi coisa de político hábil e experimente, que precisa agora canalizar essas qualidades para fazer o País andar, a economia reagir e os agentes políticos e econômicos acreditarem minimamente que “yes, he can”.

O perfil do vitorioso estava traçado naturalmente, faltava encaixar um nome. Rodrigo Maia caiu como uma luva: 46 anos, quinto mandato, filho do conhecido político Cesar Maia, ele representa a “nova situação” – PSDB, PPS, PSB e o próprio DEM –, transita bem em todos os partidos, não orbitou em torno de Eduardo Cunha e, ao que se saiba, passa ao largo da Lava Jato.

Temer fala em “pacificar” a Câmara, Maia disputou e venceu prometendo exatamente “pacificar” a Câmara. É isso que o País precisa e os próprios deputados e funcionários querem desesperadamente.

Depois do “nós contra eles” das gestões do PT, da tragédia Eduardo Cunha e do vexame Waldir Maranhão, é preciso paz. Paz para trabalhar, debater, construir e se recompor com a sociedade. Até porque, em algum minuto, as prisões vão começar.

É preciso uma casa sólida, confiável.

Do outro lado da rua, Temer esfrega as mãos cerimoniosamente, recorrendo a um velho cacoete de quando em fala em público ou precisa ser contido nas emoções.

Tudo o que ele não queria era a vitória de Marcelo Castro (PMDB-PI), que virou as costas ao PMDB para se agarrar ao Ministério da Saúde, só desgarrou para votar contra o impeachment na Câmara e agora se rendeu ao jogo da oposição – leia-se do PT – sem ao menos se fingir docemente constrangido.

Castro dividiu o PMDB de Temer, quando este precisa justamente somar forças, mas só teve 70 votos e não chegou ao segundo turno e tinha uma vantagem para Temer: o Planalto pôde jogar ostensivamente contra sua candidatura.

Mais complicado, e arriscado, foi tratar a do deputado Rogério Rosso (PSD-DF).

Que vantagem Temer teria com a eleição de Rosso? Pouca, ou nenhuma.

Primeiro, consolidaria a versão do “acordão” para dar sobrevida a Eduardo Cunha. Segundo, ele teria simultaneamente um presidente da Câmara e um líder do seu próprio governo (André Moura) mais alinhados com Cunha do que com ele mesmo.

Mas, de outro lado, como bater de frente com Cunha? Por alguma razão que até a razão desconhece, Temer é cheio de dedos e cuidados na sua relação com Cunha. Sabe-se lá por quê, apesar das muitas suspeitas sobre motivos.

Sendo assim, Rodrigo Maia veio bem a calhar para o Planalto, que arranjou um candidato para chamar de seu e agora divide os louros da vitória com ele. Mais: curtindo a sensação de que o Centrão ainda é uma força, sem dúvida, com seus 170 votos para Rosso, mas já não é essa Brastemp toda.

“Last, but not least”: o PT e seus aliados não deram nem para o gasto.

No rastro da ruína do governo Dilma Rousseff, o partido de Lula não conseguiu sequer lançar um candidato, nem dele próprio, nem do PCdoB ou do PDT. Quem se lançou por uma dessas siglas se lançou por conta própria.

E Aldo Rebelo, líder no PCdoB, agiu institucionalmente, mais no interesse da Câmara do que no de partidos.

O PT, sem nomes para vencer, lançou um nome para rachar o PMDB, dividir a base aliada ao Planalto e deixar Temer espremido entre o candidato de Cunha e um candidato de Lula, mas deu errado. Temer acabou com dois candidatos e foi ele quem espremeu o PT e Lula.

Agora, é torcer para Rodrigo Maia realmente “pacificar” a Câmara, negociar os principais projetos com o Planalto, a base aliada, os derrotados e os adversários. Seu maior desafio é resgatar a moral e a honra do Congresso numa hora vital.

 

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Maia indica que terá pauta alinhada com o Planalto

 
15/07/2016
Isabela Bonfim
Julia Lindner
Ricardo Brito

 

Em seu primeiro dia na presidência da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) demonstrou sintonia com a agenda do governo Michel Temer, principalmente a econômica, falou da necessidade de estreitar o diálogo entre Executivo e Legislativo e colocou entre as prioridades a reforma política.

A proposta foi apresentada pelo presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), o primeiro a ser recebido por Maia após ser eleito.

Aécio foi um dos responsáveis pela costura que resultou no apoio do bloco PSDB, DEM, PPS e PSB à candidatura de Maia. O novo presidente da Câmara derrotou o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), do Centrão, grupo formado por 13 partidos e ligado a Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Segundo avaliações, a eleição de Maia é considerada o fortalecimento da gestão Temer frente ao Centrão. “A principal tarefa de Maia é a pacificação política”, disse Aécio.

Entre as prioridades, Maia prometeu votar a PEC do teto dos gastos públicos até o fim deste ano, proposta considerada prioritária para o ajuste fiscal.

“Esse é um tema que interessa a todos os partidos, interessa ao Brasil, ao governo e à oposição”, disse. Ele afirmou que pedirá ao presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, Osmar Serraglio (PMDB-PR), que acelere a tramitação da matéria. Após ser aprovado na CCJ, o projeto precisa passar por 11 sessões em comissão especial e, só então, segue para o plenário.

Sobre a reforma política, disse que, fora da pauta econômica, é “a agenda mais urgente”.

“O sistema político faliu e a ideia do senador Aécio Neves vem em boa hora”, afirmou. De acordo com a proposta, as coligações proporcionais estariam proibidas a partir de 2020 e a cláusula de barreira também seria retomada, dificultando a atuação política de partidos médios e pequenos já nas eleições de 2018.

