Lágrimas de acusação e defesa

Cristiane Jungblut e Catarina Alencastro

31/08/2016

 

 

Janaina Paschoal se emociona ao pedir desculpa a Dilma e diz que a acusou pelo bem dos netos da presidente; frase revoltou Cardozo, que também chorou

No quinto dia da maratona em que se transformou o julgamento da presidente afastada, Dilma Rousseff, a emoção tomou conta de dois personagens centrais no processo: a polêmica advogada de acusação Janaina Paschoal e o advogado de defesa da petista, José Eduardo Cardozo. Os dois choraram ao apresentar a última parte de suas argumentações.

Cardozo foi o mais explícito: deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto enquanto conversava com senadores e, depois, com jornalistas.

— Diria a você o seguinte: foi um choro sincero e não preparado — disse o ex-ministro da Justiça ao GLOBO.

A demonstração de sentimentos de Cardozo rendeu-lhe um telefonema da própria Dilma.

— Chorou, hein? — brincou Dilma, provocando risos no amigo.

Janaina se emocionou ao citar Dilma, afirmando que fez o certo ao apresentar sua denúncia, mas que sabia do “sofrimento” da petista. Ela pediu desculpas à presidente afastada por todo esse “sofrimento” que provocou, e irritou os petistas ao dizer que fez isso pelo futuro do país e pelos netos da petista.

— Finalizo pedindo desculpas para a senhora presidente da República. Não por ter feito o que era devido, porque não podia me omitir diante de tudo isso. Peço desculpas porque sei que a situação que ela está vivendo não é fácil. Peço desculpas porque eu sei que, muito embora esse não fosse o meu objetivo, eu lhe causei sofrimento. E peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela — disse Janaina, com voz chorosa. Ela fez várias críticas ao PT: — Eles mentem tão bem, eles são tão competentes no marketing, que a gente acredita. Tudo isso foi muito bom para que o povo brasileiro percebesse o modo PT de ser. É a enganação, é o PT que não pede desculpas, o PT que nega os fatos, nega a realidade.

Janaina disse que Dilma foi “corajosa” ao comparecer à sessão de segunda-feira. Mas, em seguida, afirmou ter ficado “perplexa” com o fato de Dilma não ter respondido às perguntas da forma como ela gostaria.

Já Cardozo caiu em lágrimas ao sair do plenário do Senado. Disse ao GLOBO que era “inadmissível” o argumento de Janaina de que apresentou a denúncia pensando no futuro dos netos da presidente afastada.

Cardozo surpreendeu a todos ao descer da tribuna já emocionado, quando encerrou a defesa de mais de uma hora. Ele foi cercado por senadores do PT, que o aplaudiram. E recebeu abraços de Eunício Oliveira (CE), líder do PMDB no Senado. Com lágrimas escorrendo pelo rosto, Cardozo disse que esperava ter mudado votos, mas sabia que não conseguiria. E se irritou ao falar de Janaina. — É inadmissível alguém pedir a condenação dizendo que faz pelos netos da pessoa. É muito triste. Espero convencer alguém, mas é muito injusto. Não sei se (minha fala) reverteu algum voto, mas deveria — disse Cardozo.

Os petistas reagiram ao choro de Janaina acusando-a de fingimento.

— A doutora Janaina invocou Deus. Deus não tem nada a ver com o golpe. Invocou os netos da presidente, chorou! Isso daqui não é uma cena! Não estamos aqui fazendo uma encenação! — disse Gleisi Hoffmann (PT-PR).

O deputado José Guimarães (PT-CE) também duvidou.

— Será que esse choro é do coração?

MÚSICA E FUTEBOL

Na fase dos debates, alguns senadores usaram argumentos inusitados para defender suas posições. Um deles, Magno Malta (PR-ES), cantou em plenário uma música de despedida para a presidente. Malta afirmou que o “velório” do PT é o mais triste que já viu. E concluiu cantando uma música da dupla Kleiton e Kledir para se despedir de Dilma.

— Eu, que gosto de cantar, vou homenagear a presidente com uma música lá da terra dela: “Deu pra ti, baixo astral, vá pra Porto Alegre, tchau”.

O líder do PT, Humberto Costa (PE), chegou a lembrar o fato de, em 2008, Dilma ter recebido de presente um bambolê do peemedebista Henrique Alves para ter mais jogo de cintura.

— Ela não gosta de rodar o bambolê, mas rotulá-la como criminosa, julgá-la como criminosa é uma verdadeira aberração! — bradou o petista.

O senador José Medeiros (PSD-MT) recorreu ao futebol para explicar por que não foi convencido por Dilma:

— Desculpem-me a comparação, mas é bola de Rogério Ceni, é falta de Rogério Ceni. É no ângulo. Não tem defesa! (Colaboraram Eduardo Bresciani e Leticia Fernandes)

 

 

O globo, n. 30340, 31/08/2016. País, p. 6.