Pronta para o embate

Catarina Alencastro

29/08/2016

 

 

Dilma fará discurso para o ‘povo’ e preparou pesquisa sobre trajetória política de cada senador

No último ato da batalha contra seu impeachment, quando enfrenta os senadores que julgarão se cometeu crime de responsabilidade, a presidente afastada, Dilma Rousseff, fará hoje um discurso emocional, no qual relembrará sua biografia e a luta que travou contra a ditadura. Será uma peça autoral, na qual pretende apelar à consciência dos senadores para que não permitam a ocorrência de um novo “golpe”. Dilma não se deterá em detalhes técnicos. Repetirá que não cometeu crime e que é uma mulher honesta. Quando os senadores iniciarem as perguntas, não replicará com ataques, mas estará preparada para o embate.

— Ela está muito preparada. Não vai atacar, mas também não se deixará levar pelas provocações — diz um aliado que auxiliou no preparo de Dilma.

Semana passada, Dilma se dedicou aos estudos. Imprimiu todos os depoimentos feitos na comissão de impeachment e, de bloquinho na mão, registrava o perfil que cada senador revelava ao inquirir as testemunhas. Na noite de sábado, já tinha a lista dos primeiros inscritos para fazerem perguntas a ela na sessão de hoje. E pesquisou sobre a trajetória política de cada um. Um auxiliar conta que ela não pretende fazer acusações, mas terá cartas na manga para usá-las, caso seja atacada.

ATO DE MISOGINIA

Em sua fala, Dilma repisará a base da argumentação que tem apresentado nos atos contra o impeachment : de que não cometeu crime e que sua deposição, portanto, configura um “golpe”. Ela também aproveitará para defender o projeto político que a alçou ao poder, destacando o foco nas minorias e as ações na área social. A presidente afastada também fará um aceno às mulheres, dizendo que o processo de impeachment é um ato de misoginia, e que, como toda mulher de fibra, não desistirá de lutar para defender a democracia.

— A fala dela não é para os senadores, é para o povo. Ela sabe que cada um dos 81 que vão julgá-la já decidiu seu voto — afirma um aliado.

Ontem, Dilma levantou cedo e pedalou por quase uma hora. Fazia quatro dias que não saía de casa nem para fazer o exercício que virou obsessão no plano de emagrecimento que iniciou após a campanha de reeleição, há dois anos. Saiu do Palácio da Alvorada antes das 7h, passou em frente ao Jaburu (residência da Vice-Presidência, onde fica o presidente interino, Michel Temer), que considera um traidor, seguiu por vias próximas e voltou ao Alvorada.

A redução dos exercícios e a diminuição do rigor com a dieta levaram a presidente a recuperar alguns dos quase 20 quilos que perdeu. Logo no início da manhã, chegaram à residência oficial, que se transformou também em local de trabalho de Dilma, os ex-ministros Eleonora Menicucci (Secretaria de Mulheres) e Miguel Rossetto (Trabalho e Previdência). Os dois têm sido os mais fiéis companheiros, nos últimos dias. Enquanto Menicucci, amiga dos tempos de resistência à ditadura, deu o amparo emocional, Rossetto ajudou na amarração do discurso de defesa.

No fim da tarde, uma força-tarefa se reuniu com a presidente afastada. Além do ex-presidente Lula, que chegou a Brasília para ajudá-la a arredondar o discurso que fará no Senado, Dilma também recebeu os ex-ministros Nelson Barbosa e Jaques Wagner. Além deles, a “comitiva” reuniu Giles Azevedo, assessor pessoal; o presidente do PT, Rui Falcão; o líder do MTST, Guilherme Boulos, e o dirigente do MST, João Paulo Rodrigues.

Para dar “apoio moral” à petista, Lula também vai ao Senado hoje. Deve acompanhar a fala de Dilma e os questionamentos dos senadores nas galerias, junto com os demais convidados da presidente. Entre eles deve estar o cantor e compositor Chico Buarque, que ligou ontem para a presidente e prometeu integrar a comitiva que sairá do Alvorada hoje, às 8h, para acompanhá-la até o Congresso. Além dos 30 convidados a que Dilma tem direito, lideranças sindicais também comparecerão ao Senado, mas ficarão em uma sala da Comissão de Direitos Humanos, reservada pelos senadores petistas.

Auxiliares que a acompanham contam que ela está tranquila e tem lido intensamente as peças de sua defesa, apresentadas pelo advogado José Eduardo Cardozo. Nas últimas semanas, releu a biografia de Getulio Vargas, escrita por Lira Neto, e usou referências do ex-presidente para a construção de sua fala. A presidente afastada chegou a citar Getulio nos dois discursos que fez semana passada, inclusive em seu último evento público, intitulado “Ato em defesa da democracia”, em Brasília.

 

POSTURA DA FOTO DE 1971

Embora o placar pelo impeachment lhe seja desfavorável, Dilma se recusa a admitir a derrota antes do tempo. Um aliado conta que no voo de São Paulo para Brasília, na terça-feira passada, quando voltavam do ato da Frente Brasil Popular contra o impeachment, um assessor comentou com ela que esta era a última viagem dela como presidente. Ao que ela respondeu: “Não sei por que você está falando isso. Você sabe o resultado (do julgamento)? Eu não sei”. Cercada por poucos “companheiros” que se mantiveram firmes ao seu lado durante todo o período de afastamento da Presidência, Dilma se agarra à esperança de que seu destino, que parece selado, possa mudar.

— Falta menos de uma semana para acabar, mas ela não quer dar o braço a torcer. Não admite que ninguém em volta dela fale sobre derrota — conta um auxiliar.

Aliados aconselharam a presidente afastada a adotar, no Senado, a mesma postura da famosa foto de novembro de 1971, quando depôs na 1ª Auditoria Militar do Rio, que eles descrevem como “firme, mas serena”:

— A postura dela será de serenidade, transparência e calma, mas sem deixar de mostrar indignação com a injustiça do processo — disse uma pessoa próxima da petista. 

 

 

O globo, n. 30338, 29/08/2016. País, p. 3.