 

Atuação conjunta. À tarde, Maia visitou o presidente em exercício Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o ministro das Relações Exteriores, José Serra, citado por ele em seu discurso na tribuna da Câmara. Para o Planalto, a vitória de Maia é “sinônimo das boas relações com o Legislativo”.

“Junto com Renan, temos a expectativa muito grande de que as duas Casas possam construir uma agenda de poucos itens, mas uma agenda com produtividade no andamento dos trabalhos no Congresso”, disse Maia sobre a parceria com o governo e com o Senado.

No gabinete da presidência da Câmara, Maia também recebeu deputados de diversos partidos. Nas reuniões, fez questão de sinalizar o trabalho que pretende realizar em conjunto com o governo e com o Senado.

 

Boa política. Renan também não poupou elogios ao novo presidente da Câmara. De acordo com o peemedebista, desde a vitória de Aldo Rebelo (PCdoBSP), em 2005, ele não esteve tão satisfeito com uma eleição para o comando dos deputados. “A vitória do Rodrigo Maia é uma demonstração sobeja de que a boa política não morreu. Está vivíssima”, disse o senador. / COLABOROU TÂNIA MONTEIRO

 

OS 8 TRABALHOS DE RODRIGO MAIA

● Reconstrução da base

Depois da eleição mais pulverizada à presidência da Câmara desde a redemocratização, Rodrigo Maia terá de reconstruir a base aliada, atualmente fragmentada.

●  Teto de gastos

A principal missão da agenda legislativa de Maia é aprovar proposta que impõe um teto ao crescimento dos gastos públicos.

● Reformas da Previdência e trabalhista

Mudanças na CLT, terceirização e alterações na aposentadoria também devem entrar na pauta do Congresso e causar polêmica.

● Aumento de impostos

O governo interino afirmou que é preciso barrar novos tributos por causa da dificuldade em aproválos no Congresso, mas a equipe econômica não descarta tomar “medidas impopulares”.

● Cassação de Cunha

Maia conduzirá a sessão prevista para agosto que vai decidir sobre a cassação do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

● Lava Jato

Maia terá de lidar com os desdobramentos da Operação Lava Jato, que investiga pelo menos 30 deputados federais.

● Pacote anticorrupção

Depois de partidos que abrigam os principais alvos da Lava Jato – PMDB, PT e PP – travarem o andamento do pacote anticorrupção na Câmara, a comissão que vai tratar das medidas propostas pelo Ministério Público Federal foi instalada. Há resistência ao projeto entre parlamentares.

● Pré-sal

Também está em tramitação na Câmara o projeto, do Senado, que retira da Petrobrás a exclusividade das atividades no pré-sal. Polêmica, a proposta tem apoio do presidente em exercício Michel Temer.

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Como antecessores, uma nova ‘dinastia

 
15/07/2016
Fábio Grellet

 

Filho do ex-prefeito e atual vereador do Rio Cesar Maia (DEM), o deputado federal Rodrigo Maia, do mesmo partido, cumpre aos 46 anos uma trajetória que outros dois filhos de políticos de expressão nacional percorreram nos últimos 21 anos. Luís Eduardo Magalhães, filho do ex-governador da Bahia Antônio Carlos Magalhães (1927-2007), assumiu a presidência da Câmara dos Deputados em fevereiro de 1995, aos 39 anos. Era filiado ao mesmo partido de Rodrigo, o PFL que deu origem ao DEM. Luís Eduardo morreu de enfarte em 1998.

O outro caso é do atual senador Aécio Neves (PSDB-MG), neto e herdeiro político do presidente Tancredo Neves (1910- 1985). Ele foi eleito para presidir a Câmara em fevereiro de 2001, aos 40 anos.

Ao contrário dos antecessores, Rodrigo assumiu o primeiro cargo político contra a vontade do pai. “Ele estava indo muito bem no mercado financeiro”, disse Cesar. Embora não tenha concluído o curso de Economia – que iniciou em 1989 –, Rodrigo trabalhou nos bancos Icatu e BMG antes de ser convidado a assumir a Secretaria de Governo do prefeito Luiz Paulo Conde, em 1997.

Eleito com apoio de Cesar, que terminava a primeira gestão como prefeito do Rio, Conde poderia ter convidado Rodrigo a assumir uma secretaria somente como forma de agradecimento.

Segundo Cesar, não foi assim.

“Ao contrário: fui contra. Era um desvio de rota”, disse. “Pais são sempre conservadores.” Rodrigo já participava “intensamente” das campanhas políticas, segundo Cesar. O envolvimento de Rodrigo com a política aumentou durante a campanha de Conde. “A participação dele desenvolveu essa vocação.

Não pude impedir”, disse Cesar. Em 1998, Rodrigo elegeu-se deputado federal pela primeira vez – está no quinto mandato.

 

Futuro. Doze anos após deixar a presidência da Câmara, Aécio concorreu à Presidência da República. Luís Eduardo teve a carreira política interrompida, quando era considerado potencial candidato para suceder a Fernando Henrique Cardoso.

E qual o futuro de Rodrigo? Para Cesar, a gestão do filho na Câmara vai dizer se e quando isso poderá ocorrer. “Ele não tem pressa. Essa é uma virtude dele”, disse. “Rodrigo e eu temos identidades políticas distintas. Sua capacidade de ouvir e sua paciência para articular são raras. Eu, ao contrário, sou ansioso.”

 

O Estado de São Paulo, n. 44831, 15/07/2016. Política, p. A6