Ação preventiva contra cartéis

Geralda Doca e Danilo Fariello

31/08/2016

 

 

Governo incluirá em editais de leilões de infraestrutura regras sugeridas pelo Cade para evitar fraude

Orientado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o governo interino vai incluir nos próximos editais de concessões de infraestrutura regras para inibir conluios, fraudes e cartéis entre as empresas participantes dos leilões. Os novos modelos vão incorporar normas do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), como, por exemplo, a proibição da divulgação de lances mínimos, para que cada concorrente faça a sua proposta sem referência prévia. Os consórcios terão de assinar uma declaração para atestar que seu lance é genuíno e que foi elaborado sem compartilhamento de informação comercial com concorrentes. As medidas visam a evitar preços inflados nos leilões, que venham a prejudicar consumidores ou a arrecadação federal, quando a disputa for por pagamento de outorga.

Uma das novidades será a realização de leilões simultâneos na concessão de projetos complementares, como rodovias e portos, para evitar que as empresas acertem a divisão dos ativos entre elas. A ideia valerá para licitações em lotes, de forma a dificultar a divisão de mercado comum em leilões sequenciais, realizados em momentos diferentes.

Conforme o documento “Medidas para estimular o ambiente concorrencial dos processos licitatórios: contribuições do Cade”, obtido pelo GLOBO, a previsão é que a divulgação dos projetos incluídos na próximas rodadas de licitação tenha mais restrições, para evitar que dados sejam utilizados por empresas em acordos ilícitos. Recomenda-se, por exemplo, o sigilo em relação aos participantes e aos lances apresentados.

NORMAS BASEADAS EM EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

As propostas do Cade abrangem todo o processo: desde o desenho do edital, que não teria exigências desnecessárias que possam reduzir o número de competidores, até o leilão em si, que seria feito preferencialmente por meio eletrônico.

O Cade propõe que o governo tome cuidados para evitar que os candidatos se encontrem durante o processo de disputa, como em audiências públicas presenciais, que são frequentes no setor de transportes. As consultas eletrônicas não devem mais trazer quem são os autores de cada pergunta. Todos os esclarecimentos referentes ao edital deverão ser realizados por meio eletrônico, de forma anônima.

A subcontratação — quando a vencedora contrata outras empresas para efetuar serviços — não será proibida, mas serão fixados critérios para controle e cadastro de subcontratadas, com registro obrigatório. O objetivo é permitir o mapeamento do rol de empresas subcontratadas pelos vencedores do leilão e acender a luz vermelha dos órgãos de investigação, quando houver reincidências.

As propostas foram enviadas ao secretário executivo do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Moreira Franco, e têm como base a experiência internacional de países como Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e Índia, além de recomendações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE).

— As medidas encaminhadas pelo Cade serão incorporadas, porque precisamos criar um ambiente concorrencial. Temos que adotar experiências de organismos especializados em regular a vida econômica e ações exitosas de outros países para tornar o ambiente mais saudável, que é o que interessa a todo cidadão — disse Moreira Franco, acrescentando que aspectos da competição não foram levados em conta nas concessões anteriores.

Em junho, como consequência da Operação Lava-Jato, o Tribunal de Contas da União deu início a um processo de auditoria de Belo Monte, no qual verifica se houve conluio no leilão da usina, em abril de 2010. Uma das evidências apontadas pela área técnica do tribunal era que havia subsidiárias da Eletrobras em ambos os consórcios que apresentaram propostas. No único leilão do pré-sal, não houve concorrência, porque só um grupo, do qual fazia parte a Petrobras, concorreu.

O presidente interino do Cade, Márcio de Oliveira Júnior, disse que o objetivo do novo arcabouço jurídico proposto é “quebrar” o modus operandi dos cartéis, que costumam trocar informações sensíveis para a concorrência. A partir do momento em que os acordos não podem ser cumpridos, o cartel fica prejudicado porque não terá mais segurança, disse Oliveira.

O Cade participa das investigações que têm como alvo empresas citadas na Lava-Jato e assinou acordos de leniência e termos de compromisso com as investigadas. Oliveira destacou a iniciativa inédita no Brasil, citando que o país, pela primeira vez, acata orientações da OCDE.

— A recomendação da OCDE aos países membros está sendo acatada pelo Brasil, e o objetivo é reduzir a probabilidade de ocorrência de cartel — disse o presidente do Cade.

O órgão será um colaborador permanente da secretaria do PPI, com a missão de se antecipar e evitar acordos ilegais entre as empresas nas licitações. Até então, a atuação do Cade se dava após o fechamento do negócio. Para o ex-presidente do órgão Ruy Coutinho, agir preventivamente em editais é a forma mais eficiente de coibir práticas anticompetitivas em leilões:

— O momento do edital é o mais efetivo para esse tipo de ação. Depois que está feita a confusão, vai para a Justiça, recorrem, mas o resultado continua.

Coutinho lembrou que uma distorção nos leilões pode implicar pagamentos extras pelos consumidores de determinado serviço por todos os anos da concessão. No caso em apuração de Belo Monte, se a tarifa foi inflada por cartel, os consumidores pagarão esse preço extra nas contas de luz por 25 anos.

— O que tem de acabar é o efeito potencial de se falsear a concorrência em leilões desse tipo, levando a dominar mercado, elevar preços, lucros, exercer de forma abusiva a predominância. Somos nós que pagamos as imprecisões, como consumidores ou contribuintes — disse Coutinho.

 

 

O globo, n. 30340, 31/08/2016. País, p. 23.